Crianças têm senso de justiça desde cedo e percebem tratamento desigual
Segundo estudo feito em sete países, crianças percebem quando são vítimas de injustiça já desde os 4 anos.Já a preocupação em ser justo com os outros depende muito da cultura e só começa a aparecer mais tarde, aos 8
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:30/11/2015 15:00Atualização: 30/11/2015 15:42
Os cientistas sociais desenharam um experimento no qual duas crianças sentavam-se uma em frente à outra, tendo, no meio, uma mesa com alguns doces. Aleatoriamente, o mediador oferecia algumas guloseimas para cada uma delas, que tinham de definir se aceitavam ou não a divisão, com base no senso de justiça. Por exemplo, ao ver que o colega recebeu a oferta de um número maior de brindes, o participante poderia aceitar essa distribuição desigual ou puxar uma manivela, em sinal de rejeição. O contrário também era verdadeiro: caso ganhasse mais doces que o outro e achasse que isso não era correto, o beneficiado poderia recusar o agrado.
Para verificar desde quando a rejeição à iniquidade se manifesta, os cientistas realizaram os testes com 866 pares de meninos e meninas de 4 a 15 anos. A investigação sobre a influência cultural se deu em sete países: Estados Unidos, Canadá, Índia, México, Peru, Senegal e Uganda. Além de diferenças nas formas de povoamento, essas nações têm religiões e bases econômicas diversas. No México, por exemplo, a população tem origem maia, é majoritariamente católica e a economia tem componentes agrícolas e urbanos. Já no Senegal, 94% dos habitantes são muçulmanos, falam o idioma uólofe e trabalham, principalmente, no campo e com a pesca. Tudo isso contrasta bastante com a cultura norte-americana dos EUA e do Canadá, que é, em sua maioria, cristã e tem a economia enraizada na indústria.
Em uma coletiva de imprensa organizada pelo grupo editorial da revista Nature, que publicou o artigo, Katherine McAuliffe, psicóloga e pesquisadora tanto de Harvard quanto da Universidade de Boston, explicou que a idade e o local de nascimento influenciaram os resultados dos testes. “Em todos os países, as crianças mais novas já demonstravam aversão à iniquidade quando elas eram as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal”, afirmou.
Um dado pareceu surpreendente a Peter Blake, pesquisador do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Universidade de Boston, principal autor do estudo. Enquanto os pequenos rejeitavam rapidamente o jogo quando se sentiam em desvantagem, por volta dos 8 anos, eles também mostravam aversão à injustiça praticada contra o colega de teste. “Quando o outro participante recebia menos doces, as crianças que ganhavam mais puxavam a manivela verde, indicando que não aceitariam essa oferta, mesmo que ela fosse vantajosa para elas”, descreveu. “Isso foi um dado que nos deixou intrigados. As crianças estão dispostas a fazer sacrifício para que o outro não seja prejudicado.” A resposta dos pequenos quando indagados sobre o motivo pelo qual recusaram o doce era simples e direta: “Eles diziam simplesmente que não era justo”.
Essa disposição, no entanto, não foi vista em todos os lugares pesquisados. Em um indicativo de que o surgimento dos conceitos de justiça e iniquidade varia de acordo com a cultura, apenas em três países as crianças rejeitaram as guloseimas quando as outras receberiam menos: Canadá, Estados Unidos e Uganda. Nas demais nações, embora recusassem um número menor de balas, os meninos e as meninas de todos os grupos etários aceitavam receber mais que os colegas.
Pais
Katherine McAuliffe esclarece que isso não significa que nesses lugares não exista senso de iniquidade quando o atingido é um terceiro. “Nesse estudo, nós não nos concentramos em ir atrás das razões, algo que, certamente, vamos querer investigar no futuro. Contudo, o que esse resultado sugere é que, provavelmente, nesses casos, a noção de desigualdade pode emergir mais tarde, dependendo da cultura em que se está inserida”, disse.
Blake destaca que, provavelmente, no Canadá, nos Estados Unidos e em Uganda, os pais, desde muito cedo, reforcem aos filhos a necessidade de se fazer divisões igualitárias. E que é possível que, em outras culturas, esses conceitos sejam ensinados mais tarde. “Algo que podemos inferir dos resultados, acredito, é que a aversão à iniquidade desvantajosa para nós seja um valor universal na humanidade. Já o contrário, a aversão à iniquidade desvantajosa para o outro, seja mais influenciada por normas culturais”, avaliou.
Os autores ressaltam que, embora tenham diversificado os locais de estudo, ainda assim a pesquisa é uma pequena amostra da grande diversidade cultural humana. De acordo com eles, investigações mais amplas precisam ser feitas antes de se fechar a questão. “Nossos resultados referem-se às culturas que testamos. Há sempre uma grande possibilidade de não vermos esses mesmos padrões em outras culturas”, observou Blake.
Crianças demonstram consciência aparentemente inata da equidade
Saiba mais...
“Isso não é justo!” Quantas vezes não se escuta a frase da boca de uma criança? Meninos e meninas ainda muito pequenos demonstram uma consciência aparentemente inata da equidade, principalmente quando a questão envolve desvantagem para eles. Contudo, saber quando o senso de justiça emerge sempre foi um desafio para filósofos e estudiosos da moralidade humana. Na tentativa de encontrar uma resposta, pesquisadores das universidades de Harvard e de Boston desenvolveram um teste que foi aplicado em crianças e adolescentes de sete regiões do planeta. Os resultados indicaram que a compreensão sobre o que é justo difere de acordo com a idade e a cultura.- Brasil reduz em 36% número de mortes de crianças no trânsito em dez anos
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Os cientistas sociais desenharam um experimento no qual duas crianças sentavam-se uma em frente à outra, tendo, no meio, uma mesa com alguns doces. Aleatoriamente, o mediador oferecia algumas guloseimas para cada uma delas, que tinham de definir se aceitavam ou não a divisão, com base no senso de justiça. Por exemplo, ao ver que o colega recebeu a oferta de um número maior de brindes, o participante poderia aceitar essa distribuição desigual ou puxar uma manivela, em sinal de rejeição. O contrário também era verdadeiro: caso ganhasse mais doces que o outro e achasse que isso não era correto, o beneficiado poderia recusar o agrado.
Para verificar desde quando a rejeição à iniquidade se manifesta, os cientistas realizaram os testes com 866 pares de meninos e meninas de 4 a 15 anos. A investigação sobre a influência cultural se deu em sete países: Estados Unidos, Canadá, Índia, México, Peru, Senegal e Uganda. Além de diferenças nas formas de povoamento, essas nações têm religiões e bases econômicas diversas. No México, por exemplo, a população tem origem maia, é majoritariamente católica e a economia tem componentes agrícolas e urbanos. Já no Senegal, 94% dos habitantes são muçulmanos, falam o idioma uólofe e trabalham, principalmente, no campo e com a pesca. Tudo isso contrasta bastante com a cultura norte-americana dos EUA e do Canadá, que é, em sua maioria, cristã e tem a economia enraizada na indústria.
"Em todos os países, as crianças mais novas já demonstravam aversão à iniquidade quando elas eram
as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal”
Katherine McAuliffe, psicóloga e autora da pesquisa
as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal”
Katherine McAuliffe, psicóloga e autora da pesquisa
Para verificar desde quando a rejeição à iniquidade se manifesta, os cientistas realizaram os testes com 866 pares de meninos e meninas de 4 a 15 anos
Um dado pareceu surpreendente a Peter Blake, pesquisador do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Universidade de Boston, principal autor do estudo. Enquanto os pequenos rejeitavam rapidamente o jogo quando se sentiam em desvantagem, por volta dos 8 anos, eles também mostravam aversão à injustiça praticada contra o colega de teste. “Quando o outro participante recebia menos doces, as crianças que ganhavam mais puxavam a manivela verde, indicando que não aceitariam essa oferta, mesmo que ela fosse vantajosa para elas”, descreveu. “Isso foi um dado que nos deixou intrigados. As crianças estão dispostas a fazer sacrifício para que o outro não seja prejudicado.” A resposta dos pequenos quando indagados sobre o motivo pelo qual recusaram o doce era simples e direta: “Eles diziam simplesmente que não era justo”.
Essa disposição, no entanto, não foi vista em todos os lugares pesquisados. Em um indicativo de que o surgimento dos conceitos de justiça e iniquidade varia de acordo com a cultura, apenas em três países as crianças rejeitaram as guloseimas quando as outras receberiam menos: Canadá, Estados Unidos e Uganda. Nas demais nações, embora recusassem um número menor de balas, os meninos e as meninas de todos os grupos etários aceitavam receber mais que os colegas.
Pais
Katherine McAuliffe esclarece que isso não significa que nesses lugares não exista senso de iniquidade quando o atingido é um terceiro. “Nesse estudo, nós não nos concentramos em ir atrás das razões, algo que, certamente, vamos querer investigar no futuro. Contudo, o que esse resultado sugere é que, provavelmente, nesses casos, a noção de desigualdade pode emergir mais tarde, dependendo da cultura em que se está inserida”, disse.
Blake destaca que, provavelmente, no Canadá, nos Estados Unidos e em Uganda, os pais, desde muito cedo, reforcem aos filhos a necessidade de se fazer divisões igualitárias. E que é possível que, em outras culturas, esses conceitos sejam ensinados mais tarde. “Algo que podemos inferir dos resultados, acredito, é que a aversão à iniquidade desvantajosa para nós seja um valor universal na humanidade. Já o contrário, a aversão à iniquidade desvantajosa para o outro, seja mais influenciada por normas culturais”, avaliou.
Os autores ressaltam que, embora tenham diversificado os locais de estudo, ainda assim a pesquisa é uma pequena amostra da grande diversidade cultural humana. De acordo com eles, investigações mais amplas precisam ser feitas antes de se fechar a questão. “Nossos resultados referem-se às culturas que testamos. Há sempre uma grande possibilidade de não vermos esses mesmos padrões em outras culturas”, observou Blake.