Estudo mostra que 'colesterol bom' também pode fazer mal à saúde cardiovascular
HDL prejudica pessoas com mutação no gene SCARB1. O achado não muda a orientação de manter altas as taxas da substância, mas pode levar a terapias personalizadas
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:22/03/2016 15:00Atualização: 23/03/2016 10:41
O HDL tem diversos subtipos e, décadas atrás, cientistas começaram a identificar aqueles que, em vez de proteger o coração, têm efeito contrário. Um desses trabalhos, realizado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts há 20 anos com ratos de laboratório, encontrou a associação entre uma variante do gene SCARB1 e a incidência de aterosclerose. Agora, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia confirmaram o achado, mas em humanos. Eles começaram procurando essa mutação em um grupo de 852 pessoas que apresentavam níveis de colesterol HDL extremamente elevados. Uma mulher de 67 anos chamou a atenção dos cientistas. Mesmo com taxa de 152mg/dl, contra a média de 63mg/dl dos demais, suas artérias estavam repletas de placas de gordura. Ela tinha uma mutação no gene que o impedia de funcionar.
Depois disso, a equipe, liderada pelo geneticista Daniel Rader, buscou na literatura científica estudos de DNA realizados ao redor do mundo com 138 mil pessoas, sendo que, dessas, quase 50 mil tinham doença cardiovascular. Nesse universo, foram encontrados 284 indivíduos com apenas uma cópia funcional do gene, sendo que a maioria apresentava altas concentrações de colesterol HDL. Todos eles tinham chance 80% maior de sofrer doença coronariana arterial comparados aos que não tinham a mutação genética. Segundo Rader, esse percentual é o mesmo de outros fatores de risco, como diabetes e hipertensão. É importante notar que a mutação é rara, representando 0,20% das pessoas do estudo.
Fígado
A explicação para o fato de o colesterol bom, nesses indivíduos, tornar-se ruim está no fato de a variação do gene SCARB1 dificultar a importante tarefa desempenhada pelo HDL de transportar a gordura da corrente sanguínea para o fígado, de onde, então, ela é retirada do organismo. Sem isso, os lipídeos, em vez de sair do corpo, vão se acumulando na parede das artérias, um processo semelhante ao que acontece nas pessoas que têm taxas altas de colesterol LDL, o colesterol ruim. Em pesquisas anteriores que também investigaram os subtipos de HDL associados ao risco aumentado de doença coronariana, outros fatores, que não o gene SCARB1, estavam por trás da inversão de papeis do HDL. Contudo, o mecanismo final era o mesmo: no lugar de expulsar a gordura, ela acabava se acumulando.
Jay Heinecke, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em Seattle, é um dos cientistas que investigam as classes de HDL que podem ser perigosas para o coração. O médico, que não participou do estudo da Science, explica que o colesterol é uma substância extremamente complexa e desconhecida. “Existem muitos componentes do HDL que ainda não identificamos ou que não sabemos exatamente para que servem. Nós ainda temos que estudar muito”, reconhece. Ele afirma que a detecção desses componentes poderia, por exemplo, levar ao desenvolvimento de um exame de sangue preciso, que não apenas apontasse as taxas de colesterol dos pacientes, mas indicasse o subtipo. Isso, porém, está longe.
“Além de ainda não ser factível e possível identificar marcadores no exame comum de laboratório, nas pesquisas em que são detectados, nem sempre eles aumentam o risco de doenças cardiovasculares”, destaca Maria Eliane Magalhães, presidente do Departamento de Hipertensão da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj). Foi o caso do estudo conduzido agora por Daniel Rader, onde 20% das pessoas que apresentavam o gene mutante e o colesterol HDL alto não tinham acúmulo de gordura nas artérias. “Apesar de não sabermos o quanto do HDL é composto por frações protetoras, não caiu por terra a orientação de que é melhor ter o HDL mais alto do que baixo. Temos evidências de que aqueles com colesterol HDL mais alto têm risco coronariano menor”, diz.
Diferenciação
Contudo, a médica ressalta que não adianta querer estimular o aumento dessa substância artificialmente. “Já se abandonou a ideia de elevar o HDL com remédios. Quando se tentou isso, os resultados não se mostraram benéficos”, observa. Para Jay Heinecke, uma das causas seria justamente a falta de conhecimento atual sobre quais componentes do lipídeo são protetores - e como cada um desempenha esse papel - e quais são inócuas ou podem mesmo fazer mal à saúde do coração.
Em nota, Daniel Rader confirmou que a orientação ainda é a de que taxas altas de colesterol HDL protegem o organismo contra formação de placas de gordura. O geneticista afirmou que as pesquisas tentam justamente entender as diferenças dos subtipos para poder, um dia, guiar os pacientes de maneira mais precisa. “Queremos chegar ao ponto de falar para o paciente X que ele tem colesterol HDL alto e isso é bom para ele; e dizer ao Y que ele também tem HDL alto, mas que, nesse caso, isso poderia ser um risco”, disse.
Saiba mais...
Conhecido popularmente como “colesterol bom”, o HDL nem sempre é garantia de saúde cardiovascular. Na realidade, para um grupo de pessoas, níveis muito elevados da substância podem ser tão prejudiciais quanto a alta concentração do LDL, o “colesterol ruim”. Um estudo publicado na edição desta semana da revista Science descobriu que indivíduos que carregam uma mutação no gene SCARB1 têm risco aumentado para a formação de placas gordurosas nas artérias, ao mesmo tempo em que apresentam taxas altas de HDL. Contudo, especialistas alertam: para a população em geral, continua valendo a regra de que quanto mais “colesterol bom”, melhor.- Tire suas dúvidas sobre colesterol alto e a hipercolesterolemia familiar
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O HDL tem diversos subtipos e, décadas atrás, cientistas começaram a identificar aqueles que, em vez de proteger o coração, têm efeito contrário. Um desses trabalhos, realizado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts há 20 anos com ratos de laboratório, encontrou a associação entre uma variante do gene SCARB1 e a incidência de aterosclerose. Agora, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia confirmaram o achado, mas em humanos. Eles começaram procurando essa mutação em um grupo de 852 pessoas que apresentavam níveis de colesterol HDL extremamente elevados. Uma mulher de 67 anos chamou a atenção dos cientistas. Mesmo com taxa de 152mg/dl, contra a média de 63mg/dl dos demais, suas artérias estavam repletas de placas de gordura. Ela tinha uma mutação no gene que o impedia de funcionar.
Depois disso, a equipe, liderada pelo geneticista Daniel Rader, buscou na literatura científica estudos de DNA realizados ao redor do mundo com 138 mil pessoas, sendo que, dessas, quase 50 mil tinham doença cardiovascular. Nesse universo, foram encontrados 284 indivíduos com apenas uma cópia funcional do gene, sendo que a maioria apresentava altas concentrações de colesterol HDL. Todos eles tinham chance 80% maior de sofrer doença coronariana arterial comparados aos que não tinham a mutação genética. Segundo Rader, esse percentual é o mesmo de outros fatores de risco, como diabetes e hipertensão. É importante notar que a mutação é rara, representando 0,20% das pessoas do estudo.
Fígado
A explicação para o fato de o colesterol bom, nesses indivíduos, tornar-se ruim está no fato de a variação do gene SCARB1 dificultar a importante tarefa desempenhada pelo HDL de transportar a gordura da corrente sanguínea para o fígado, de onde, então, ela é retirada do organismo. Sem isso, os lipídeos, em vez de sair do corpo, vão se acumulando na parede das artérias, um processo semelhante ao que acontece nas pessoas que têm taxas altas de colesterol LDL, o colesterol ruim. Em pesquisas anteriores que também investigaram os subtipos de HDL associados ao risco aumentado de doença coronariana, outros fatores, que não o gene SCARB1, estavam por trás da inversão de papeis do HDL. Contudo, o mecanismo final era o mesmo: no lugar de expulsar a gordura, ela acabava se acumulando.
Jay Heinecke, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em Seattle, é um dos cientistas que investigam as classes de HDL que podem ser perigosas para o coração. O médico, que não participou do estudo da Science, explica que o colesterol é uma substância extremamente complexa e desconhecida. “Existem muitos componentes do HDL que ainda não identificamos ou que não sabemos exatamente para que servem. Nós ainda temos que estudar muito”, reconhece. Ele afirma que a detecção desses componentes poderia, por exemplo, levar ao desenvolvimento de um exame de sangue preciso, que não apenas apontasse as taxas de colesterol dos pacientes, mas indicasse o subtipo. Isso, porém, está longe.
“Além de ainda não ser factível e possível identificar marcadores no exame comum de laboratório, nas pesquisas em que são detectados, nem sempre eles aumentam o risco de doenças cardiovasculares”, destaca Maria Eliane Magalhães, presidente do Departamento de Hipertensão da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj). Foi o caso do estudo conduzido agora por Daniel Rader, onde 20% das pessoas que apresentavam o gene mutante e o colesterol HDL alto não tinham acúmulo de gordura nas artérias. “Apesar de não sabermos o quanto do HDL é composto por frações protetoras, não caiu por terra a orientação de que é melhor ter o HDL mais alto do que baixo. Temos evidências de que aqueles com colesterol HDL mais alto têm risco coronariano menor”, diz.
Diferenciação
Contudo, a médica ressalta que não adianta querer estimular o aumento dessa substância artificialmente. “Já se abandonou a ideia de elevar o HDL com remédios. Quando se tentou isso, os resultados não se mostraram benéficos”, observa. Para Jay Heinecke, uma das causas seria justamente a falta de conhecimento atual sobre quais componentes do lipídeo são protetores - e como cada um desempenha esse papel - e quais são inócuas ou podem mesmo fazer mal à saúde do coração.
Em nota, Daniel Rader confirmou que a orientação ainda é a de que taxas altas de colesterol HDL protegem o organismo contra formação de placas de gordura. O geneticista afirmou que as pesquisas tentam justamente entender as diferenças dos subtipos para poder, um dia, guiar os pacientes de maneira mais precisa. “Queremos chegar ao ponto de falar para o paciente X que ele tem colesterol HDL alto e isso é bom para ele; e dizer ao Y que ele também tem HDL alto, mas que, nesse caso, isso poderia ser um risco”, disse.