Passar anos em um trabalho que causa insatisfação aumenta as chances de transtornos mentais
Depressão e insônia são alguns dos efeitos nocivos costumam ser sentidos depois dos 40 anos
Publicação:21/09/2016 08:40Atualização: 21/09/2016 08:44
Para os autores do trabalho, apresentado recentemente na reunião anual da Associação Americana de Sociologia, os resultados reforçam a relação entre trabalho e qualidade de vida e funcionam como alerta para trabalhadores, empresas e governos. Além disso, a análise traz uma perspectiva de longo prazo pouco explorada nas pesquisas sobre o tema. “Muitos estudos analisaram a relação entre satisfação no trabalho e saúde, mas a maioria considerou apenas a satisfação no emprego atual. Queríamos ver se a insatisfação prolongada tem algum efeito mais forte”, justifica ao Correio Jonathan Dirlam, principal autor do estudo e doutorando em sociologia na Universidade Estadual de Ohio.
Dirlam teve acesso a dados do Exame Longitudinal Nacional da Juventude 1979 (NLSY79, na sigla em inglês), uma ampla pesquisa sobre comportamento de jovens norte-americanos iniciada em 1979, quando os participantes, que periodicamente voltam a ser consultados, tinham entre 14 e 22 anos. Nessa amostra, o autor investigou 6.432 pessoas que, entre os 25 e os 39 anos, avaliaram sua satisfação no trabalho em uma escala de 1 (não gosto nem um pouco) a 4 (gosto muito).
Divisão
Os participantes foram divididos em quatro grupos: os que demonstraram satisfação baixa constantemente, os que se mantiveram sempre satisfeitos, os que iniciaram felizes com o emprego e perderam o prazer na profissão com o tempo e os que começaram insatisfeitos e foram melhorando sua situação. Em seguida, avaliaram-se os indicadores de saúde dessas pessoas depois dos 40 anos.
Aqueles que se mostraram consistentemente infelizes com sua vida profissional, apresentaram índices piores que aqueles que se mantiveram sempre satisfeitos em todos os cinco aspectos de saúde mental avaliados no exame longitudinal. Eles relataram níveis mais altos de depressão, insônia, preocupação excessiva e maior propensão a serem diagnosticados com problemas emocionais, além de terem obtido escores mais baixos em um teste geral de saúde mental.
Já o grupo que começou feliz no emprego, mas viu sua satisfação cair com o passar dos anos, mostrou-se com mais dificuldade para dormir, preocupação excessiva mais frequente e escores mais baixos na avaliação geral. No entanto, os níveis de depressão e a probabilidade de serem diagnosticados com problemas emocionais foram equivalentes ao do grupo que sempre se manteve satisfeito profissionalmente. A boa notícia veio do último grupo: aqueles que começaram insatisfeitos e se tornaram mais felizes ao longo da carreira apresentaram resultados semelhantes aos de quem sempre considerou seu emprego bom.
Preocupante
Ao analisar todos os resultados, os cientistas observaram que os voluntários que relataram baixa satisfação com a profissão no início de suas carreiras mostraram uma quantidade maior de problemas de saúde. Eles tinham níveis mais elevados de depressão, preocupação excessiva e problemas de sono. O grupo insatisfeito com o trabalho no início da vida também eram mais propenso a diagnósticos de problemas emocionais.
“Nós descobrimos que há um efeito cumulativo da insatisfação no trabalho sobre a saúde que aparece logo após os 40 anos”, resume Dirlam. Professor de sociologia da Universidade Estadual de Ohio e coautor do estudo, Hui Zheng acrescenta: “Você não tem de estar perto do fim de sua carreira para ver o impacto da satisfação no trabalho, em particular sobre a sua saúde mental”. Zheng acha o dado preocupante. “Os níveis mais elevados de problemas de saúde mental para aqueles com baixa satisfação no trabalho pode ser um precursor para futuros problemas físicos. O aumento da ansiedade e da depressão pode levar a problemas de saúde cardiovascular ou outras enfermidades que não aparecem até que as pessoas estejam mais velhas”, afirma, em comunicado.
Discussão necessária
Para Vladimir Melo, terapeuta familiar e doutorando em psicologia pela Universidade Católica de Brasília, o trabalho americano aborda um tema que merece ser discutido. “Esse estudo aborda questões muitos pertinentes, inclusive para Brasília. Na cidade, temos muitos concursos públicos, o que influencia a escolha da profissão e faz com que, muitas vezes, as pessoas não levem a vocação em consideração para a primeira escolha de carreira”, observa o especialista, que não participou do estudo.
Melo também acredita que a escolha do período de vida para análise dos cientistas foi o ideal. “Esse é um estágio em que você pode avaliar a escolha feita no início da vida. Espera-se que uma pessoa que gosta da sua profissão já esteja bem-sucedida aos 40 anos, uma época em que o indivíduo já pode ter retorno da escolha feita”, detalha. O terapeuta acrescenta que os achados entram em concordância com o que profissionais da área de psicologia observam nos consultórios. “Um dos aspectos que usamos para avaliar clinicamente uma pessoa é a sua relação com o trabalho, a satisfação e as relações que ela tem nesse meio. Todos esses pontos precisam ser levados em consideração na hora de uma avaliação.”
Os autores da pesquisa acreditam que os resultados podem ajudar diversas áreas. “Eu acredito que essas descobertas colaboram para a formulação de políticas de emprego mais do que para o campo da medicina. Elas mostram um efeito negativo adicional do aumento da insegurança no trabalho”, avalia Dirlam.
Ele ressalta ainda que a pesquisa teve fim antes da crise econômica causada pela bolha imobiliária em 2007. “A recessão quase certamente gera maior precariedade de emprego e, consequentemente, insatisfação, o que pode resultar em efeitos ainda mais negativos para a saúde”, frisa. O pesquisador adianta que o estudo será aprofundado. “O próximo passo é continuar a seguir esse modelo que usamos e ver como a satisfação no trabalho continua a afetar a saúde até os 50 anos.”
Pesquisa reforça relação entre trabalho e qualidade de vida
Saiba mais...
A falta de satisfação no trabalho afeta negativamente a saúde das pessoas, mas os efeitos nocivos demoram alguns anos para aparecer, indica um estudo conduzido nos Estados Unidos. Segundo o levantamento, baseado nos dados de milhares de americanos, indivíduos que se dizem infelizes com o emprego quando estão na casa dos 20 e 30 anos têm maior risco de apresentar, depois dos 40, uma variedade de problemas, como depressão e dificuldade para dormir.Para os autores do trabalho, apresentado recentemente na reunião anual da Associação Americana de Sociologia, os resultados reforçam a relação entre trabalho e qualidade de vida e funcionam como alerta para trabalhadores, empresas e governos. Além disso, a análise traz uma perspectiva de longo prazo pouco explorada nas pesquisas sobre o tema. “Muitos estudos analisaram a relação entre satisfação no trabalho e saúde, mas a maioria considerou apenas a satisfação no emprego atual. Queríamos ver se a insatisfação prolongada tem algum efeito mais forte”, justifica ao Correio Jonathan Dirlam, principal autor do estudo e doutorando em sociologia na Universidade Estadual de Ohio.
Dirlam teve acesso a dados do Exame Longitudinal Nacional da Juventude 1979 (NLSY79, na sigla em inglês), uma ampla pesquisa sobre comportamento de jovens norte-americanos iniciada em 1979, quando os participantes, que periodicamente voltam a ser consultados, tinham entre 14 e 22 anos. Nessa amostra, o autor investigou 6.432 pessoas que, entre os 25 e os 39 anos, avaliaram sua satisfação no trabalho em uma escala de 1 (não gosto nem um pouco) a 4 (gosto muito).
Divisão
Os participantes foram divididos em quatro grupos: os que demonstraram satisfação baixa constantemente, os que se mantiveram sempre satisfeitos, os que iniciaram felizes com o emprego e perderam o prazer na profissão com o tempo e os que começaram insatisfeitos e foram melhorando sua situação. Em seguida, avaliaram-se os indicadores de saúde dessas pessoas depois dos 40 anos.
Aqueles que se mostraram consistentemente infelizes com sua vida profissional, apresentaram índices piores que aqueles que se mantiveram sempre satisfeitos em todos os cinco aspectos de saúde mental avaliados no exame longitudinal. Eles relataram níveis mais altos de depressão, insônia, preocupação excessiva e maior propensão a serem diagnosticados com problemas emocionais, além de terem obtido escores mais baixos em um teste geral de saúde mental.
Já o grupo que começou feliz no emprego, mas viu sua satisfação cair com o passar dos anos, mostrou-se com mais dificuldade para dormir, preocupação excessiva mais frequente e escores mais baixos na avaliação geral. No entanto, os níveis de depressão e a probabilidade de serem diagnosticados com problemas emocionais foram equivalentes ao do grupo que sempre se manteve satisfeito profissionalmente. A boa notícia veio do último grupo: aqueles que começaram insatisfeitos e se tornaram mais felizes ao longo da carreira apresentaram resultados semelhantes aos de quem sempre considerou seu emprego bom.
Preocupante
Ao analisar todos os resultados, os cientistas observaram que os voluntários que relataram baixa satisfação com a profissão no início de suas carreiras mostraram uma quantidade maior de problemas de saúde. Eles tinham níveis mais elevados de depressão, preocupação excessiva e problemas de sono. O grupo insatisfeito com o trabalho no início da vida também eram mais propenso a diagnósticos de problemas emocionais.
“Nós descobrimos que há um efeito cumulativo da insatisfação no trabalho sobre a saúde que aparece logo após os 40 anos”, resume Dirlam. Professor de sociologia da Universidade Estadual de Ohio e coautor do estudo, Hui Zheng acrescenta: “Você não tem de estar perto do fim de sua carreira para ver o impacto da satisfação no trabalho, em particular sobre a sua saúde mental”. Zheng acha o dado preocupante. “Os níveis mais elevados de problemas de saúde mental para aqueles com baixa satisfação no trabalho pode ser um precursor para futuros problemas físicos. O aumento da ansiedade e da depressão pode levar a problemas de saúde cardiovascular ou outras enfermidades que não aparecem até que as pessoas estejam mais velhas”, afirma, em comunicado.
Discussão necessária
Para Vladimir Melo, terapeuta familiar e doutorando em psicologia pela Universidade Católica de Brasília, o trabalho americano aborda um tema que merece ser discutido. “Esse estudo aborda questões muitos pertinentes, inclusive para Brasília. Na cidade, temos muitos concursos públicos, o que influencia a escolha da profissão e faz com que, muitas vezes, as pessoas não levem a vocação em consideração para a primeira escolha de carreira”, observa o especialista, que não participou do estudo.
Melo também acredita que a escolha do período de vida para análise dos cientistas foi o ideal. “Esse é um estágio em que você pode avaliar a escolha feita no início da vida. Espera-se que uma pessoa que gosta da sua profissão já esteja bem-sucedida aos 40 anos, uma época em que o indivíduo já pode ter retorno da escolha feita”, detalha. O terapeuta acrescenta que os achados entram em concordância com o que profissionais da área de psicologia observam nos consultórios. “Um dos aspectos que usamos para avaliar clinicamente uma pessoa é a sua relação com o trabalho, a satisfação e as relações que ela tem nesse meio. Todos esses pontos precisam ser levados em consideração na hora de uma avaliação.”
Os autores da pesquisa acreditam que os resultados podem ajudar diversas áreas. “Eu acredito que essas descobertas colaboram para a formulação de políticas de emprego mais do que para o campo da medicina. Elas mostram um efeito negativo adicional do aumento da insegurança no trabalho”, avalia Dirlam.
Ele ressalta ainda que a pesquisa teve fim antes da crise econômica causada pela bolha imobiliária em 2007. “A recessão quase certamente gera maior precariedade de emprego e, consequentemente, insatisfação, o que pode resultar em efeitos ainda mais negativos para a saúde”, frisa. O pesquisador adianta que o estudo será aprofundado. “O próximo passo é continuar a seguir esse modelo que usamos e ver como a satisfação no trabalho continua a afetar a saúde até os 50 anos.”