Ioga e meditação são mais eficientes que exercícios de raciocínio no combate à perda cognitiva
Práticas previnem e retardam o surgimento da demência, incluindo Alzheimer, indica estudo norte-americano
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:19/05/2016 15:00Atualização: 19/05/2016 12:06
No estudo-piloto, foram recrutadas 25 pessoas com mais de 55 anos, todas com comprometimento cognitivo leve (CCL). “Essa é uma condição que afeta até 20% da população idosa, sendo que indivíduos com o problema têm um risco duas vezes e meia maior de desenvolver todos os tipos de demência. Geralmente, o CCL é um antecessor do Alzheimer”, observa Helen Lavretsky, principal autora do trabalho, e professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Segundo a médica, o interesse em investigar o poder da ioga sobre as funções cerebrais surgiu principalmente porque a técnica, utilizada no Oriente há milênios, tem conquistado rapidamente o interesse dos ocidentais, que, antes de tudo, procuram os estúdios especializados buscando reduzir o estresse. “Além disso, há novas pesquisas indicando que intervenções baseadas na integração do corpo e da mente, como meditação de plena atenção, tai chi e qui gong, têm efeitos promissores em questões cognitivas associada à idade”, justifica Lavretsky.
Uma pesquisa recente que avaliou o resultado de um programa de oito semanas de hatha yoga em idosos, por exemplo, constatou melhorias significativas na memória de trabalho e na flexibilidade mental. Outro artigo, publicado no Indian Journal of Psychiatry, indicou que moradores de casa de repouso tiveram ganhos em todos os campos cognitivos após seis meses de ioga, comparados ao grupo de controle. “Até agora, porém, nenhum estudo de que temos notícia havia examinado a conectividade funcional do cérebro em seguida a uma intervenção de ioga entre idosos”, afirma a pesquisadora.
Comparação
Para verificar se havia alguma associação positiva, ela desenhou um teste nos quais os participantes fizeram uma aula semanal de kundalini ioga (uma das escolas da técnica), que incluía exercícios de meditação, e explorou, por meio de ressonância magnética funcional, se houve melhoras na memória e na plasticidade funcional do cérebro nas redes neuronais relevantes para o armazenamento de informações. “Nosso foco principal era a relação entre as mudanças na conectividade neural e na performance mnemônica”, explica.
Como se trata de um estudo piloto, o número de participantes foi pequeno. Os voluntários foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 14 entraram no programa de ioga, e o restante participou das atividades tradicionais de treino mental. Antes e depois da intervenção de 12 semanas, todos passaram pela ressonância magnética funcional, para rastrear a atividade cerebral, e fizeram testes cognitivos padrões. Além das aulas com instrutor, os do primeiro grupo receberam CDs para praticar, em casa, 12 minutos de meditação por dia. Os do segundo grupo também fizeram “dever de casa”, tendo que realizar atividades diárias, como testes de associação de rostos e nomes, recordar listas, categorizar itens etc.
Ao fim dos três meses de estudo, participantes de ambos os grupos apresentaram melhoras na conectividade de regiões cerebrais associadas à memória verbal (lembrar nomes e listas, por exemplo). Contudo, os que fizeram ioga tiveram mais ganhos também nas habilidades espacial-visuais, relacionadas à recordação de localidades quando se está andando ou dirigindo — a diminuição dessa função faz com que muitos idosos se percam.
As alterações verificadas nos circuitos do cérebro se traduziram em melhorias cognitivas reais: os testes mnemônicos feitos após a prática da técnica milenar confirmaram que os voluntários do grupo de ioga se saíram melhor que os do grupo do treino cerebral. Outro ganho dos praticantes da atividade foi a redução dos sintomas de depressão, um mal comum entre pessoas que sofrem de demência leve e avançada.
Conexão e foco
Segundo Helen Lavretsky, os benefícios da ioga para o cérebro podem ser explicados por vários fatores, como a produção aumentada de uma proteína chamada fator de crescimento neurotrófico, que estimula a conexão entre os neurônios e acelera um processo que repõe material genético perdido ou danificado. Outra explicação é que os exercícios, por exigirem foco na respiração e na execução de movimentos, acabam treinando a mente dos praticantes para se concentrar em uma atividade.
“Na ioga, você se movimenta em uma série de posturas estilizadas. Essa atividade requer um esforço focado para fazer as posições de forma correta, controlando o corpo e a respiração em uma taxa estável. É possível que esse foco no corpo, na mente e na respiração seja levado pelo praticante para situações do dia a dia, resultando em uma atenção maior para o que está ao redor”, afirma Neha Gothe, pesquisadora de saúde comunitária da Universidade de Illinois, que não participou do estudo.
“Quando os participantes da ioga mostram melhoras significativas na memória de trabalho, isso significa que eles estão atentos às informações que recebem”, observa. Há alguns anos, Gothe fez uma pesquisa com 108 adultos de 55 a 79 anos, que participaram de aulas de ioga durante oito semanas. Todos registraram ganhos nos testes cognitivos feitos ao fim do trabalho.
Embora o estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles tenha sido piloto, a psiquiatra Helen Lavretsky diz que os resultados dessa e de outras pesquisas não deixam dúvidas de que praticar ioga e meditação é uma boa opção para deixar o cérebro afiado, além de reduzir o estresse e a depressão associados à perda de memória. Os benefícios não são apenas para pessoas que já estão com comprometimento cognitivo leve: os cuidadores também tiram proveito da prática milenar. Segundo a pesquisadora, alguns trabalhos recentes sugerem que os responsáveis por idosos com demência, incluindo Alzheimer, relatam alívio da pressão sofrida no dia a dia e se sentem mais dispostos para se dedicar aos pacientes.
Pista sobre o Alzheimer
Uma das características fisiológicas do Alzheimer é o acúmulo de placas da proteína beta amiloide no cérebro, o que danifica as conexões entre os neurônios. Agora, pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego e da Faculdade de Medicina de Harvard descobriram que a enzima PKC alfa também desempenha um papel nesse processo. Eles também identificaram as variações genéticas que estimulam a atividade dessa molécula nos pacientes com a doença. O estudo, publicado ontem na revista Science Signaling, pode resultar em um novo alvo terapêutico para combater o mal.
“Até recentemente, acreditava-se que a PKC ajudava as células a sobreviver, e que uma hiperatividade dessa enzima poderia levar ao câncer. Baseado nessa suposição, testaram-se inibidores da PKC como drogas para tratar o câncer, mas elas não funcionaram”, contou Alexandra Newton, coautora do estudo.
“Contudo, descobrimos que a PKC serve como um freio para o crescimento celular, então as células cancerígenas se beneficiam quando ela está inativa. Agora, nosso estudo mais recente revela que muita atividade da enzima também é ruim, levando à neurodegeneração. Isso significa que as drogas que falharam para o câncer podem fornecer uma nova oportunidade terapêutica para o Alzheimer”, explicou.
Ação combinada
Uma das descobertas foi que, quando ratos não têm o gene PKC alfa, os neurônios funcionam normalmente, mesmo quando existe um acúmulo de placas beta amiloide. Quando a atividade da enzima foi restabelecida, a proteína associada ao Alzheimer voltou a prejudicar a função neuronal. Em outras palavras, a beta amiloide não inibe a função cerebral, a não ser que a PKC alfa esteja ativa.
Além disso, os cientistas analisaram um banco de dados genéticos de 1.345 pessoas de 410 famílias com casos avançados da doença. Eles encontraram três variantes associadas à enzima PKC alfa que tinham implicações com o Alzheimer em cinco famílias. No laboratório, eles replicaram as mutações genéticas em células. Em todos os testes, a atividade da enzima aumentou. Os cientistas acreditam que haja muitas outras variações genéticas que, indiretamente, estimulam ou inibem a atividade da PKC, influenciando, a propensão à doença.
Idosas em aula de ioga: três meses de prática são suficientes para aumentar conectividade de regiões cerebrais ligadas à memória e à orientação
Saiba mais...
Para prevenir ou retardar o surgimento da demência, incluindo a doença de Alzheimer, médicos e cientistas recomendam manter a mente ativa. Contudo, isso não significa bombardear o cérebro com jogos e testes de memória, como os que têm aos montes na internet. Uma pesquisa publicada no Journal of Alzheimer’s Disease sugere que ioga e meditação podem ser estratégias mais eficazes para incrementar a função cognitiva do que os tradicionais desafios mentais. E isso em idosos que já apresentam algum comprometimento.No estudo-piloto, foram recrutadas 25 pessoas com mais de 55 anos, todas com comprometimento cognitivo leve (CCL). “Essa é uma condição que afeta até 20% da população idosa, sendo que indivíduos com o problema têm um risco duas vezes e meia maior de desenvolver todos os tipos de demência. Geralmente, o CCL é um antecessor do Alzheimer”, observa Helen Lavretsky, principal autora do trabalho, e professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Segundo a médica, o interesse em investigar o poder da ioga sobre as funções cerebrais surgiu principalmente porque a técnica, utilizada no Oriente há milênios, tem conquistado rapidamente o interesse dos ocidentais, que, antes de tudo, procuram os estúdios especializados buscando reduzir o estresse. “Além disso, há novas pesquisas indicando que intervenções baseadas na integração do corpo e da mente, como meditação de plena atenção, tai chi e qui gong, têm efeitos promissores em questões cognitivas associada à idade”, justifica Lavretsky.
"Até agora, nenhum estudo de que temos notícia havia examinado a conectividade funcional do cérebro em seguida a uma intervenção de ioga entre idosos" - Helen Lavretsky, professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles
Comparação
Para verificar se havia alguma associação positiva, ela desenhou um teste nos quais os participantes fizeram uma aula semanal de kundalini ioga (uma das escolas da técnica), que incluía exercícios de meditação, e explorou, por meio de ressonância magnética funcional, se houve melhoras na memória e na plasticidade funcional do cérebro nas redes neuronais relevantes para o armazenamento de informações. “Nosso foco principal era a relação entre as mudanças na conectividade neural e na performance mnemônica”, explica.
Como se trata de um estudo piloto, o número de participantes foi pequeno. Os voluntários foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 14 entraram no programa de ioga, e o restante participou das atividades tradicionais de treino mental. Antes e depois da intervenção de 12 semanas, todos passaram pela ressonância magnética funcional, para rastrear a atividade cerebral, e fizeram testes cognitivos padrões. Além das aulas com instrutor, os do primeiro grupo receberam CDs para praticar, em casa, 12 minutos de meditação por dia. Os do segundo grupo também fizeram “dever de casa”, tendo que realizar atividades diárias, como testes de associação de rostos e nomes, recordar listas, categorizar itens etc.
Ao fim dos três meses de estudo, participantes de ambos os grupos apresentaram melhoras na conectividade de regiões cerebrais associadas à memória verbal (lembrar nomes e listas, por exemplo). Contudo, os que fizeram ioga tiveram mais ganhos também nas habilidades espacial-visuais, relacionadas à recordação de localidades quando se está andando ou dirigindo — a diminuição dessa função faz com que muitos idosos se percam.
As alterações verificadas nos circuitos do cérebro se traduziram em melhorias cognitivas reais: os testes mnemônicos feitos após a prática da técnica milenar confirmaram que os voluntários do grupo de ioga se saíram melhor que os do grupo do treino cerebral. Outro ganho dos praticantes da atividade foi a redução dos sintomas de depressão, um mal comum entre pessoas que sofrem de demência leve e avançada.
Conexão e foco
Segundo Helen Lavretsky, os benefícios da ioga para o cérebro podem ser explicados por vários fatores, como a produção aumentada de uma proteína chamada fator de crescimento neurotrófico, que estimula a conexão entre os neurônios e acelera um processo que repõe material genético perdido ou danificado. Outra explicação é que os exercícios, por exigirem foco na respiração e na execução de movimentos, acabam treinando a mente dos praticantes para se concentrar em uma atividade.
“Na ioga, você se movimenta em uma série de posturas estilizadas. Essa atividade requer um esforço focado para fazer as posições de forma correta, controlando o corpo e a respiração em uma taxa estável. É possível que esse foco no corpo, na mente e na respiração seja levado pelo praticante para situações do dia a dia, resultando em uma atenção maior para o que está ao redor”, afirma Neha Gothe, pesquisadora de saúde comunitária da Universidade de Illinois, que não participou do estudo.
“Quando os participantes da ioga mostram melhoras significativas na memória de trabalho, isso significa que eles estão atentos às informações que recebem”, observa. Há alguns anos, Gothe fez uma pesquisa com 108 adultos de 55 a 79 anos, que participaram de aulas de ioga durante oito semanas. Todos registraram ganhos nos testes cognitivos feitos ao fim do trabalho.
Embora o estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles tenha sido piloto, a psiquiatra Helen Lavretsky diz que os resultados dessa e de outras pesquisas não deixam dúvidas de que praticar ioga e meditação é uma boa opção para deixar o cérebro afiado, além de reduzir o estresse e a depressão associados à perda de memória. Os benefícios não são apenas para pessoas que já estão com comprometimento cognitivo leve: os cuidadores também tiram proveito da prática milenar. Segundo a pesquisadora, alguns trabalhos recentes sugerem que os responsáveis por idosos com demência, incluindo Alzheimer, relatam alívio da pressão sofrida no dia a dia e se sentem mais dispostos para se dedicar aos pacientes.
Pista sobre o Alzheimer
Uma das características fisiológicas do Alzheimer é o acúmulo de placas da proteína beta amiloide no cérebro, o que danifica as conexões entre os neurônios. Agora, pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego e da Faculdade de Medicina de Harvard descobriram que a enzima PKC alfa também desempenha um papel nesse processo. Eles também identificaram as variações genéticas que estimulam a atividade dessa molécula nos pacientes com a doença. O estudo, publicado ontem na revista Science Signaling, pode resultar em um novo alvo terapêutico para combater o mal.
“Até recentemente, acreditava-se que a PKC ajudava as células a sobreviver, e que uma hiperatividade dessa enzima poderia levar ao câncer. Baseado nessa suposição, testaram-se inibidores da PKC como drogas para tratar o câncer, mas elas não funcionaram”, contou Alexandra Newton, coautora do estudo.
“Contudo, descobrimos que a PKC serve como um freio para o crescimento celular, então as células cancerígenas se beneficiam quando ela está inativa. Agora, nosso estudo mais recente revela que muita atividade da enzima também é ruim, levando à neurodegeneração. Isso significa que as drogas que falharam para o câncer podem fornecer uma nova oportunidade terapêutica para o Alzheimer”, explicou.
Ação combinada
Uma das descobertas foi que, quando ratos não têm o gene PKC alfa, os neurônios funcionam normalmente, mesmo quando existe um acúmulo de placas beta amiloide. Quando a atividade da enzima foi restabelecida, a proteína associada ao Alzheimer voltou a prejudicar a função neuronal. Em outras palavras, a beta amiloide não inibe a função cerebral, a não ser que a PKC alfa esteja ativa.
Além disso, os cientistas analisaram um banco de dados genéticos de 1.345 pessoas de 410 famílias com casos avançados da doença. Eles encontraram três variantes associadas à enzima PKC alfa que tinham implicações com o Alzheimer em cinco famílias. No laboratório, eles replicaram as mutações genéticas em células. Em todos os testes, a atividade da enzima aumentou. Os cientistas acreditam que haja muitas outras variações genéticas que, indiretamente, estimulam ou inibem a atividade da PKC, influenciando, a propensão à doença.