Pílula do câncer é suspensa pelo STF
Medida do Supremo Tribunal Federal é provisória. Alegação principal é de que a substância fosfoetanolamina sintética não tem eficácia comprovada, tampouco é regulada pela Anvisa
Estado de Minas
Publicação:20/05/2016 08:32Atualização: 20/05/2016 09:09
O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, balizou o julgamento ao votar para suspender integralmente a lei. Ele considerou haver potencial dano em liberar a substância sem a realização de estudos científicos e registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A tese foi acompanhada por Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
O ministro Edson Fachin divergiu de Marco Aurélio Mello e dividiu a Corte ao votar pela liberação da substância apenas para pacientes em caso terminal. Ele alegou que o Estado não pode interferir em uma decisão reservada ao âmbito privado do próprio paciente. A tese foi acompanhada por Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, mas acabou vencida. O ministro Celso de Mello não estava presente na sessão de ontem. O ministro Luis Roberto Barroso lembrou que uma resolução da Anvisa já autoriza o uso de substâncias não regulamentadas por pacientes terminais. A agência autoriza pacientes a usar medicamentos sem eficácia comprovada com base na gravidade e estágio da doença, ausência de alternativa terapêutica satisfatória no país, entre outros.
Inconstitucionalidade
O julgamento foi motivado por uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira (AMB). A entidade alegou que não há conhecimento científico sobre a eficiência da fosfoetanolamina ou sobre os efeitos colaterais do uso da substância, que jamais foi propriamente testada em seres humanos. “Sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais, como o direito à saúde, o direito à segurança e à vida, e o princípio da dignidade da pessoa humana”, diz a ação.
Fruto de pesquisas de um professor aposentado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a fosfoetanolamina foi distribuída localmente durante anos, até junho de 2014, quando uma portaria da própria USP proibiu o repasse. Porém, em outubro de 2015, o ministro Fachin, do STF, concedeu liminar autorizando o acesso por uma paciente em estado terminal. A partir de então, diversos doentes conseguiram liminares semelhantes no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em novembro, uma nova decisão do TJ-SP proibiu mais uma vez a distribuição.
A procura pela substância foi motivada por relatos de pacientes dando conta de que as pílulas funcionam. Entretanto, a fosfoetanolamina nunca passou pelos testes obrigatórios para todo e qualquer medicamento. E por isso mesmo, também não foi sequer avaliada pela Anvisa, órgão federal responsável por autorizar o uso de remédios no país. O clamor pelo acesso à substância, porém, continuou, inclusive obrigando que fossem produzidas as pílulas.
Em março deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que liberava a fosfoetanolamina sintética mesmo sem testes ou o aval da Anvisa. O texto foi aprovado também pelo Senado e, em seguida, sancionado pela então presidente Dilma Rousseff, em 13 de abril. No mês passado, o presidente da Corte, ministro Lewandowski, já havia suspendido a distribuição do medicamento pela USP e determinou que a instituição fornecesse as cápsulas de fosfoetanolamina sintética apenas até o fim dos estoques disponíveis.
Teste pré-clinico
Desde a aprovação na Câmara, cientistas renomados se posicionaram publicamente contra a liberação da fosfoetanolamina. A própria Anvisa se mostrou preocupada: “Quem garantirá ao consumidor que a substância que está adquirindo não é uma inescrupulosa falsificação? Quem garantirá que a quantidade da substância informada na embalagem é efetivamente a que existe no interior de cada cápsula?", questionou a agência. Segundo a AMB, a "pílula do câncer" não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com a Lei 6.360, de 1976, precisam ser realizados antes da concessão de registro pela Anvisa. Segundo a associação, a fosfoetanolamina passou apenas pela fase de testes pré-clínicos de pesquisa necessária para uma substância ser considerada medicamento.
O advogado da AMB, Carlos Magno Reis, defendeu que a entidade não luta contra as associações que defendem o direito dos pacientes com câncer, mas combate o uso de uma substância sem garantia de ser benéfica para o tratamento. Reis alegou que o uso do medicamento sem respaldo poderia aumentar o número de mortes pela doença. “A reboque de aprovar uma lei, falamos muito dos efeitos positivos. E os efeitos colaterais negativos? Não podemos permitir que uma substância aplicada somente em experiências com animais seja usada em pacientes de forma desconhecida e torne chance de cura perdida”, sustentou. Ele também alertou que a comunidade internacional condenou a aprovação da lei no Brasil.
Substância isolada em 1936
A fosfoetanolamina é uma substância que foi isolada pela primeira em 1936 por Edgar Laurence Outhouse, do Departmento de Pesquisas Médicas do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá. No início dos anos 90, essa substância começou a ser estudada por Gilberto Orivaldo Chierice, que integrava o Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC/USP). A partir de resultados preliminares animadores em alguns modelos experimentais em linhagens celulares de câncer e em animais teve início o uso em alguns pacientes portadores de câncer na região da cidade de São Carlos. No ano passado, depois da convulsão social causada pela 'pílula do câncer', a USP São Carlos soltou nota de esclarecimento alegando que era preciso observar a legislação federal sobre drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos, insumos farmacêuticos e seus correlatos, afirmando que substâncias como a fosfoetanolamina só poderiam ser produzidas e distribuídas por pesquisadores do IQSC/USP mediante a prévia apresentação das devidas licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes determinados na legislação, no caso o Ministério da Saúde e a Anvisa.
Primeiros estudos não têm resultado positivo
Diante da repercussão da distribuição da fosfoetanolamina e da mobilização na Justiça para conseguir a 'pílula do câncer', o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Saúde (MS), de forma articulada, financiaram estudos para verificar a segurança e eficácia da substância em instituições nacionais de reconhecida experiência na pesquisa e desenvolvimento de fármacos. Os primeiros testes laboratoriais, contudo, sugeriram que a substância é ineficaz no combate a tumores.
O Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lassbio/UFRJ), responsável pela realização de testes de caracterização com as cápsulas de fosfoetanolamina fornecidas pela USP mostrou, num estudo preliminar, que foi encontrada variação de peso nas pílulas em que foram realizadas as análises, além da presença de outras substâncias que não constavam na patente.
Já o Centro de Inovação de Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP-SC) e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM/UFC), responsáveis pelos testes pré-clínicos, apontaram os resultados dos estudos realizados em animais com três doses testadas. Segundo os pesquisadores, o tratamento repetido com a fosfoetanolamina sintética não causou efeitos tóxicos nos animais, mas não inibiu os tumores que foram testados.
Na terça-feira, pesquisadores e representantes do grupo de trabalho (GT) instituído pelo Ministério da Saúde (MS) para apoiar o desenvolvimento de pesquisas que comprovem a eficácia e segurança da fosfoetanolamina se reuniram para debater os resultados preliminares dos estudos da substância. O encontro, realizado na sede do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, foi uma proposta do governo de debater com representantes do grupo de pesquisadores que originaram a chamada “pílula do câncer” e parlamentares o desenvolvimento das pesquisas dos laboratórios contratados pelo MCTI. No entanto, os dois principais pesquisadores que criaram a substância, o professor Gilberto Chierice e o biomédico do Instituto Butantan Durvanei Augusto Maria, não compareceram ao debate.
“É um tema que tem gerado muitas discussões por vários pontos de vista, tanto científicos quanto pelos pacientes. Por isso, queremos deixar o desenvolvimento dessas pesquisas transparentes e fazer um debate científico correto entre aqueles que têm capacidade de debate e esclarecimento sobre o assunto”, declarou o secretário interino da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, Pedro Prata.
A procura pela substância foi motivada por relatos de pacientes que afirmam que as pílulas funcionam
Saiba mais...
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quinta-feira (19/05), provisoriamente, a lei federal que liberou o porte, o uso, a distribuição e a fabricação da fosfoetanolamina sintética, conhecida como "pílula do câncer" para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. O caso ainda não se encerrou e deverá voltar ao plenário quando os ministros decidirem sobre o mérito da questão, que questiona a constitucionalidade da norma. Seis ministros votaram por suspender a distribuição da pílula. Outros quatro votaram a favor de liberar a substância apenas para doentes em estágio terminal.- Ministro da Saúde diz que pílula do câncer só será distribuída se Anvisa comprovar efeito
- Anvisa alerta que lei que autoriza 'pílula do câncer' pode colocar população em risco
- Dilma sanciona 'pílula do câncer' sem vetos
- 'Pílula do câncer' falha em sétimo teste para avaliar sua eficácia
- Teste afirma que 'pílula do câncer' aprovada em março é ineficaz
O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, balizou o julgamento ao votar para suspender integralmente a lei. Ele considerou haver potencial dano em liberar a substância sem a realização de estudos científicos e registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A tese foi acompanhada por Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
O ministro Edson Fachin divergiu de Marco Aurélio Mello e dividiu a Corte ao votar pela liberação da substância apenas para pacientes em caso terminal. Ele alegou que o Estado não pode interferir em uma decisão reservada ao âmbito privado do próprio paciente. A tese foi acompanhada por Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, mas acabou vencida. O ministro Celso de Mello não estava presente na sessão de ontem. O ministro Luis Roberto Barroso lembrou que uma resolução da Anvisa já autoriza o uso de substâncias não regulamentadas por pacientes terminais. A agência autoriza pacientes a usar medicamentos sem eficácia comprovada com base na gravidade e estágio da doença, ausência de alternativa terapêutica satisfatória no país, entre outros.
Inconstitucionalidade
O julgamento foi motivado por uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira (AMB). A entidade alegou que não há conhecimento científico sobre a eficiência da fosfoetanolamina ou sobre os efeitos colaterais do uso da substância, que jamais foi propriamente testada em seres humanos. “Sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais, como o direito à saúde, o direito à segurança e à vida, e o princípio da dignidade da pessoa humana”, diz a ação.
Fruto de pesquisas de um professor aposentado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a fosfoetanolamina foi distribuída localmente durante anos, até junho de 2014, quando uma portaria da própria USP proibiu o repasse. Porém, em outubro de 2015, o ministro Fachin, do STF, concedeu liminar autorizando o acesso por uma paciente em estado terminal. A partir de então, diversos doentes conseguiram liminares semelhantes no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em novembro, uma nova decisão do TJ-SP proibiu mais uma vez a distribuição.
A procura pela substância foi motivada por relatos de pacientes dando conta de que as pílulas funcionam. Entretanto, a fosfoetanolamina nunca passou pelos testes obrigatórios para todo e qualquer medicamento. E por isso mesmo, também não foi sequer avaliada pela Anvisa, órgão federal responsável por autorizar o uso de remédios no país. O clamor pelo acesso à substância, porém, continuou, inclusive obrigando que fossem produzidas as pílulas.
Em março deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que liberava a fosfoetanolamina sintética mesmo sem testes ou o aval da Anvisa. O texto foi aprovado também pelo Senado e, em seguida, sancionado pela então presidente Dilma Rousseff, em 13 de abril. No mês passado, o presidente da Corte, ministro Lewandowski, já havia suspendido a distribuição do medicamento pela USP e determinou que a instituição fornecesse as cápsulas de fosfoetanolamina sintética apenas até o fim dos estoques disponíveis.
Teste pré-clinico
Desde a aprovação na Câmara, cientistas renomados se posicionaram publicamente contra a liberação da fosfoetanolamina. A própria Anvisa se mostrou preocupada: “Quem garantirá ao consumidor que a substância que está adquirindo não é uma inescrupulosa falsificação? Quem garantirá que a quantidade da substância informada na embalagem é efetivamente a que existe no interior de cada cápsula?", questionou a agência. Segundo a AMB, a "pílula do câncer" não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com a Lei 6.360, de 1976, precisam ser realizados antes da concessão de registro pela Anvisa. Segundo a associação, a fosfoetanolamina passou apenas pela fase de testes pré-clínicos de pesquisa necessária para uma substância ser considerada medicamento.
O advogado da AMB, Carlos Magno Reis, defendeu que a entidade não luta contra as associações que defendem o direito dos pacientes com câncer, mas combate o uso de uma substância sem garantia de ser benéfica para o tratamento. Reis alegou que o uso do medicamento sem respaldo poderia aumentar o número de mortes pela doença. “A reboque de aprovar uma lei, falamos muito dos efeitos positivos. E os efeitos colaterais negativos? Não podemos permitir que uma substância aplicada somente em experiências com animais seja usada em pacientes de forma desconhecida e torne chance de cura perdida”, sustentou. Ele também alertou que a comunidade internacional condenou a aprovação da lei no Brasil.
Substância isolada em 1936
A fosfoetanolamina é uma substância que foi isolada pela primeira em 1936 por Edgar Laurence Outhouse, do Departmento de Pesquisas Médicas do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá. No início dos anos 90, essa substância começou a ser estudada por Gilberto Orivaldo Chierice, que integrava o Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC/USP). A partir de resultados preliminares animadores em alguns modelos experimentais em linhagens celulares de câncer e em animais teve início o uso em alguns pacientes portadores de câncer na região da cidade de São Carlos. No ano passado, depois da convulsão social causada pela 'pílula do câncer', a USP São Carlos soltou nota de esclarecimento alegando que era preciso observar a legislação federal sobre drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos, insumos farmacêuticos e seus correlatos, afirmando que substâncias como a fosfoetanolamina só poderiam ser produzidas e distribuídas por pesquisadores do IQSC/USP mediante a prévia apresentação das devidas licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes determinados na legislação, no caso o Ministério da Saúde e a Anvisa.
Primeiros estudos não têm resultado positivo
Diante da repercussão da distribuição da fosfoetanolamina e da mobilização na Justiça para conseguir a 'pílula do câncer', o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Saúde (MS), de forma articulada, financiaram estudos para verificar a segurança e eficácia da substância em instituições nacionais de reconhecida experiência na pesquisa e desenvolvimento de fármacos. Os primeiros testes laboratoriais, contudo, sugeriram que a substância é ineficaz no combate a tumores.
O químico aposentado Gilberto Chierice começou a estudar a substância nos anos 1990 e passou a distribuir a pílula no interior de São Paulo
Já o Centro de Inovação de Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP-SC) e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM/UFC), responsáveis pelos testes pré-clínicos, apontaram os resultados dos estudos realizados em animais com três doses testadas. Segundo os pesquisadores, o tratamento repetido com a fosfoetanolamina sintética não causou efeitos tóxicos nos animais, mas não inibiu os tumores que foram testados.
Na terça-feira, pesquisadores e representantes do grupo de trabalho (GT) instituído pelo Ministério da Saúde (MS) para apoiar o desenvolvimento de pesquisas que comprovem a eficácia e segurança da fosfoetanolamina se reuniram para debater os resultados preliminares dos estudos da substância. O encontro, realizado na sede do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, foi uma proposta do governo de debater com representantes do grupo de pesquisadores que originaram a chamada “pílula do câncer” e parlamentares o desenvolvimento das pesquisas dos laboratórios contratados pelo MCTI. No entanto, os dois principais pesquisadores que criaram a substância, o professor Gilberto Chierice e o biomédico do Instituto Butantan Durvanei Augusto Maria, não compareceram ao debate.
“É um tema que tem gerado muitas discussões por vários pontos de vista, tanto científicos quanto pelos pacientes. Por isso, queremos deixar o desenvolvimento dessas pesquisas transparentes e fazer um debate científico correto entre aqueles que têm capacidade de debate e esclarecimento sobre o assunto”, declarou o secretário interino da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, Pedro Prata.