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Dosagem de cálcio no cérebro pode ser usada para estimular ou inibir lembranças

Resultados de pesquisa brasileira podem ser úteis para desenvolver um método seguro que estimule o esquecimento ou a fixação de lembranças

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Correio Braziliense Publicação:09/05/2016 15:00Atualização:09/05/2016 16:27
Pesquisa dá margem para que, no futuro, se possa produzir medicamentos para evitar ou para acelerar o esquecimento (Arte / CB / D.A Press)
Pesquisa dá margem para que, no futuro, se possa produzir medicamentos para evitar ou para acelerar o esquecimento
Na saga Harry Potter, o diretor da Escola de Magia, Alvo Dumbledore, tira suas memórias da mente e as guarda em frascos para que, a qualquer momento, possa revê-las ou, caso sejam muito ruins, esquecê-las de vez no fundo do armário. Controlar as lembranças como o bruxo é o sonho de muita gente, especialmente das pessoas que passaram por experiências muito traumáticas que geram recordações dolorosas.

Sem poderes mágicos, o homem precisaria desenvolver alguma fórmula para atingir esse objetivo. Evidentemente, a receita para melhorar ou piorar a memória ainda está distante, mas pesquisadores brasileiros têm uma pista de qual deveria ser o principal ingrediente: o cálcio. Em um estudo com ratos, especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostraram que a substância é um dos elementos mais importantes na fixação e no apagamento das lembranças. Os resultados foram publicados recentemente na revista especializada Scientific Reports.

Na pesquisa, os roedores foram treinados a memorizar a posição de obstáculos dentro de uma grande caixa. Os cientistas seguiram um protocolo que faz com que a memória formada dure apenas alguns dias. Os animais, contudo, foram divididos em dois grupos: um de controle, no qual nenhuma outra intervenção foi feita, e um que recebeu drogas que bloqueavam a entrada de cálcio nas células neurais.

Nos ratos do grupo de controle, tudo aconteceu como determinado pelo protocolo: o aprendizado, de fato, desapareceu após três ou cinco dias. Já os demais roedores foram capazes de lembrar a tarefa até mesmo 10 dias depois da consolidação. “Simplesmente usamos fármacos que bloqueiam a entrada intracelular de cálcio nos neurônios, e isso é capaz de manter uma memória ao longo do tempo, ou seja, impedindo seu esquecimento”, afirma Ricardo Sachser, aluno de doutorado em neurociência na UFRGS e principal autor do trabalho.

Aplicações
Os pesquisadores acreditam que o estudo poderá servir de base para um método seguro que estimule o esquecimento ou a fixação de lembranças a partir da manipulação do cálcio no organismo. “Uma vez que você entende o mecanismo implicado nessa estabilização/desestabilização, pode evitar que o declínio ocorra. E, no caso das pessoas que sofreram estresse pós-traumático, esse conhecimento pode servir para a criação de um tratamento que acelere o esquecimento”, prevê o pesquisador. “Porém, é importante lembrar que, em relação a doenças de base genética, como o mal de Alzheimer, essa pesquisa não se aplica, devido a variáveis que não foram calculadas”, salienta.

Renato Anghinah, coordenador do Núcleo de Neurologia do Hospital Samaritano de São Paulo, concorda. “Essa pesquisa dá margem para que, no futuro, possamos produzir medicamentos para evitar ou para acelerar o esquecimento. Ela demonstrou, no nível celular, que, quando inundamos um neurônio com cálcio, isso pode matar a formação da lembrança. Mas, se conseguimos equilibrar de alguma forma a entrada de cálcio, nós podemos até prolongar a fixação da lembrança”, avalia.

Marcio Balthazar, secretário do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, ressalta, contudo, o caráter experimental do trabalho: “Em geral, esse tipo de estudo fornece bases para que outros pesquisadores desenvolvam drogas que possam auxiliar tanto na manutenção quanto no esquecimento de memórias. Não há ainda evidência de estudos clínicos em humanos que mostrem benefício da suplementação de cálcio nas funções de memória”, frisa.

Contra a depressão

Estudos sobre a atuação do cálcio sobre o cérebro têm estimulado a busca por novos tratamentos em diferentes campos da neurologia e da psiquiatria. Um exemplo é o recente trabalho realizado pelos pesquisadores do Instituto Riken, no Japão, que encontrou evidências de que o controle da substância pode ajudar no combate à depressão. Publicado na revista Nature Communications, o trabalho mostrou melhora nos sintomas depressivos de ratos que receberam uma estimulação elétrica no cérebro capaz de movimentar o cálcio presente nos astrócitos, células que sustentam e nutrem neurônios.


A principal contribuição do estudo é mostrar evidências do papel do cálcio nos bons resultados que a estimulação transcraniana de corrente contínua (ETCC) tem obtido contra a depressão em humanos. O procedimento, não invasivo, dura cerca de 30 minutos e envolve aplicação de uma leve corrente elétrica, indolor, direcionada para áreas específicas do cérebro.

Para observar a movimentação do cálcio, os pesquisadores japoneses produziram um ratinho transgênico que expressava uma proteína de cálcio fluorescente nos astrócitos e nos neurônios no cérebro. “Surpreendentemente, os surtos de cálcio ocorriam muito rapidamente após o início da estimulação”, afirmou, em nota, o autor principal do trabalho, Hiromu Monai.

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