Confrontados com dilemas morais, autistas demonstram empatia semelhante à da população geral

Pesquisa publicada na revista Scientific Reports refuta a ideia de que autistas não têm capacidade de se colocar no lugar do outro

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:12/04/2016 15:00
O espectro autista é cercado de preconceitos. Comumente, quem tem pouco conhecimento sobre esse quadro imagina crianças isoladas que, diante da mínima contrariedade, reagem com violência. Uma impressão que se estende aos adultos com o transtorno, frequentemente tachados de pessoas frias, antissociais e que não se importam com os outros, propensas até mesmo a cometerem assassinatos.

Aos poucos, a ciência ajuda a combater estereótipos tão negativos. Alguns estudos já mostraram que indivíduos com transtornos mentais - tais como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e autismo - são, na verdade, menos propensos a praticar crimes que a população em geral, mas a atenção que a mídia dá a casos envolvendo pacientes aumenta a sensação de que eles são violentos. Agora, uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports refuta a ideia de que autistas não têm capacidade de se colocar no lugar do outro. De acordo com os responsáveis pelo trabalho, esses pacientes têm respostas empáticas semelhantes às das demais pessoas quando confrontados com dilemas morais.

Principal autor do estudo, Indrajeet Patil explica que o mito da frieza dos autistas é resultado da alexitimia, um traço que consiste na incapacidade de reconhecer as próprias emoções e as dos outros. “É uma característica subclínica que está presente na comunidade geral e varia em gravidade. Curiosamente, manifestações clínicas dela são observadas em uma a cada 10 pessoas saudáveis. Mas, entre autistas, atinge um a cada dois”, explica Patil, que é neurocientista da Escola Internacional Superior de Estudos Avançados de Trieste (Sissa), na Itália.

Envolvimento
No estudo, a equipe contou com a ajuda de 17 adultos com diagnóstico de autismo de alto funcionamento (AFF), uma forma leve do transtorno. Os voluntários foram apresentados a situações hipotéticas em que deveriam fazer uma escolha difícil, que sempre envolvia sacrificar uma pessoa para salvar a vida de outras cinco. Patil explica que os dilemas foram divididos de acordo com a forma como a ação seria executada. Em alguns casos, o participante, para tomar a decisão de sacrificar uma pessoa e salvar as demais, precisaria, por exemplo, apenas girar a chave de um carro. Em outras, para atingir o mesmo resultado, o voluntário precisaria se envolver mais pessoalmente no ato, como empurrando o indivíduo de uma ponte.

Quando participam de testes desse tipo, as pessoas, geralmente, têm maior dificuldade com as situações que exigem um envolvimento maior e dizem que, mesmo sabendo que o resultado seria salvar outras cinco vidas, não conseguiriam agir diretamente, matando alguém. Isso, porque sentem empatia pela pessoa que seria sacrificada. “O mesmo padrão é observado em autistas. Ou seja: eles podem distinguir entre os casos pessoais e impessoais com base em quão emocionalmente aversiva é a natureza do dano. Eles dizem não a dilemas pessoais com mais frequência, em comparação com dilemas impessoais, como os adultos saudáveis”, explica o autor.

Os cientistas usaram técnicas de modelagem estatística para identificar e dissociar traços dos voluntários que influenciavam em suas escolhas, concluindo que a alexitimia, que favorece escolhas utilitárias e menos empáticas, acaba anulada por outras características. “Eles, às vezes, parecem exibir falta de tal preocupação por causa da parte não reconhecida de sua personalidade, ou seja, a alexitimia. Contudo, traços tipicamente autistas estão associados a uma maior angústia pessoal perante o sofrimento dos outros e, consequentemente, apresentam mais desconforto em situações morais que envolvem danos. No estudo, as decisões morais dos participantes indicavam que estavam, em média, mais avessos a causar dano a outrém, ainda que esse produzisse melhores resultados. Não esperávamos esse resultado”, acrescenta Patil.

Aprendizado
A psiquiatra Rosa Amorim reforça que, hoje, médicos e familiares sabem que autistas possuem, sim, empatia. “Mas é a forma com que eles apresentam e constroem essa empatia que é diferente e gera confusão. A população geral utiliza uma coisa chamada teoria da mente, que é uma cognição social para se colocarem no lugar do outro e que permite pensar como ele. Muitas vezes, por conta da dificuldade de interação social e comunicação, os autistas têm um deficit nessa capacidade, ou então uma diferente organização”.

É possível, afirma Amorim, que a capacidade não seja espontânea, mas aprendida. “Assim, precisamos traduzir e explicar para eles muitas situações que exigem essa postura. Temos de mostrar como é o sentimento dos outros e como nos sentiríamos se estivéssemos em seus lugares. Uma vez que eles entendem isso logicamente, conseguem ter empatia e se aproximar”, explica a médica.

Indrajeet Patil ressalta que o estudo mostra a importância de se levar em consideração os efeitos da alexitimia em qualquer processamento de emoção entre autistas. “Nossos resultados também têm implicações para outras populações clínicas que são bem conhecidos por terem níveis elevados desse traço, como pessoas com doença de Parkinson, esquizofrenia, transtornos alimentares, abuso de álcool e ansiedade social. Em estudos futuros, gostaríamos de explorar o papel da alexitimia em sentimentos pró-sociais em situações menos extremas e mais banais, como ceder o assento para uma senhora idosa no ônibus”, antecipa.

Nova classificação
Segundo a psiquiatra Rosa Amorim, a classificação AAF está em desuso. “Há mais ou menos dois anos, a comunidade médica adota as classificações leve, moderado e grave”, esclarece a coordenadora clínica do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria (Proeta), da Universidade de São Paulo (USP). Na atual classificação, AAF corresponde a indivíduos com autismo leve e síndrome de Asperger. Apesar de um melhor prognóstico, esses indivíduos possuem dificuldades para interagir socialmente e executar a comunicação não verbal, que envolve olhares e expressões. Possuem, ainda, tendência a comportamentos repetitivos e interesses restritos.

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