Mãe narra superação do diagnóstico de microcefalia
Da idealização de um bebê "perfeito" que desmorona com a notícia da malformação, ao medo de não dar conta, Zirlene de Castro Cunha Godoi, 22 anos, fala sobre o início da construção do vínculo e relacionamento com Maria Fernanda, 4 meses. Ensaio fotográfico consagra o amor que só cresce entre mãe e filha
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:02/05/2016 11:20Atualização: 26/09/2016 16:09
“Hoje, para mim, a diferença não faz a menor diferença”. Para chegar a essa percepção, o caminho percorrido pela analista financeira Zirlene de Castro Cunha Godoi, 22 anos, foi longo e tortuoso. Em agosto de 2015, quando pouco se falava sobre microcefalia, ela leu essa palavra escrita no laudo do ultrassom morfológico da filha que esperava, a Maria Fernanda. O exame que toda grávida precisa fazer é cercado de expectativas por ser um norteador de como anda o desenvolvimento do bebê dentro do útero da mãe. Sem entender sequer o significado daquele diagnóstico recebido na 20ª semana de gestação, ela viu desmoronar a idealização de colocar no mundo um bebê “perfeito”. “Uma palavra técnica, que a gente não conhecia, mas que nos fazia imaginar horrores, nos desabou. Eu só sabia que se referia à medida do crânio, mas sem noção do que significaria para a vida dela”, recorda-se.
A partir desse dia, a gravidez de Zirlene foi marcada não apenas pelos preparativos do quarto, a escolha das roupinhas, o anseio em conhecer o rosto da filha e pegá-la em seus braços, mas também por exames e mais exames. “Era uma rotina que acabava comigo. Ao mesmo tempo em que esperava por um milagre de Deus, que minha filha fosse apenas um bebê miudinho, eu sentia um medo tão grande só de pensar no que estava por vir”, conta a mãe de Maria Fernanda.
Desde outubro de 2015, o Brasil assiste ao aumento do número de bebês nascidos com a malformação. O último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde confirma 1.198 casos, a maioria deles associado à infecção por zika vírus durante a gestação. Antes disso, a microcefalia sequer tinha notificação obrigatória no país e pouco se falava sobre a condição. “Percebi que quando um acompanhamento de pré-natal foge ao padrão, os médicos pouco sabem, pouco ajudam e têm dificuldade em lidar com a situação. E seguimos a gravidez assim: os exames alterados, sem saber o que realmente era, mas com a certeza de sequelas”, afirma Zirlene.
Desde então, ela e o marido, o supervisor de vendas Fagner Feliz de Godoi, decidiram não relatar aos amigos e familiares o que ouviam dos médicos. “Naquele momento, a única coisa que desejei é que minha filha fosse uma criança feliz. Sem saber o que poderia acontecer, resolvemos curtir os momentos da gravidez, que é uma fase tão linda. A Maria Fernanda mexia tanto e era tão maravilhosa a sensação que decidi curtir os momentos e não pensar muito nas dificuldades que viriam. Às vezes eu me sentia triste e me perguntei diversas vezes ‘por que comigo?’. Cheguei a me culpar pela condição da minha filha. Mas aí vinha à minha cabeça que o amor não está na perfeição”, observa.
No auge do surto de microcefalia, em dezembro daquele ano, Maria Fernanda nasceu com 2,645 quilos, 43 cm e perímetro cefálico de 27,5 cm. Seguindo o padrão da Organização Mundial de Saúde (OMS), deve-se notificar casos suspeitos da malformação de meninos com a medida do crânio inferior a 31,9 cm e, de meninas, menor que 31,5 cm. “Até hoje não sei a causa da microcefalia da minha filha”, afirma a mãe de Maria Fernanda que, inclusive, foi submetida ao teste para descartar a infecção por zika vírus, mas ainda sem resultado.
Neuropediatra da Associação Mineira de Reabilitação (AMR), Maria Letícia Gambogi Teixeira explica que em uma parcela pequena dos casos, menos de 10%, a microcefalia (cabeça pequena) é uma característica da pessoa sem que exista nada de errado com o cérebro. Apesar de a infecção por zika vírus ter trazido à tona as consequências da malformação para o desenvolvimento dos bebês, a microcefalia tem diversas origens. “De modo geral, as chances de a malformação impactar o desenvolvimento de uma criança é muito grande”, explica a especialista. Os problemas vão desde o atraso na coordenação motora, dificuldade de aprendizagem, atraso mental, déficit intelectual, paralisia, rigidez dos músculos.
As causas da microcefalia podem ser de origem genética ou ambiental. Além da infecção da gestante pelo zika vírus, outras doenças infecciosas como rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, varicela e herpes também podem desencadear a malformação, assim como o consumo de cigarro, álcool e outras drogas na gravidez. A falta de oxigenação na hora do parto (hipóxia grave) também pode causar a condição. “Todas as vezes que se conseguiu associar a infecção por zika com a microcefalia, as alterações cerebrais têm sido consideradas graves. Estudos têm mostrado que o vírus zika tem uma facilidade maior de atingir as células cerebrais”, salienta a neuropediatra.
Com a filha nos braços, que não só chorou alto ao nascer, mas mamou ainda na sala de parto e recebeu alta junto com a mãe, Zirlene passou a focar no presente, no bem-estar e na saúde da filha e em oferecer a ela as condições para que se desenvolva, ao seu tempo, com (ou sem) as limitações que porventura apareçam. “No dia do parto, fui sem medo algum, estava muito confiante e desejando muito conhecê-la. Tinha um lindo quartinho à espera da Maria Fernanda, roupinhas cheirosas e eu me sentia feliz”, conta a analista.
Apesar de ser inevitável pensar no que está por vir, Zirlene tem aprendido a valorizar o presente. E quando se fala em crianças, o mais comum é a preocupação com o futuro, como ajudá-las para que, na vida adulta, elas possam ser o que desejarem. O que às vezes se esquece, e é preciso que mães e pais estejam atentos, é o olhar atencioso para a infância como o tempo que as crianças têm para viver o que são. A infância deveria ser em si o tempo valorizado. Não o que pode vir a ser, mas o que se é. “O sorriso no rosto da Maria Fernanda é tão espontâneo que eu sinto que ela é feliz”, afirma a mãe.
Apesar de dificilmente a garotinha passar despercebida por parques e praças, Zirlene tem sentido o acolhimento das pessoas. A mãe de Maria Fernanda já começou a colecionar histórias daquelas que valem a pena ser contadas, como a do dia que estava no posto de saúde com sua bebê e uma turma grande de estudantes, meninos entre 8 e 10 anos, que voltava da escola e passava pelo local, resolveu brincar com aquele neném que era só sorrisos. “'Nossa Senhora Aparecida, que menina bonita', um dos garotos falou. 'Ela nasceu ontem?', outro emendou. Respondi que não e eles se juntaram em volta da gente quando um terceiro quis saber: 'Nasceu hoje?' Expliquei que não, que já tinha alguns meses. E eles continuavam a interagir. 'Mas ela é pequenininha'. Até que um arriscou: 'Ela tem a cabeça pequena. É microcefalia?' Disse que sim e eles se preocuparam: 'é por causa da dengue?' Era uma perguntação sem fim e eu ia explicando as dúvidas de cada um. 'Como vai ser? Ela vai crescer?'. Eram umas dez crianças. Fiquei superemocionada em vivenciar a espontaneidade da infância. Eles se despediram dizendo: 'Não se preocupe, vai dar tudo certo. Ela é muito linda'”, recorda-se.
Zirlene sabe que o preconceito existe, mas ela afirma que seu foco é “ajudar a Maria Fernanda a ser uma criança como qualquer outra”. Como os meninos curiosos que ela conheceu, como os filhos e filhas de amigos e parentes, como os colegas que ela terá na escola. “A gente passeia muito e algumas pessoas olham com certa curiosidade. Quando acontece, balanço levemente minha filha para que ela sorria e recebemos um sorriso de volta”, diz.
As imagens que ilustram essa reportagem e mostram uma característica já conhecida de Maria Fernanda, o olhar atento e cativante, são a realização de um desejo que Zirlene adiou quando recebeu a notícia da microcefalia. “Quando estava na 18ª semana de gestação comprei um pacote que incluía o ensaio da gravidez e um ensaio newborn. Com o diagnóstico, fiquei apreensiva com os possíveis gastos que teria e cancelei. Mas sempre tive vontade de fazer esse registro e quando ganhei o ensaio, fiquei muito emocionada. Pensa numa criança linda que sorri com os olhos. É a minha filha”, orgulha-se.
A ideia de um ensaio do tipo newborn, cada vez mais difundidos no Brasil, é registrar o início da vida dos bebês ainda recém-nascidos, entre 6 e 12 dias de vida. Autora das fotos, Nanda Greis, do estúdio Greis Ferreira Fotografia, explica que as fotos de Maria Fernanda foram feitas quando ela já tinha 3 meses de idade. “Como era uma vontade de Zirlene, o ensaio seguiu o estilo newborn. Só que a Maria Fernanda não dormiu em nenhum momento e os cliques revelam os olhos brilhantes e atentos da menina”, observa.
Como a microcefalia é um assunto em voga e que assusta as gestantes de todo o Brasil, Nanda diz que o trabalho a sensibilizou muito. “É contagiante ver, sentir e presenciar o amor por uma criança com alguma necessidade especial. A sensação é de uma conexão mais forte, de um amor que invade, é um sentimento que vai além do que já estou acostumada a presenciar”, observa.
Na página em que divulga seu trabalho, a fotógrafa publicou uma imagem de Maria Fernanda e conta que foi uma das publicações que mais gerou comentários no Facebook, mensagens que Zirlene fez questão de responder. “O mais gratificante é ver a cada dia a evolução da minha filha. Tudo o que a Marina Fernanda fizer e conquistar será motivo para festejar”, conclui.
Ensaio newborn
Apesar do resultado encantador e de todo o cuidado dos fotógrafos especializados em garantir o bem-estar físico e emocional de meninos e meninas nos ensaios newborn, não é todo pediatra que apoia essa ideia. A diretora da Sociedade Mineira de Pediatria e neonatologista, Andrea Chaimowicz concorda que esse tipo de ensaio é uma recordação especial, mas afirma que é no primeiro mês da vida de um bebê que se dá a construção de vínculo da mãe e do pai com a criança. “É o momento de conhecer o bebê, do olhar atento às necessidades da criança, do cuidado. É um momento sensível não apenas para o recém-nascido, mas também para a mulher que está iniciando a amamentação e tendo que driblar o cansaço das noites maldormidas. Para o recém-nascido, o foco deve ser a construção do relacionamento e do cuidado cotidiano. O começo não é fácil. Uma sessão longa de fotos é um incômodo desnecessário para o bebê e chega até ser desrespeitoso”, pondera.
Além disso, a especialista diz que as posições em que os bebês são colocados para os cliques não são posições espontâneas do recém-nascido e que podem forçar a musculatrua da criança. A pediatra lembra também que o recém-nascido sente mais frio e que o mais importante para o bom desenvolvimento físico e emocional do bebê é o ambiente aconchegante. “É importante respeitar os horários de sono e mamada da criança. A própria ansiedade da véspera do ensaio já mexe com a rotina do bebê que consegue perceber as emoções da mãe”, pondera.
Andrea Chaimowicz alerta também para os riscos de alguma doença. “Um recém-nascido é um ser suscetível a doenças porque o seu sistema imunológico está em construção. É muito fácil um bebê pegar um resfriado e qualquer doença simples pode complicar. Não vale a pena a exposição”, alerta. Para ela, o recomendável é esperar que o bebê complete 6 meses de vida, que esteja com as vacinas em dia, com o tônus muscular mais desenvolvido e podendo interagir mais com o ambiente. “Nesse meio tempo, os pais podem fotografar o bebê em situações espontâneas. Há que se ter cuidado com o viés comercial desse tipo de ensaio e pensar em que medida esse bebê não está sendo objetificado”, salienta.
O pós-parto é um momento de recolhimento e, para a especialista, as famílias de hoje parecem ter mais dificuldade em abrir mão da vida social que tinham antes da chegada do bebê. “Pense que essa criança tinha, dentro do útero, todas as suas necessidades satisfeitas. O nascimento é um processo e as primeiras semanas de vida fazem parte dessa transição do ambiente intraútero para o mundo”, completa.
Para as famílias que não abrem mão de registrar o início da vida do bebê, é recomendável cuidado na escolha do profissional e uma dica é pesquisar sobre a experiência do fotógrafo no site da Associação Brasileira de Fotógrafos de Recém-Nascido (ABFRN). A duração média de um ensaio newborn é geralmente de 4 horas e uma forma de amenizar o incômodo da criança é optar pelo ensaio em casa e não, no estúdio. “Em casa, é possível registrar os cuidados com o recém-nascido, o momento é verdadeiro, sem encenação e vai além de registrar um bebê lindo, mas de retratar a experiência vivida por aquela família. Em casa, os pais também se sentem mais seguros”, afirma Nanda Greis que há cinco anos se especializou em fotografar recém-nascidos.
Para ela, muito do que se critica sobre esse trabalho é falta de informação. “O resultado de um ensaio do tipo newborn esconde uma série de técnicas usadas nos bastidores para garantir o conforto e o bem-estar do bebê, mas que não aparecem nas imagens”, pondera.
Nanda diz, por exemplo, que o recém-nascido não sustenta sozinho as posições em que ele aparece retratado e afirma também que a criança não fica sozinha em nenhum momento. “A mão da mãe que apoia a cabecinha do neném, por exemplo, é retirada em softwares de edição de imagens. É uma responsabilidade muito grande e todo o fotógrafo de recém-nascido passa por um treinamento com enfermeiras e pediatras neonatais para aprender técnicas que não só acalmam o bebê, mas que garantam a sua segurança”, explica.
A partir desse dia, a gravidez de Zirlene foi marcada não apenas pelos preparativos do quarto, a escolha das roupinhas, o anseio em conhecer o rosto da filha e pegá-la em seus braços, mas também por exames e mais exames. “Era uma rotina que acabava comigo. Ao mesmo tempo em que esperava por um milagre de Deus, que minha filha fosse apenas um bebê miudinho, eu sentia um medo tão grande só de pensar no que estava por vir”, conta a mãe de Maria Fernanda.
Desde outubro de 2015, o Brasil assiste ao aumento do número de bebês nascidos com a malformação. O último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde confirma 1.198 casos, a maioria deles associado à infecção por zika vírus durante a gestação. Antes disso, a microcefalia sequer tinha notificação obrigatória no país e pouco se falava sobre a condição. “Percebi que quando um acompanhamento de pré-natal foge ao padrão, os médicos pouco sabem, pouco ajudam e têm dificuldade em lidar com a situação. E seguimos a gravidez assim: os exames alterados, sem saber o que realmente era, mas com a certeza de sequelas”, afirma Zirlene.
Saiba mais...
Ainda em licença-maternidade, Zirlene não se esquece das palavras ditas por uma médica durante uma consulta de pré-natal. “Ela falou que era para me preparar, que quando minha filha nascesse ela não iria chorar, nem mamar. Provavelmente, nem respirar. Era meu aniversário no dia”, conta.- Como lidar com a informação de ter um filho especial?
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Desde então, ela e o marido, o supervisor de vendas Fagner Feliz de Godoi, decidiram não relatar aos amigos e familiares o que ouviam dos médicos. “Naquele momento, a única coisa que desejei é que minha filha fosse uma criança feliz. Sem saber o que poderia acontecer, resolvemos curtir os momentos da gravidez, que é uma fase tão linda. A Maria Fernanda mexia tanto e era tão maravilhosa a sensação que decidi curtir os momentos e não pensar muito nas dificuldades que viriam. Às vezes eu me sentia triste e me perguntei diversas vezes ‘por que comigo?’. Cheguei a me culpar pela condição da minha filha. Mas aí vinha à minha cabeça que o amor não está na perfeição”, observa.
No auge do surto de microcefalia, em dezembro daquele ano, Maria Fernanda nasceu com 2,645 quilos, 43 cm e perímetro cefálico de 27,5 cm. Seguindo o padrão da Organização Mundial de Saúde (OMS), deve-se notificar casos suspeitos da malformação de meninos com a medida do crânio inferior a 31,9 cm e, de meninas, menor que 31,5 cm. “Até hoje não sei a causa da microcefalia da minha filha”, afirma a mãe de Maria Fernanda que, inclusive, foi submetida ao teste para descartar a infecção por zika vírus, mas ainda sem resultado.
Neuropediatra da Associação Mineira de Reabilitação (AMR), Maria Letícia Gambogi Teixeira explica que em uma parcela pequena dos casos, menos de 10%, a microcefalia (cabeça pequena) é uma característica da pessoa sem que exista nada de errado com o cérebro. Apesar de a infecção por zika vírus ter trazido à tona as consequências da malformação para o desenvolvimento dos bebês, a microcefalia tem diversas origens. “De modo geral, as chances de a malformação impactar o desenvolvimento de uma criança é muito grande”, explica a especialista. Os problemas vão desde o atraso na coordenação motora, dificuldade de aprendizagem, atraso mental, déficit intelectual, paralisia, rigidez dos músculos.
As causas da microcefalia podem ser de origem genética ou ambiental. Além da infecção da gestante pelo zika vírus, outras doenças infecciosas como rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, varicela e herpes também podem desencadear a malformação, assim como o consumo de cigarro, álcool e outras drogas na gravidez. A falta de oxigenação na hora do parto (hipóxia grave) também pode causar a condição. “Todas as vezes que se conseguiu associar a infecção por zika com a microcefalia, as alterações cerebrais têm sido consideradas graves. Estudos têm mostrado que o vírus zika tem uma facilidade maior de atingir as células cerebrais”, salienta a neuropediatra.
Com a filha nos braços, que não só chorou alto ao nascer, mas mamou ainda na sala de parto e recebeu alta junto com a mãe, Zirlene passou a focar no presente, no bem-estar e na saúde da filha e em oferecer a ela as condições para que se desenvolva, ao seu tempo, com (ou sem) as limitações que porventura apareçam. “No dia do parto, fui sem medo algum, estava muito confiante e desejando muito conhecê-la. Tinha um lindo quartinho à espera da Maria Fernanda, roupinhas cheirosas e eu me sentia feliz”, conta a analista.
Apesar de ser inevitável pensar no que está por vir, Zirlene tem aprendido a valorizar o presente. E quando se fala em crianças, o mais comum é a preocupação com o futuro, como ajudá-las para que, na vida adulta, elas possam ser o que desejarem. O que às vezes se esquece, e é preciso que mães e pais estejam atentos, é o olhar atencioso para a infância como o tempo que as crianças têm para viver o que são. A infância deveria ser em si o tempo valorizado. Não o que pode vir a ser, mas o que se é. “O sorriso no rosto da Maria Fernanda é tão espontâneo que eu sinto que ela é feliz”, afirma a mãe.
Apesar de dificilmente a garotinha passar despercebida por parques e praças, Zirlene tem sentido o acolhimento das pessoas. A mãe de Maria Fernanda já começou a colecionar histórias daquelas que valem a pena ser contadas, como a do dia que estava no posto de saúde com sua bebê e uma turma grande de estudantes, meninos entre 8 e 10 anos, que voltava da escola e passava pelo local, resolveu brincar com aquele neném que era só sorrisos. “'Nossa Senhora Aparecida, que menina bonita', um dos garotos falou. 'Ela nasceu ontem?', outro emendou. Respondi que não e eles se juntaram em volta da gente quando um terceiro quis saber: 'Nasceu hoje?' Expliquei que não, que já tinha alguns meses. E eles continuavam a interagir. 'Mas ela é pequenininha'. Até que um arriscou: 'Ela tem a cabeça pequena. É microcefalia?' Disse que sim e eles se preocuparam: 'é por causa da dengue?' Era uma perguntação sem fim e eu ia explicando as dúvidas de cada um. 'Como vai ser? Ela vai crescer?'. Eram umas dez crianças. Fiquei superemocionada em vivenciar a espontaneidade da infância. Eles se despediram dizendo: 'Não se preocupe, vai dar tudo certo. Ela é muito linda'”, recorda-se.
Zirlene sabe que o preconceito existe, mas ela afirma que seu foco é “ajudar a Maria Fernanda a ser uma criança como qualquer outra”. Como os meninos curiosos que ela conheceu, como os filhos e filhas de amigos e parentes, como os colegas que ela terá na escola. “A gente passeia muito e algumas pessoas olham com certa curiosidade. Quando acontece, balanço levemente minha filha para que ela sorria e recebemos um sorriso de volta”, diz.
As imagens que ilustram essa reportagem e mostram uma característica já conhecida de Maria Fernanda, o olhar atento e cativante, são a realização de um desejo que Zirlene adiou quando recebeu a notícia da microcefalia. “Quando estava na 18ª semana de gestação comprei um pacote que incluía o ensaio da gravidez e um ensaio newborn. Com o diagnóstico, fiquei apreensiva com os possíveis gastos que teria e cancelei. Mas sempre tive vontade de fazer esse registro e quando ganhei o ensaio, fiquei muito emocionada. Pensa numa criança linda que sorri com os olhos. É a minha filha”, orgulha-se.
A ideia de um ensaio do tipo newborn, cada vez mais difundidos no Brasil, é registrar o início da vida dos bebês ainda recém-nascidos, entre 6 e 12 dias de vida. Autora das fotos, Nanda Greis, do estúdio Greis Ferreira Fotografia, explica que as fotos de Maria Fernanda foram feitas quando ela já tinha 3 meses de idade. “Como era uma vontade de Zirlene, o ensaio seguiu o estilo newborn. Só que a Maria Fernanda não dormiu em nenhum momento e os cliques revelam os olhos brilhantes e atentos da menina”, observa.
Como a microcefalia é um assunto em voga e que assusta as gestantes de todo o Brasil, Nanda diz que o trabalho a sensibilizou muito. “É contagiante ver, sentir e presenciar o amor por uma criança com alguma necessidade especial. A sensação é de uma conexão mais forte, de um amor que invade, é um sentimento que vai além do que já estou acostumada a presenciar”, observa.
Na página em que divulga seu trabalho, a fotógrafa publicou uma imagem de Maria Fernanda e conta que foi uma das publicações que mais gerou comentários no Facebook, mensagens que Zirlene fez questão de responder. “O mais gratificante é ver a cada dia a evolução da minha filha. Tudo o que a Marina Fernanda fizer e conquistar será motivo para festejar”, conclui.
Ensaio newborn
Apesar do resultado encantador e de todo o cuidado dos fotógrafos especializados em garantir o bem-estar físico e emocional de meninos e meninas nos ensaios newborn, não é todo pediatra que apoia essa ideia. A diretora da Sociedade Mineira de Pediatria e neonatologista, Andrea Chaimowicz concorda que esse tipo de ensaio é uma recordação especial, mas afirma que é no primeiro mês da vida de um bebê que se dá a construção de vínculo da mãe e do pai com a criança. “É o momento de conhecer o bebê, do olhar atento às necessidades da criança, do cuidado. É um momento sensível não apenas para o recém-nascido, mas também para a mulher que está iniciando a amamentação e tendo que driblar o cansaço das noites maldormidas. Para o recém-nascido, o foco deve ser a construção do relacionamento e do cuidado cotidiano. O começo não é fácil. Uma sessão longa de fotos é um incômodo desnecessário para o bebê e chega até ser desrespeitoso”, pondera.
Além disso, a especialista diz que as posições em que os bebês são colocados para os cliques não são posições espontâneas do recém-nascido e que podem forçar a musculatrua da criança. A pediatra lembra também que o recém-nascido sente mais frio e que o mais importante para o bom desenvolvimento físico e emocional do bebê é o ambiente aconchegante. “É importante respeitar os horários de sono e mamada da criança. A própria ansiedade da véspera do ensaio já mexe com a rotina do bebê que consegue perceber as emoções da mãe”, pondera.
Andrea Chaimowicz alerta também para os riscos de alguma doença. “Um recém-nascido é um ser suscetível a doenças porque o seu sistema imunológico está em construção. É muito fácil um bebê pegar um resfriado e qualquer doença simples pode complicar. Não vale a pena a exposição”, alerta. Para ela, o recomendável é esperar que o bebê complete 6 meses de vida, que esteja com as vacinas em dia, com o tônus muscular mais desenvolvido e podendo interagir mais com o ambiente. “Nesse meio tempo, os pais podem fotografar o bebê em situações espontâneas. Há que se ter cuidado com o viés comercial desse tipo de ensaio e pensar em que medida esse bebê não está sendo objetificado”, salienta.
O pós-parto é um momento de recolhimento e, para a especialista, as famílias de hoje parecem ter mais dificuldade em abrir mão da vida social que tinham antes da chegada do bebê. “Pense que essa criança tinha, dentro do útero, todas as suas necessidades satisfeitas. O nascimento é um processo e as primeiras semanas de vida fazem parte dessa transição do ambiente intraútero para o mundo”, completa.
A fotógrafa Nanda Greis com Maria Fernanda
Para ela, muito do que se critica sobre esse trabalho é falta de informação. “O resultado de um ensaio do tipo newborn esconde uma série de técnicas usadas nos bastidores para garantir o conforto e o bem-estar do bebê, mas que não aparecem nas imagens”, pondera.
Nanda diz, por exemplo, que o recém-nascido não sustenta sozinho as posições em que ele aparece retratado e afirma também que a criança não fica sozinha em nenhum momento. “A mão da mãe que apoia a cabecinha do neném, por exemplo, é retirada em softwares de edição de imagens. É uma responsabilidade muito grande e todo o fotógrafo de recém-nascido passa por um treinamento com enfermeiras e pediatras neonatais para aprender técnicas que não só acalmam o bebê, mas que garantam a sua segurança”, explica.