Mães querem mais do que presentes, elas vislumbram um mundo melhor para seus filhos e filhas
O Saúde Plena convidou mulheres que militam em várias frentes para falar o que seria um presente ideal para elas. Ouça sua mãe
Valéria Mendes - Saúde Plena
Carolina Cotta - Estado de Minas
Gustavo Perucci - Estado de Minas
Fred Bottrel - Estado de Minas
Publicação:08/05/2016 08:00Atualização: 06/05/2016 19:16
Quem olha de longe e vê as mulheres fincando pé no mercado de trabalho, disseminando que a maternidade não é instinto, mas escolha, questionando a sobrecarga do trabalho doméstico e cuidados com os filhos e filhas, não imagina que em cada um desses corações está o amor não só por aqueles ou aquelas que carregaram no útero, mas por todas as crianças. O mundo mudou, as mulheres querem mais, mas o coração das mães não diminuiu. E por isso elas lutam, por isso elas se organizam. Porque elas querem deixar de herança para as próximas gerações um mundo em que cada história é valiosa, não importa o gênero, a cor ou se um menino brinca mais de boneca que de carrinho.
O caminho para transformar sonhos em realidade é mais lento e tortuoso para elas. Apenas 5% dos cargos de chefia no mundo são ocupados por mulheres. No Brasil, menos de 10% das vagas no Senado são ocupadas por elas. Na Câmara, a representação feminina é de apenas 51 deputadas para 513 homens. Mas, apesar de elas ainda serem minoria em espaços de poder, a caminhada tem gerado empatia e conquistado mais adeptas.
Para elas, é sim mais difícil estar nesse mundo. As brasileiras recebem salário 24% menor do que os homens na mesma função, elas ainda enfrentam o preconceito de ser mães e solteiras mesmo que 16,3% das 70,2 milhões de famílias do país sejam sustentadas pela força de trabalho feminina. Um passo importante é reconhecer essa desigualdade.
ELAS MERECEM
Juntas, as mulheres têm percebido que a dor de uma é a dor de todas. Elas persistem e resistem em um mundo que não inclui crianças com deficiência ou os diferentes modelos de família, em que o racismo na infância ainda é uma realidade, em que as crianças não são prioridade absoluta.
Neste Dia das Mães, mais do que a ternura de um desenho feito com tanto cuidado pela filha, da cartinha afetuosa do caçula, do almoço especial preparado com carinho pelo companheiro ou daquela roupa linda que a família viu junta na vitrine da loja, mas que ficou para depois porque, afinal, estavam com pressa. Elas querem mais. E merecem mais. É possível ir além na demonstração do amor por essas mulheres que protagonizam o cuidado e a educação das novas gerações.
Ouça a sua mãe. É esse o conselho que o Saúde Plena traz hoje, quando comemoramos o dia delas.
Os desejos são distintos, mas todas ganhariam se os presentes com os quais sonham se tornassem realidade. Menos racismo, imagina a mãe negra. Menos diferença, pede a mãe que cria os filhos ao lado de outra mãe. Mais igualdade, mais liberdade, mais inclusão. Delas, queremos saber o que seria um verdadeiro presente nesta data em que muito se celebra, e em que pouco se avança.
O que seria um verdadeiro presente neste Dia das Mães?
Sonhar alto
Ser mãe fez com que me reconhecesse mulher. Comecei a me sentir parte de uma confraria especial, cujos membros compartilham códigos, têm os mesmos dramas e as mesmas delícias. Foi essa empatia – chamada sororidade – que me motivou a me dedicar à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. É uma luta diária, que tem tido muitas vitórias. É maravilhoso quando nossa mobilização gera conquistas, como a que tivemos recentemente em Belo Horizonte, com a promulgação da Lei da Doula. Senti-me presenteada, pois acredito que cada mulher que consegue parir com respeito recebe uma injeção de autoconfiança, que a torna mais segura para exigir total autonomia sobre o seu corpo. Ainda há muito a ser superado pelas próximas gerações. Muitos direitos não estão garantidos: nossa discussão sobre o aborto encontra sérios entraves, mulheres com dificuldades reprodutivas não têm o apoio do Estado, a criação dos filhos ainda é vista como tarefa eminentemente feminina. É um longo caminho, que está sendo trilhado com combatividade, mas com muito borogodó. Que presente gostaria de ganhar no Dia das Mães? Hum... sou mãe de meninos. Gostaria de ter a certeza de que, quando eles crescerem, encontrarão parceiras que tivessem garantidos exatamente os mesmos privilégios que eles! Será sonhar alto?
Por todas as famílias
O maior presente seria a vitória da justiça social. Essa é a minha maior causa, é por ela que luto. Para mim, justiça social significa direitos iguais para todos os diferentes. Os direitos têm que ser iguais para todos e não podem ser definidos por quem julga que o outro não pode ter direitos. O encontro com Silvia foi já na nossa maturidade, não foi uma aventura, não era uma experiência a ser vivida, foi um encontro. Desse lugar nascem nossos filhos, do encontro e do amor que temos uma pela outra e, agora, por duas pessoinhas muito especiais, que mudaram todo o sentido da vida. Nossos filhos são frutos de um desejo. Nossa filha e nosso filho dizem para todos que a primeira palavra que falaram na vida foi: família. Não a família definida por uma lei ou um texto, mas a família definida pela união e pelo amor que temos entre nós. Gostaria que as próximas gerações pudessem superar a intolerância com as diferenças e o desconhecido e aprendessem a respeitar todos.
Igualdade
Sou mãe da Cecília e admito que, quando descobri que teria uma menina, tive medo. Tive medo dos assédios que ela sofrerá, tive medo dos silenciamentos a que será imposta, tive medo do medo dela. Até quando a maternidade será entendida como algo compulsório às mulheres e não uma livre escolha delas? É urgente transformar esse em um dia de resistência e luta pela liberdade da mulher. Pelo nosso direito de andar na rua sem sentir que a qualquer momento podemos sofrer algum abuso, pelo direito de escolher como nos vestir, pelo direito sobre o nosso corpo e nossas decisões. Ainda em 2016, existem milhares de mulheres que não têm moradia digna para criar os seus filhos, que não têm onde deixá-los para poder trabalhar, que param de estudar quando engravidam. Luto para que as próximas gerações estejam livres do machismo que nos aprisiona e nos subestima, e o meu melhor presente é poder criar uma menina que não calar-se-á frente às opressões e que poderá decidir sozinha os rumos da sua vida.
Educação racial
Muitos educadores ainda têm dificuldades em trabalhar com seus alunos, seja na educação formal ou informal, a questão etnorracial. Alguns dizem que as crianças não conseguem entender ou diferenciar uma pessoa por sua cor, outros têm a capacidade de dizer que trabalhar essa temática reforça o racismo e o preconceito e há ainda os que apresentam dificuldade com o tema por se entender como brancos e, por isso, não saberem trabalhar essa temática. Os livros didáticos ainda não dão o suporte necessário para os educadores, mas nada disso deveria ser barreira para se falar sobre a história afro-brasileira em sala de aula. Temos a Lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensinos fundamental e médio. Mesmo com respaldo jurídico, ela é insuficiente. Lamento por morar em um país como o Brasil, com tanta diversidade étnica e cultural, e ter que existir uma lei que obriga as pessoas a respeitarem o outro pela sua etnia, que obriga educadores e escola a falarem da sua própria história. Entendo e tenho consciência da importância e necessidade dessa lei, mas um presente de Dia das Mães que simbolizaria a minha luta enquanto mulher negra, mãe e educadora seria que essa lei não tivesse mais nenhuma função. Que todos os brasileiros já tivessem a compreensão de que respeito ao outro, à sua história e às diferenças não são coisas ensinadas na escola nem obrigadas por lei, mas algo para se saber desde sempre, desde que nascemos. Um grande presente seria dizer para um estudante negro que ele tem igualdade de oportunidade diante do aluno branco. Ou melhor, que nem precisasse dizer.
Sem rótulos
O principal presente seria ter a certeza de que minha filha e todas as outras meninas de sua geração vão crescer em um mundo seguro, que não tenham de sentir medo de sair à noite ou de pegar uma mochila e viajar o mundo sozinhas. Que possam igualmente construir relações afetivas que não sejam pautadas pelo medo. O medo é uma forma muito covarde de controle sobre nossas vidas, nossas decisões, nossos desejos, nossos corpos. E, assim, vamos crescendo, nos acostumando à ideia de que nem todas as brincadeiras são para meninas, nem todas as profissões, nem todas as atitudes. Vamos naturalizando determinados padrões de comportamento para meninos e meninas, o que também penaliza os meninos, que, desde cedo, têm de se enquadrar às expectativas que a sociedade tem a respeito do “homem”. E não tenho dúvida de que ambos sofrem com isso. Mas é certo também que isso gera um desequilíbrio que sobrecarrega, aprisiona e violenta muito mais as mulheres. E, de alguma forma, na minha casa, no meu círculo e na minha militância, me esforço para que isso deixe de ser assim.
Um presente de afetos
Era um mundo diferente, cheio de luz e energia, habitado por muitas pessoas com deficiência. Estavam felizes porque as cidades eram adaptadas para atender às necessidades de locomoção, de audição, de visão e tantas outras. Esse mundo era pensado para dar conta dos desafios de compreensão, de socialização e de organização espacial. Mas, diferentes ali eram justamente aqueles sem necessidades específicas. Era quem se dedicava a informar, a contribuir, a acolher o outro. Haviam tomado uma poção mágica, cuja mistura bombástica surtira tanto efeito que exterminaram as tensões sociais cotidianas. Trouxeram, sem explicação, a ideia da igualdade e da tolerância. E foram contaminando todos. Tentaram encontrar motivos para tamanha generosidade entre as pessoas. Cochicharam que era um afago na alma de uma mãe, que sonhara tanto com um mundo melhor para o seu filho, que morreu subitamente aos 9 anos, depois de uma vida curta e intensa, se equilibrando em uma corda bamba, com muitos obstáculos de saúde e de educação. Vai ver a inspiração veio mesmo do menino, que, por aqui, plantou tanto amor e delicadeza. Deve ser uma daquelas demonstrações de afeto que nos ensinavam a cada dia e que ele gostaria que as mães sentissem não só hoje em seus corações.
Consumismo e adultização infantil
Um presente para nós que atuamos contra o consumismo infantil e pela proteção integral da infância seria não termos mais as crianças adultizadas por conteúdos da mídia e nem bombardeadas por anúncios e estratégias de marketing. É preocupante ver o mercado avançar de uma forma agressiva sobre a infância, inclusive dentro das escolas. Mas a criança não pode ser tratada como um alvo e as empresas devem anunciar para os adultos. Eles têm condições para entender o que está por trás das mensagens, mas as crianças não. É abusiva e, portanto, ilegal a publicidade que fala diretamente para as crianças. Além da publicidade, os conteúdos da mídia precisam ser questionados. Nós educamos, mas quem coíbe aquilo que deseduca e adultiza nossas crianças? E a causa é urgente. Precisamos nos mobilizar agora. O que queremos para as futuras gerações – seja uma infância mais saudável, com mais brincadeiras e menos consumo, com mais contato com o verde nas cidades, sem conteúdos que promovam a adultização da infância – precisa começar a ser construído agora.
Mãe solo
Será que darei conta sozinha? Será que sou capaz? Será que vou aguentar? Falar sobre ser mãe e ser solteira é falar sobre preconceito e dores que são inevitáveis, como se sentir rejeitada, mesmo tendo apoio de amigos e família, sentir-se sozinha, lidar com a frustração e culpar-se pela própria situação. Emocionalmente, a mulher fica abalada e fragilizada. Jogar por terra padrões internalizados cultural e socialmente e aceitar a minha história acima de qualquer ‘rótulo’ foi o caminho que encontrei para reconstruir minha autoestima. Não é fácil. Espero que, lá na frente, quando minha filha for adulta, que a sociedade já seja capaz de olhar com naturalidade e sem julgamentos para nós, mães solo. Que a história de milhares de brasileiras que sustentam suas famílias inspire as novas gerações. Só nós sabemos as dificuldades do dia a dia para equilibrar nossas funções e ser as melhores mães que desejamos ser para nossos filhos.
Quem olha de longe e vê as mulheres fincando pé no mercado de trabalho, disseminando que a maternidade não é instinto, mas escolha, questionando a sobrecarga do trabalho doméstico e cuidados com os filhos e filhas, não imagina que em cada um desses corações está o amor não só por aqueles ou aquelas que carregaram no útero, mas por todas as crianças. O mundo mudou, as mulheres querem mais, mas o coração das mães não diminuiu. E por isso elas lutam, por isso elas se organizam. Porque elas querem deixar de herança para as próximas gerações um mundo em que cada história é valiosa, não importa o gênero, a cor ou se um menino brinca mais de boneca que de carrinho.
O caminho para transformar sonhos em realidade é mais lento e tortuoso para elas. Apenas 5% dos cargos de chefia no mundo são ocupados por mulheres. No Brasil, menos de 10% das vagas no Senado são ocupadas por elas. Na Câmara, a representação feminina é de apenas 51 deputadas para 513 homens. Mas, apesar de elas ainda serem minoria em espaços de poder, a caminhada tem gerado empatia e conquistado mais adeptas.
Para elas, é sim mais difícil estar nesse mundo. As brasileiras recebem salário 24% menor do que os homens na mesma função, elas ainda enfrentam o preconceito de ser mães e solteiras mesmo que 16,3% das 70,2 milhões de famílias do país sejam sustentadas pela força de trabalho feminina. Um passo importante é reconhecer essa desigualdade.
ELAS MERECEM
Juntas, as mulheres têm percebido que a dor de uma é a dor de todas. Elas persistem e resistem em um mundo que não inclui crianças com deficiência ou os diferentes modelos de família, em que o racismo na infância ainda é uma realidade, em que as crianças não são prioridade absoluta.
Neste Dia das Mães, mais do que a ternura de um desenho feito com tanto cuidado pela filha, da cartinha afetuosa do caçula, do almoço especial preparado com carinho pelo companheiro ou daquela roupa linda que a família viu junta na vitrine da loja, mas que ficou para depois porque, afinal, estavam com pressa. Elas querem mais. E merecem mais. É possível ir além na demonstração do amor por essas mulheres que protagonizam o cuidado e a educação das novas gerações.
Ouça a sua mãe. É esse o conselho que o Saúde Plena traz hoje, quando comemoramos o dia delas.
Os desejos são distintos, mas todas ganhariam se os presentes com os quais sonham se tornassem realidade. Menos racismo, imagina a mãe negra. Menos diferença, pede a mãe que cria os filhos ao lado de outra mãe. Mais igualdade, mais liberdade, mais inclusão. Delas, queremos saber o que seria um verdadeiro presente nesta data em que muito se celebra, e em que pouco se avança.
O que seria um verdadeiro presente neste Dia das Mães?
Sonhar alto
Ser mãe fez com que me reconhecesse mulher. Comecei a me sentir parte de uma confraria especial, cujos membros compartilham códigos, têm os mesmos dramas e as mesmas delícias. Foi essa empatia – chamada sororidade – que me motivou a me dedicar à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. É uma luta diária, que tem tido muitas vitórias. É maravilhoso quando nossa mobilização gera conquistas, como a que tivemos recentemente em Belo Horizonte, com a promulgação da Lei da Doula. Senti-me presenteada, pois acredito que cada mulher que consegue parir com respeito recebe uma injeção de autoconfiança, que a torna mais segura para exigir total autonomia sobre o seu corpo. Ainda há muito a ser superado pelas próximas gerações. Muitos direitos não estão garantidos: nossa discussão sobre o aborto encontra sérios entraves, mulheres com dificuldades reprodutivas não têm o apoio do Estado, a criação dos filhos ainda é vista como tarefa eminentemente feminina. É um longo caminho, que está sendo trilhado com combatividade, mas com muito borogodó. Que presente gostaria de ganhar no Dia das Mães? Hum... sou mãe de meninos. Gostaria de ter a certeza de que, quando eles crescerem, encontrarão parceiras que tivessem garantidos exatamente os mesmos privilégios que eles! Será sonhar alto?
Gabriela Sallit, advogada especializada em direitos reprodutivos e sexuais e autora do blog Dadadá. Mãe de Francisco, de 5 anos, João, de 2, e de Antônio, que ainda está na barriga
Por todas as famílias
O maior presente seria a vitória da justiça social. Essa é a minha maior causa, é por ela que luto. Para mim, justiça social significa direitos iguais para todos os diferentes. Os direitos têm que ser iguais para todos e não podem ser definidos por quem julga que o outro não pode ter direitos. O encontro com Silvia foi já na nossa maturidade, não foi uma aventura, não era uma experiência a ser vivida, foi um encontro. Desse lugar nascem nossos filhos, do encontro e do amor que temos uma pela outra e, agora, por duas pessoinhas muito especiais, que mudaram todo o sentido da vida. Nossos filhos são frutos de um desejo. Nossa filha e nosso filho dizem para todos que a primeira palavra que falaram na vida foi: família. Não a família definida por uma lei ou um texto, mas a família definida pela união e pelo amor que temos entre nós. Gostaria que as próximas gerações pudessem superar a intolerância com as diferenças e o desconhecido e aprendessem a respeitar todos.
Regina Helena Alves da Silva (E), historiadora e professora da UFMG, casada com a psicóloga Silvia Esteves. Mãe de Pedro, de 6 anos, e de Maria Eduarda, de 5
Igualdade
Sou mãe da Cecília e admito que, quando descobri que teria uma menina, tive medo. Tive medo dos assédios que ela sofrerá, tive medo dos silenciamentos a que será imposta, tive medo do medo dela. Até quando a maternidade será entendida como algo compulsório às mulheres e não uma livre escolha delas? É urgente transformar esse em um dia de resistência e luta pela liberdade da mulher. Pelo nosso direito de andar na rua sem sentir que a qualquer momento podemos sofrer algum abuso, pelo direito de escolher como nos vestir, pelo direito sobre o nosso corpo e nossas decisões. Ainda em 2016, existem milhares de mulheres que não têm moradia digna para criar os seus filhos, que não têm onde deixá-los para poder trabalhar, que param de estudar quando engravidam. Luto para que as próximas gerações estejam livres do machismo que nos aprisiona e nos subestima, e o meu melhor presente é poder criar uma menina que não calar-se-á frente às opressões e que poderá decidir sozinha os rumos da sua vida.
Verônica Gomes, mestre em estudos literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e militante das ocupações urbanas. Mãe de Cecília, de 1 ano
Educação racial
Muitos educadores ainda têm dificuldades em trabalhar com seus alunos, seja na educação formal ou informal, a questão etnorracial. Alguns dizem que as crianças não conseguem entender ou diferenciar uma pessoa por sua cor, outros têm a capacidade de dizer que trabalhar essa temática reforça o racismo e o preconceito e há ainda os que apresentam dificuldade com o tema por se entender como brancos e, por isso, não saberem trabalhar essa temática. Os livros didáticos ainda não dão o suporte necessário para os educadores, mas nada disso deveria ser barreira para se falar sobre a história afro-brasileira em sala de aula. Temos a Lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensinos fundamental e médio. Mesmo com respaldo jurídico, ela é insuficiente. Lamento por morar em um país como o Brasil, com tanta diversidade étnica e cultural, e ter que existir uma lei que obriga as pessoas a respeitarem o outro pela sua etnia, que obriga educadores e escola a falarem da sua própria história. Entendo e tenho consciência da importância e necessidade dessa lei, mas um presente de Dia das Mães que simbolizaria a minha luta enquanto mulher negra, mãe e educadora seria que essa lei não tivesse mais nenhuma função. Que todos os brasileiros já tivessem a compreensão de que respeito ao outro, à sua história e às diferenças não são coisas ensinadas na escola nem obrigadas por lei, mas algo para se saber desde sempre, desde que nascemos. Um grande presente seria dizer para um estudante negro que ele tem igualdade de oportunidade diante do aluno branco. Ou melhor, que nem precisasse dizer.
Marilda da Silva Cordeiro, pedagoga, trabalha com arte e educação desde 1990. Desenvolve trabalhos artísticos, educativos, sociais e culturais com crianças e jovens nas vilas e favelas de Belo horizonte. Mãe dos gêmeos Marco Túlio e Joyce, de 30 anos, e de Cainã, de 20, já tem dois netos, Nicolas, de 10, e Emanuelle, de 4. Coordena projeto de socialização infantojuvenil no Aglomerado Santa Lúcia
Sem rótulos
O principal presente seria ter a certeza de que minha filha e todas as outras meninas de sua geração vão crescer em um mundo seguro, que não tenham de sentir medo de sair à noite ou de pegar uma mochila e viajar o mundo sozinhas. Que possam igualmente construir relações afetivas que não sejam pautadas pelo medo. O medo é uma forma muito covarde de controle sobre nossas vidas, nossas decisões, nossos desejos, nossos corpos. E, assim, vamos crescendo, nos acostumando à ideia de que nem todas as brincadeiras são para meninas, nem todas as profissões, nem todas as atitudes. Vamos naturalizando determinados padrões de comportamento para meninos e meninas, o que também penaliza os meninos, que, desde cedo, têm de se enquadrar às expectativas que a sociedade tem a respeito do “homem”. E não tenho dúvida de que ambos sofrem com isso. Mas é certo também que isso gera um desequilíbrio que sobrecarrega, aprisiona e violenta muito mais as mulheres. E, de alguma forma, na minha casa, no meu círculo e na minha militância, me esforço para que isso deixe de ser assim.
Débora Vieira, empresária e proprietária da Chocolate Lab, confeitaria especializada em produtos saudáveis sem leite, soja, ovos, glúten e lactose. Ela é feminista e foi uma das organizadoras da Marcha das Vadias em Belo Horizonte. Mãe da Lira, de 3 anos
Um presente de afetos
Era um mundo diferente, cheio de luz e energia, habitado por muitas pessoas com deficiência. Estavam felizes porque as cidades eram adaptadas para atender às necessidades de locomoção, de audição, de visão e tantas outras. Esse mundo era pensado para dar conta dos desafios de compreensão, de socialização e de organização espacial. Mas, diferentes ali eram justamente aqueles sem necessidades específicas. Era quem se dedicava a informar, a contribuir, a acolher o outro. Haviam tomado uma poção mágica, cuja mistura bombástica surtira tanto efeito que exterminaram as tensões sociais cotidianas. Trouxeram, sem explicação, a ideia da igualdade e da tolerância. E foram contaminando todos. Tentaram encontrar motivos para tamanha generosidade entre as pessoas. Cochicharam que era um afago na alma de uma mãe, que sonhara tanto com um mundo melhor para o seu filho, que morreu subitamente aos 9 anos, depois de uma vida curta e intensa, se equilibrando em uma corda bamba, com muitos obstáculos de saúde e de educação. Vai ver a inspiração veio mesmo do menino, que, por aqui, plantou tanto amor e delicadeza. Deve ser uma daquelas demonstrações de afeto que nos ensinavam a cada dia e que ele gostaria que as mães sentissem não só hoje em seus corações.
Sônia Caldas Pessoa, professora universitária e jornalista, mãe de Pedro, que morreu aos 9 anos
Consumismo e adultização infantil
Um presente para nós que atuamos contra o consumismo infantil e pela proteção integral da infância seria não termos mais as crianças adultizadas por conteúdos da mídia e nem bombardeadas por anúncios e estratégias de marketing. É preocupante ver o mercado avançar de uma forma agressiva sobre a infância, inclusive dentro das escolas. Mas a criança não pode ser tratada como um alvo e as empresas devem anunciar para os adultos. Eles têm condições para entender o que está por trás das mensagens, mas as crianças não. É abusiva e, portanto, ilegal a publicidade que fala diretamente para as crianças. Além da publicidade, os conteúdos da mídia precisam ser questionados. Nós educamos, mas quem coíbe aquilo que deseduca e adultiza nossas crianças? E a causa é urgente. Precisamos nos mobilizar agora. O que queremos para as futuras gerações – seja uma infância mais saudável, com mais brincadeiras e menos consumo, com mais contato com o verde nas cidades, sem conteúdos que promovam a adultização da infância – precisa começar a ser construído agora.
Desirée Ruas, jornalista e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc). Mãe de Laura, de 13 anos, e de Letícia, de 10
Mãe solo
Será que darei conta sozinha? Será que sou capaz? Será que vou aguentar? Falar sobre ser mãe e ser solteira é falar sobre preconceito e dores que são inevitáveis, como se sentir rejeitada, mesmo tendo apoio de amigos e família, sentir-se sozinha, lidar com a frustração e culpar-se pela própria situação. Emocionalmente, a mulher fica abalada e fragilizada. Jogar por terra padrões internalizados cultural e socialmente e aceitar a minha história acima de qualquer ‘rótulo’ foi o caminho que encontrei para reconstruir minha autoestima. Não é fácil. Espero que, lá na frente, quando minha filha for adulta, que a sociedade já seja capaz de olhar com naturalidade e sem julgamentos para nós, mães solo. Que a história de milhares de brasileiras que sustentam suas famílias inspire as novas gerações. Só nós sabemos as dificuldades do dia a dia para equilibrar nossas funções e ser as melhores mães que desejamos ser para nossos filhos.
Lívia Diniz, empreendedora, coach de mães e mulheres e mãe de Alicia, de 2 anos