Novo estudo mostra como zika ultrapassa a placenta e alcança o feto

Transmissão é comprovada pela primeira vez em animais e reforçam ainda mais a relação entre a doença e casos de microcefalia

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Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:13/05/2016 15:00Atualização:12/05/2016 14:38
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais  (Valdo Virgo / CB / D.A Press)
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Dois estudos, um deles feito no Brasil, conseguiram comprovar em camundongos fêmeas grávidas que o vírus zika é capaz de atravessar a placenta e infectar o feto, uma comprovação há muito tempo perseguida por cientistas. Com os achados, se torna ainda mais forte a hipótese de que a doença é mesmo a causa dos casos de malformação neurológica, que inclui a microcefalia, em crianças.

Além disso, ambas as pesquisas fornecem modelos animais suscetíveis ao vírus de maneira parecida à do corpo humano, o que favorecerá o desenvolvimento de vacinas e terapias que impeçam a infecção de bebês durante a gestação. O trabalho nacional, conduzido na Universidade de São Paulo (USP), traz ainda uma notícia preocupante: a variante do zika que circula no Brasil se mostra mais agressiva que a africana (veja infografia).

Publicado na prestigiada revista Nature, o artigo brasileiro trabalhou com duas linhagens geneticamente modificadas de camundongos desenvolvidas no laboratório do imunologista Jean Pierre Peron. Ratas grávidas foram infectadas com o vírus retirado de uma criança diagnosticada na Paraíba. Em apenas uma das linhagens, os fetos apresentaram problemas de formação. Por meio de análises microscópicas, os pesquisadores constataram diferenças da espessura do córtex cerebral dos filhotes, que apresentavam um número reduzido de células.

“Encontramos danos cerebrais, como a microcefalia. Registramos também a restrição do crescimento intrauterino. Os ratos infectados pelas mães eram menores do que os que haviam nascido de fêmeas não infectadas”, conta ao Correio Patrícia Beltrão, líder desse estudo.

Ela destaca que as observações do experimento corroboram a suspeita de que o vírus consegue atravessar a placenta, principal órgão protetor dos fetos e que, geralmente, impede a passagem de vírus da mãe para o filho, inclusive o da Aids. “Nenhum trabalho anterior havia mostrado em animais que o zika consegue ultrapassar a placenta. O mais próximo que se havia chegado nessa conclusão foi o caso de uma europeia que veio trabalhar no Brasil, ficou grávida e interrompeu sua gestão quase na hora de o filho nascer. Na análise do feto, foi encontrado o zika nos tecidos, mas, como ele tinha outras infecções no organismo, a ligação direta com o vírus não pôde ser feita”, explica a autora.

Modelo
Outra grande contribuição do estudo é apresentar um modelo animal que é atacado pelo zika de forma semelhante à do ser humano. Com isso, se torna mais fácil realizar estudos que buscam combater o vírus. “Agora, temos ferramentas que podem ajudar a investigar a eficácia de uma vacina e verificar possíveis medicamentos que podem surgir com o objetivo de impedir a passagem do vírus, ou pelo menos diminuir seus efeitos negativos”, destaca Beltrão.

O fato de apenas uma das linhagens de camundongos testadas ter resultado em danos para os filhotes já traz uma possibilidade de investigação. As fêmeas cujos fetos não foram infectados pelo zika produzem uma maior quantidade de dois tipos de interferon, substância secretada pelo sistema imune. Investigar melhor a resposta imunológica das duas linhagens pode abrir caminhos para uma vacina ou outra forma de proteção.

Para Amilcar Tanuri, pesquisador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho mostra dados de grande importância, que corroboram pesquisas anteriores sobre o zika. “Em nosso laboratório, fizemos pesquisas semelhantes, mas não em animais, e esses dados se parecem muito com o que encontramos. Mostram como o vírus pode atacar o cérebro de fetos. A importância de criar um modelo animal é que com ele temos dados mais próximos da ação do vírus”, avalia o especialista, que não participou do estudo.

Tanuri diz ter apenas uma ressalva em relação aos experimentos da USP. “A quantidade de vírus usado nos camundongos foi muito grande, o que levanta um risco de se ter observado um efeito exagerado, tanto que os autores viram danos mais agudos que os vistos em crianças com microcefalia, como a encefalite (inflamação cerebral)”, observa. O especialista da UFRJ, contudo, vê grandes contribuições para a área de pesquisa. “É um modelo válido, que precisa ser mais explorado, já que ainda não sabemos qual o mecanismo usado pelo vírus para que ele consiga driblar o sistema de resistência da placenta.”

Forças distintas
Além dos testes em camundongos, os pesquisadores da USP realizaram experimentos com minicérebros, estruturas orgânicas criadas em laboratório que imitam o órgão humano. Esses organoides fora infectados com o zika que circula no Brasil e a variante africana para comparar o potencial de dano dos dois.

Como resultado, observou-se que, após quatro dias de infecção, a linhagem do Brasil provocou maior mortalidade de células cerebrais que o africano. Outro achado foi a observação que o vírus infectou as células em diferentes estágios, desde as progenitoras até os neurônios, o que indica risco durante todas as fases da gravidez.

Em um último experimento, os autores também compararam as infecções em minicérebros com células de chimpanzés. Eles constataram que a estirpe brasileira não se reproduziu nos organoides dos primatas, diferentemente da linhagem africana. De acordo com os pesquisadores, isso mostra que a linhagem do Brasil sofreu alterações que tornaram seus efeitos mais específicos para as células do sistema nervoso humano.

Time americano faz achado semelhante
Um
outro estudo que também constatou a passagem do vírus zika pela placenta foi publicado por uma equipe da Universidade de Washington na revista Cell. De forma semelhante ao time brasileiro, os pesquisadores na instituição americana usaram modelos de camundongos — um geneticamente modificado para que mecanismos de defesa contra o vírus não funcionassem e outro sem nenhuma alteração.

Também nesse trabalho, fêmeas grávidas foram infectadas com o zika. Na linhagem modificada, o vírus matou a maioria dos fetos em uma semana, e os que sobreviveram tiveram seu desenvolvimento gravemente retardado. No outro modelo animal, os fetos não morreram, mas tiveram o crescimento prejudicado e danos neurológicos. “Na maioria das vezes, a placenta funciona como uma barreira entre a mãe e o feto, mas o zika foi capaz de superar isso”, disse Indira Mysorekar, coautora do estudo.

O material genético do vírus permaneceu no corpo e no cérebro dos fetos até o 16º dia de gestação, um período crítico para o desenvolvimento cerebral. “É a primeira demonstração (ao lado do estudo brasileiro) em um modelo animal da transmissão uterina do zika vírus, e ela mostrou alguns dos mesmos efeitos que temos visto nas mulheres e nos seus filhos”, afirmou, à agência France-Presse, Michael Diamond, professor de medicina e microbiologia molecular na Universidade de Washington em Saint Louis. “Nosso trabalho mostrou também que o vírus, por si só, é suficiente para provocar malformações congênitas sem a intervenção de outros fatores externos, pelo menos no caso dos ratos.”

Multiplicação

Não foi observada microcefalia nos fetos em nenhum dos experimentos, o que pode se dever às diferenças biológicas entre humanos e os ratos utilizados. Os autores se disseram surpresos com a grande quantidade de zika observada na placenta das ratas usadas na pesquisa. A concentração do vírus no órgão era mil vezes maior que a encontrada no sangue materno, o que  sugere uma multiplicação durante a migração da infecção.

“Essas informações podem ser utilizadas em ensaios de vacinas para descobrir se é possível evitar a infecção uterina. Podemos também testar agentes terapêuticos para tratar gestantes infectadas e ver se conseguimos impedir a transmissão para o feto”, disse Diamond em um comunicado à imprensa.

Os pesquisadores também observaram que os ratos nos quais foram injetados anticorpos sofreram menos danos. Eles acreditam que essa possa ser uma possível esperança para tratamentos futuros de prevenção. “Durante anos, temos estudado as infecções transplacentárias. É gratificante ser capaz de aplicar toda essa experiência para algo que, de repente, se tornou muito importante em todo o mundo”, declarou Mysorekar.

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