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Xô dieta: ações radicais são ineficazes para perder peso a médio prazo

Em um estudo americano, por exemplo, os participantes de um programa de emagrecimento recuperaram 97% do peso inicial em menos de cinco anos

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Paloma Oliveto - Correio Brazilienze Publicação:24/05/2016 09:40Atualização:24/05/2016 09:45
Regime para emagrecer não funciona (CB/D.A Press)
Regime para emagrecer não funciona
Os exames de colesterol e triglicérides estão alarmantes, o botão da blusa abre sozinho, o jeans parece que vai explodir e os ponteiros da balança sobem a cada semana. Seja por um motivo ou outro — ou por todos juntos —, uma hora o alarme dispara e todos os caminhos apontam para a uma única saída: fechar a boca. As bancas de revista estão cheias de publicações que prometem resolver o problema rapidamente, assim como as estantes das livrarias e os incontáveis sites ditos de boa forma. Mas as semanas passam e a gordura derretida se recompõe à primeira escapada.

“Entre 80% e 90% das pessoas que emagreceram vão reganhar todo o peso perdido”, afirma a endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira do Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Essa é uma frustração vivenciada por praticamente todos os que já tentaram se livrar dos quilos a mais. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que as publicações e ferramentas para ajudar a emagrecer são incontáveis, o mundo jamais esteve tão gordo. Nas projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS), daqui a menos de 10 anos, haverá 2,3 bilhões de adulto com sobrepeso e mais de 700 milhões de obesos. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que 50% da população já ultrapassou o limite do índice de massa corporal ideal.

O fenômeno chama, como nunca, a atenção de especialistas, que estão concluindo algo que os fazedores de dieta de carteirinha sabem pela prática, há muitos anos: regime para emagrecer não funciona. Uma meta-análise conduzida pela Universidade de Kentuchky constatou, por exemplo, que após 4,5 anos da conclusão de um programa estruturado de emagrecimento, que incluía dieta hipocalórica com ou sem exercício, os participantes só conseguiram manter 3% do peso total perdido. Outra pesquisa, feita por pesquisadores da Universidade do Colorado com 228 americanos com sobrepeso detectou que, após perderem ao menos 10% do peso inicial, apenas 20,6% manteiveram o emagrecimento em um ano.

“Primeiro que uma mesma dieta não serve para todo mundo. Também não adianta tentar essas dietas milagrosas. Você pode conseguir por três meses, até um ano. Mas e depois? Dá conta de fazer?”, questiona o endocrinologista João Lindolfo C. Borges, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem). “Em princípio, todas as dietas dão certo: da proteína, de Beverly Hills... Mas por um tempo limitado. Porque são muito limitantes, monótonas e repetitivas. A da proteína, por exemplo, você tira o carboidrato, que é o que dá energia para o dia a dia. O paciente só vai emagrecer se estiver disposto a uma mudança na atitude e no comportamento”, diz.

Gordura
A mudança não é temporária. É para sempre. Só assim para desafiar um dos mecanismos que levam ao aumento de peso. Embora a obesidade seja multifatorial e as raízes por trás dela não estejam completamente desvendadas, nos últimos anos, houve avanços na compreensão da fisiologia da obesidade. Uma das conclusões aprendidas pelos cientistas foi a de que, uma vez gordinho, essa condição acompanhará o indivíduo pelo resto da vida, ainda que ele emagreça. Aderir a um plano alimentar para eliminar os quilos indesejados pode até enxugar a silhueta. Mas o corpo jamais deixará de reclamar a falta de comida e fará de tudo para recuperar a gordura perdida.

Enquanto o indivíduo se esforça, comendo menos e se exercitando mais, o hipotálamo, estrutura cerebral que, entre outras coisas, controla a homeostase, secreta hormônios e centraliza as funções das vísceras, trabalha a todo vapor para evitar que a privação calórica e a atividade física derretam a gordura estocada. Para tanto, lança mão de uma série de estratégias: aumenta o número de células adiposas; aumenta a expressão dos neurônios associados à fome, enquanto diminui os da saciedade; reduz o metabolismo, de forma a se gastar menos energia, e chega a manipular a sensação de recompensa percebida pelo cérebro diante de determinados tipos de alimento.

Um estudo do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Quebec, no Canadá, mostrou que pessoas que fazem ou fizeram dieta para perder peso não apenas sentem mais fome, mas têm desejo maior de comer alimentos muito calóricos. Os pesquisadores compararam as preferências de pessoas com peso normal, obesas e ex-obesas por bebidas que continham vários tipos de açúcar e de gordura. Os participantes do primeiro grupo elegeram como melhor a solução que continha 20% de lipídeos e menos de 10% de sucrose. Os obesos optaram pela bebida mais rica em gordura e os ex-obesos escolheram as que, além de muita gordura, tinham mais açúcar.

Na tevê
Neste mês, os norte-americanos foram surpreendidos com uma notícia publicada nas principais revistas do país. Um estudo científico, divulgado no jornal médico Obesity, revelou que seis anos depois de, juntos, perderem centenas de quilos, os participantes da edição de 2009 do popular programa The biggest loser (O grande perdedor, exibido por canal fechado no Brasil), recuperaram quase todo o peso perdido, incluindo o vencedor da disputa. Quatorze das 16 pessoas que apareceram aquele ano na atração foram voluntárias da pesquisa, conduzida pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.

Mas não foi só isso. Os cientistas constaram que, mesmo após engordar novamente, o metabolismo desses indivíduos estava mais lento que antes da dieta. Para não engordar, em média, eles tinham de consumir 500 calorias a menos por dia, comparado a uma pessoa do mesmo peso e altura. Isso sugere que, quando as pessoas fazem dieta, os mecanismos adaptativos deflagrados pelo corpo para recuperar a gordura eliminada persistem mesmo quando se volta a ganhar peso. Cintia Cercato, da Abeso, porém, pondera: “Essas pessoas do programa eram superobesas e esse resultado não deve ser extrapolado para a população em geral”.

Aos que insistem em fazer dieta mesmo estando com peso normal, a médica alerta: sem necessidade, essas pessoas estão obrigando seu organismo a desenvolver as estratégias de “engorda”. Dessa forma, assim que pararem com a dieta, correm o risco de ganhar mais quilos do que tinham antes e, de fato, acabarem com sobrepeso.

Missão possível
Os novos estudos sobre a obesidade podem desanimar quem precisa perder peso. Contudo, a presidente da Associação Brasileira do Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Cintia Cercato, destaca que é possível perder peso e manter o emagrecimento. “De um modo geral, a dieta é uma das ferramentas para tratar excesso de peso e obesidade. No entanto, não é a única”, afirma. “O tratamento não pode visar apenas a perda, mas manutenção a longo prazo. Muitos pacientes conseguem perder e manter”.

Para não sofrer mais os efeitos do sobrepeso na saúde e voltar a fazer as pazes com a silhueta, no caso dos que querem emagrecer por questões estéticas, a estratégia é dura, mas compensa. Segundo Cercato, para o resto da vida, a pessoa que foi obesa e atingiu o peso ideal, os chamados obesos reduzidos, terão de se exercitar uma hora por dia, todos os dias da semana; frequentar menos restaurantes fast food e ingerir uma quantidade de calorias menor que pessoas que sempre foram magras, para manter o balanço energético negativo. Elas também precisam se manter alertas aos pequenos sinais de engorda. Para tanto, devem incluir o hábito da pesagem semanal e jamais baixar a guarda. A médica destaca a importância de não se deixar ganhar mais de 5% do peso. Caso isso aconteça, é hora de voltar a contar calorias e registrar em um diário o que se está comendo, para tentar identificar de onde surgiram os quilos a mais.

Para quem é obeso (índice de massa corporal acima de 30) ou tem sobrepeso (índice acima de 25) e já sofre de alguma doença relacionada ao peso, a presidente da Abeso recomenda o uso de medicamentos, que só podem ser receitados por médicos. “Existe muito preconceito com remédios para emagrecer, mas as pessoas precisam lembrar que a obesidade é uma doença”, afirma. Além de diminuir a fome e aumentar a saciedade, estudos com ratos demonstraram que uma dessas substâncias tem potencial para combater os mecanismos de adaptação que provocam o reganho de peso.

Motivo
O endocrinologista João Lindolfo C. Borges, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), inclui nas recomendações descobrir, em primeiro lugar, de onde vem tanto peso. “Ninguém engorda por fome, mas por vontade de comer. É preciso descobrir o motivo de o paciente estar comendo tanto. A maioria das pessoas não come muito no café da manhã, no almoço e no jantar. O problema está na balinha, no pão de queijo que comem no intervalo e que nem sabem que estão comendo”, diz.

Diante das dificuldades para perder peso e se manter magro, a nutricionista de São Paulo Mari Chicarelli, especialista em emagrecimento e nutrição esportiva, recomenda a prevenção. “A gente vê criança de 1 ano comendo bolacha recheada, tomando refrigerante... Mesmo com falta de tempo, os pais têm de educar os filhos”, diz. Para os que estão na luta contra a gordura, ela recomenda o acompanhamento perene por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos e psicólogos, ou ao menos participar de grupos de autoajuda. “É muito difícil chegar lá sozinho.”

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