Cientista mineira estuda novas possibilidades de gravidez pós-câncer

Jhenifer Kliemchen Rodrigues propõe técnica que pode ser alternativa para mulheres que queiram engravidar depois de tratar tumor

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Bruno Freitas - Estado de Minas Publicação:05/03/2016 14:04

Cultivo in vitro (em ambiente controlado) de folículos ovarianos ainda em estágio inicial pode auxiliar pacientes com câncer a engravidar depois da cura da doença. Desenvolvida por cientista mineira ao longo de 18 meses nos laboratórios do Oregon National Primate Research Center e Oregon Health and Science University, em Beaverton (Oregon), nos Estados Unidos, a pesquisa usou material ovariano fresco de 14 macacas da espécie Macaca mulatta adultas, coletado na fase inicial do amadurecimento (estágio secundário).

 

Foi analisado o desenvolvimento dos folículos, cultivados em incubadora a 37OC, em diferentes experimentos por cerca de cinco semanas. Ao fim, observou-se que, na presença de hormônios masculinos (androgênios), os folículos recuperaram a sobrevida, crescimento, formação do antro (característica de maturação) e produção hormonal.

A nova técnica tem potencial de se tornar uma alternativa para crianças e mulheres que precisam se submeter a tratamento contra o câncer.

 

O meio mais comum na preservação da fertilidade feminina atual usa oócitos (óvulos) maduros obtidos depois da estimulação ovariana artificial, o que não garante maternidade para meninas que ainda não entraram na puberdade, que, por isso, não podem ser estimuladas artificialmente.

 

Mulheres que correm riscos de retorno do câncer também ficam impedidas de recorrer à criopreservação (congelamento) de tecido ovariano e posterior reimplante por risco de metástase, explica a cientista mineira e autora da pesquisa, Jhenifer Kliemchen Rodrigues.

Técnica cultiva folículos ovarianos em laboratório, adicionando a eles hormônios masculinos, que mostraram ter papel importante na maturação folicular (Acervo pessoal/Reprodução)
Técnica cultiva folículos ovarianos em laboratório, adicionando a eles hormônios masculinos, que mostraram ter papel importante na maturação folicular
Os experimentos de Jhenifer, que está à frente da Rede Brasileira de Oncofertilidade – composta de oito grupos assistenciais e/ou de pesquisa no Brasil –, ajudam a esclarecer um paradigma da ciência atual, comprovando que os androgênios apresentam ações benéficas no amadurecimento e crescimento, além de importante papel no desenvolvimento inicial folicular. Com a maturação folicular realizada em laboratório, espera-se que a técnica beneficie esse perfil de paciente.

Os folículos são estruturas presentes dentro dos ovários, desenvolvendo-se cada um por vários estágios de amadurecimento. Por muito tempo, os androgênios foram considerados prejudiciais à maturação folicular. Os resultados são parte da tese “Papel dos androgênios na sobrevida, crescimento e secreção de hormônios esteroides e antimüllerianos por folículos de Macaca mulatta cultivados individualmente em matriz 3D”, desenvolvida pelo Setor de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Oregon Health and Science University. A tese conferiu a Jhenifer o título de doutora em 2014, o prêmio Capes de Tese 2015 na área de Medicina III e uma bolsa de pós-doutorado.

“Os resultados contribuem para um melhor entendimento da foliculogênese em primatas, que ainda é muito pouco compreendida, além de auxiliar na identificação das condições ótimas para o cultivo folicular in vitro, cuja melhora é fundamental para propiciar a obtenção de oócitos maduros saudáveis. O desenvolvimento da técnica permitiria que pacientes com câncer que criopreservaram o tecido ovariano antes de iniciar o tratamento da doença ter a chance de engravidar, sem necessidade de transplante do próprio tecido”, observa a pesquisadora.

Para o incremento da técnica, são sugeridos por ela novos estudos com a adição de hormônios masculinos (testosterona e di-hidrotestosterona) ao meio de cultura, uma vez que o estudo mostrou papel importante desses hormônios para o desenvolvimento dos folículos em laboratório. “Os estudos permitiriam o maior entendimento do processo do desenvolvimento dos folículos, bem como testar diferentes combinações de componentes no meio de cultivo”, acrescenta.

A ideia do projeto surgiu com a ida de Jhenifer para os Estados Unidos no início de 2010, como parte do doutorado. O grupo de pesquisas norte-americano de Oregon já havia obtido resultados positivos em estudos preliminares com a técnica. Faltava, contudo, um melhor entendimento da foliculogênese (desenvolvimento dos folículos), para que, no futuro, a técnica pudesse ser aplicada clinicamente em humanos. Daí surgiu a proposta de se estudar o papel dos hormônios esteroides, em particular os androgênios – testosterona e di-hidrotestosterona –, no desenvolvimento folicular. Do início ao fim, foram 18 meses de trabalho, que resultou na obtenção de resultados que ajudam na compreensão da foliculogênese e otimização da técnica de maturação de folículos em laboratório.
À frente da Rede Brasileira de Oncofertilidade, Jhenifer desenvolveu estudo que lhe conferiu título de doutora, além do prêmio Capes de Tese 2015 e uma bolsa de pós-doutorado (Acervo pessoal/Reprodução)
À frente da Rede Brasileira de Oncofertilidade, Jhenifer desenvolveu estudo que lhe conferiu título de doutora, além do prêmio Capes de Tese 2015 e uma bolsa de pós-doutorado
Foram analisadas 14 fêmeas adultas de Macaca mulatta com ciclos menstruais regulares e coletados entre 60 a 100 folículos, em média, de cada animal. Os folículos foram coletados de forma mecânica, utilizando agulhas para seu isolamento individual, sob lupa e em placa aquecida a 37OC. Na sequência, o material foi encapsulado em matriz 3D a base de alginato, cultivados por aproximadamente 40 dias de cultivo em incubadora a 37OC e 5% de CO2.

HOJE E AMANHÃ Criopreservação e reimplante de tecido ovariano já são realizados globalmente, apesar de a técnica ainda ser considerada experimental. A literatura científica relata 60 nascidos vivos e cinco gestações em curso. No Brasil, apenas um transplante foi realizado, porém com o uso de tecido fresco, sem congelamento, e de irmãs gêmeas. A pesquisadora Jhenifer Rodrigues lembra que ainda há um longo caminho para que a técnica se torne realidade nas clínicas de fertilização. “Precisa ser melhorada em muitos aspectos, como o meio de cultivo, a adição de esteroides, fatores de crescimento. No estudo, o tecido ovariano foi usado fresco. Deve ser testada em tecido ovariano humano criopreservado”, diz.

Ela acredita ainda que as informações aos pacientes e profissionais de saúde devam avançar. Um dos objetivos da Rede Brasileira de Oncofertilidade, fundada em 2013 e conhecida internacionalmente como Brazilian Oncofertility Consortium (BOC) da qual a pesquisadora está à frente, é levar informações sobre técnicas atualizadas para preservar a fertilidade e realizar parcerias em projetos de pesquisa. O público-alvo reúne principalmente médicos oncologistas, ginecologistas, urologistas e mastologistas, que lidam diariamente com pacientes oncológicos. Entre as recentes publicações da rede, está o livro Preservação da fertilidade: uma nova fronteira em medicina reprodutiva e oncologia (Medbook Editora), que aborda de forma profunda aspectos envolvidos na oncofertilidade.

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