Países signatários da ONU assumem compromissos para combater bactérias resistentes a antibióticos
O documento envolverá investimento em pesquisa, promoção de melhores práticas e maior regulação. A expectativa é evitar 700 mil mortes por ano
Correio Braziliense
Publicação:26/09/2016 16:00Atualização: 26/09/2016 16:17
“A resistência antimicrobiana ameaça a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e requer uma resposta global. Estados-Membros têm hoje acordada uma forte declaração política que fornece uma boa base para a comunidade internacional para avançar. Nenhum país, nenhum setor ou nenhuma organização pode resolver esse problema sozinho”, ressaltou H. E. Peter Thomson, presidente da assembleia geral, que convocou uma reunião de alto nível para tratar do tema.
As projeções em torno das superbactérias indicam que não se trata, mesmo, de um problema pontual. Iniciado em 2014, o estudo Review on Antimicrobial Resistance, encomendado pelo governo britânico, calcula que os micro-organismos superresistentes poderão matar 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050; ou seja, um óbito a cada três segundos. Para se ter uma ideia, atualmente, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida 8,2 milhões de pessoas anualmente.
No último dia 30, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que as doenças sexualmente transmissíveis comuns — clamídia, gonorreia e sífilis — podem se tornar intratáveis em função da queda na eficiência dos remédios disponíveis. Prescritas de forma errada ou abandonadas pelos pacientes no meio do tratamento, essas substâncias fazem com que os micro-organismo criem resistência à ação delas, ficando, assim, menos eficientes ao longo do tempo. No caso da gonorreia, algumas cepas das bactérias que provocam a doença “não reagem a nenhum dos antibióticos existentes”, conforme a OMS. A cada ano, 78 milhões de pessoas são acometidas pela infecção, que “duplica ou triplica o risco de uma pessoa se contaminar pelo com HIV” (Leia Para saber mais).
Também em animais
A declaração — que pede uma mobilização de governos, médicos, laboratórios e consumidores para frear a ameaça crescente das superbactérias — é a quarta feita pela ONU sobre questões de saúde. A primeira se deu em 2001 e focou no combate ao HIV. Depois, em 2011, tratou das doenças crônicas. E em 2013, contra o ebola. Desta vez, os líderes se comprometeram a reforçar a regulação de antimicrobianos, promover melhores práticas e fomentar abordagens inovadoras que utilizem alternativas aos agentes antimicrobianos e de novas tecnologias de diagnóstico e vacinas, entre outros temas.
Os esforços envolvem o uso dessas substâncias tanto em humanos quanto em animais. “A resistência antimicrobiana é um problema não apenas em nossos hospitais, mas em nossas fazendas e em nossa comida. A agricultura deve assumir sua parte de responsabilidade, recorrendo a antimicrobianos mais responsável e reduzindo a necessidade de usá-los por meio de uma boa higiene das explorações agrícolas”, defendeu José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO).
Diretora-geral da OMS, Margaret Chan também ressaltou a responsabilidade da indústria no avanço das superbactérias. “Os consumidores devem poder comer carne sem antibióticos”, disse, na abertura da reunião especial sobre o tema. “Estamos perdendo nossa capacidade de proteger tanto os humanos quanto os animais de infecções mortais.” acrescentou. A estimativa é de que 70% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos sejam usados em animais.
Segundo Chan, nenhuma nova classe desse medicamento surgiu nos últimos anos. Há um desinteresse por essa área de pesquisa porque o retorno do investimento nesse tipo de remédio é insuficiente para a indústria farmacêutica. “A situação é ruim e está piorando. Alguns cientistas falam de um tsunami em câmera lenta”, alertou. “Se continuarmos assim, uma doença banal como a gonorreia se tornará incurável. Você irá ao médico e o doutor se verá obrigado a dizer: ‘Sinto muito, não posso fazer nada por você’”.
Alerta maior na Ásia
Conforme o estudo, coordenado pelo economista Jim O’Neil, a Ásia será o continente que mais sofrerá a ação letal dos micro-organismos resistentes: serão 4,73 milhões de mortes anuais. Em seguida, virão a África (4,15 milhões), a América Latina (392 mil), a Europa (390 mil), a América do Norte (317 mil) e a Oceania (22 mil). O trabalho também defende a criação de um Fundo de Inovação Global de US$ 2 bilhões para pesquisas em estágio inicial na área.
28 milhões
Quantidade de pessoas que chegarão à condição de extrema pobreza até 2050 em decorrência da complicação de doenças não tratadas mais por antibióticos, segundo relatório do Banco Mundial
Impacto também econômico
Há uma preocupação também em torno do impacto das superbactérias na saúde financeira do planeta. Na segunda-feira, o Banco Mundial alertou que a expansão desses micro-organismos pode desencadear uma crise financeira similar, ou até pior que a de 2008. Intitulado Doenças resistentes aos medicamentos: uma ameaça para nosso futuro econômico, o relatório feito pela instituição estima, por exemplo, que a propagação de doenças em decorrência de menor eficiência dos antibióticos levaria cerca de 28 milhões de pessoas para a extrema pobreza até 2050, especialmente nos países em desenvolvimento.
“Em linhas gerais, o mundo mostra uma tendência de redução da pobreza extrema para 2030, aproximando-se da meta de menos de 3% da população vivendo nessa situação. Mas a resistência aos antibióticos põe em risco que se possa atingir esse objetivo”, alerta o documento. Até 2050 também, os países de menor renda podem perder mais de 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), o volume de exportações no mundo pode se reduzir em 3,8% e o aumento global nos custos da atenção em saúde pode ser entre US$ 300 bilhões e US$ 1 trilhão.
“A dimensão e a natureza dessa ameaça poderiam nos levar a um retrocesso nos êxitos alcançados no desenvolvimento e poderiam nos afastar dos nossos objetivos de erradicar a pobreza extrema”, ressaltou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. “Não podemos bancar os custos que representaria a inação, especialmente os países mais pobres. Devemos reagir com urgência para evitar essa crise potencial.”
Um tipo resistente da bactéria Staphylococus aureus, comum na pele dos humanos, a MRSA pode levar a pneumonias letais
Saiba mais...
Combater as bactérias resistentes aos medicamentos faz parte da agenda global. Mas especialistas criticam a falta de medidas mais específicas em torno da questão. Durante a 71ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, líderes dos 193 países se comprometeram a delimitar melhor esse enfrentamento. Assumiram uma lista de compromissos que envolvem desde a apresentação de um plano de ação em dois anos à destinação de US$ 790 milhões para pesquisas na área. A união inédita de esforços tem a intenção de evitar a morte de 700 mil pessoas por ano. “A resistência antimicrobiana ameaça a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e requer uma resposta global. Estados-Membros têm hoje acordada uma forte declaração política que fornece uma boa base para a comunidade internacional para avançar. Nenhum país, nenhum setor ou nenhuma organização pode resolver esse problema sozinho”, ressaltou H. E. Peter Thomson, presidente da assembleia geral, que convocou uma reunião de alto nível para tratar do tema.
As projeções em torno das superbactérias indicam que não se trata, mesmo, de um problema pontual. Iniciado em 2014, o estudo Review on Antimicrobial Resistance, encomendado pelo governo britânico, calcula que os micro-organismos superresistentes poderão matar 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050; ou seja, um óbito a cada três segundos. Para se ter uma ideia, atualmente, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida 8,2 milhões de pessoas anualmente.
No último dia 30, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que as doenças sexualmente transmissíveis comuns — clamídia, gonorreia e sífilis — podem se tornar intratáveis em função da queda na eficiência dos remédios disponíveis. Prescritas de forma errada ou abandonadas pelos pacientes no meio do tratamento, essas substâncias fazem com que os micro-organismo criem resistência à ação delas, ficando, assim, menos eficientes ao longo do tempo. No caso da gonorreia, algumas cepas das bactérias que provocam a doença “não reagem a nenhum dos antibióticos existentes”, conforme a OMS. A cada ano, 78 milhões de pessoas são acometidas pela infecção, que “duplica ou triplica o risco de uma pessoa se contaminar pelo com HIV” (Leia Para saber mais).
Também em animais
A declaração — que pede uma mobilização de governos, médicos, laboratórios e consumidores para frear a ameaça crescente das superbactérias — é a quarta feita pela ONU sobre questões de saúde. A primeira se deu em 2001 e focou no combate ao HIV. Depois, em 2011, tratou das doenças crônicas. E em 2013, contra o ebola. Desta vez, os líderes se comprometeram a reforçar a regulação de antimicrobianos, promover melhores práticas e fomentar abordagens inovadoras que utilizem alternativas aos agentes antimicrobianos e de novas tecnologias de diagnóstico e vacinas, entre outros temas.
Os esforços envolvem o uso dessas substâncias tanto em humanos quanto em animais. “A resistência antimicrobiana é um problema não apenas em nossos hospitais, mas em nossas fazendas e em nossa comida. A agricultura deve assumir sua parte de responsabilidade, recorrendo a antimicrobianos mais responsável e reduzindo a necessidade de usá-los por meio de uma boa higiene das explorações agrícolas”, defendeu José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO).
Diretora-geral da OMS, Margaret Chan também ressaltou a responsabilidade da indústria no avanço das superbactérias. “Os consumidores devem poder comer carne sem antibióticos”, disse, na abertura da reunião especial sobre o tema. “Estamos perdendo nossa capacidade de proteger tanto os humanos quanto os animais de infecções mortais.” acrescentou. A estimativa é de que 70% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos sejam usados em animais.
Segundo Chan, nenhuma nova classe desse medicamento surgiu nos últimos anos. Há um desinteresse por essa área de pesquisa porque o retorno do investimento nesse tipo de remédio é insuficiente para a indústria farmacêutica. “A situação é ruim e está piorando. Alguns cientistas falam de um tsunami em câmera lenta”, alertou. “Se continuarmos assim, uma doença banal como a gonorreia se tornará incurável. Você irá ao médico e o doutor se verá obrigado a dizer: ‘Sinto muito, não posso fazer nada por você’”.
Alerta maior na Ásia
Conforme o estudo, coordenado pelo economista Jim O’Neil, a Ásia será o continente que mais sofrerá a ação letal dos micro-organismos resistentes: serão 4,73 milhões de mortes anuais. Em seguida, virão a África (4,15 milhões), a América Latina (392 mil), a Europa (390 mil), a América do Norte (317 mil) e a Oceania (22 mil). O trabalho também defende a criação de um Fundo de Inovação Global de US$ 2 bilhões para pesquisas em estágio inicial na área.
28 milhões
Quantidade de pessoas que chegarão à condição de extrema pobreza até 2050 em decorrência da complicação de doenças não tratadas mais por antibióticos, segundo relatório do Banco Mundial
Impacto também econômico
Há uma preocupação também em torno do impacto das superbactérias na saúde financeira do planeta. Na segunda-feira, o Banco Mundial alertou que a expansão desses micro-organismos pode desencadear uma crise financeira similar, ou até pior que a de 2008. Intitulado Doenças resistentes aos medicamentos: uma ameaça para nosso futuro econômico, o relatório feito pela instituição estima, por exemplo, que a propagação de doenças em decorrência de menor eficiência dos antibióticos levaria cerca de 28 milhões de pessoas para a extrema pobreza até 2050, especialmente nos países em desenvolvimento.
“Em linhas gerais, o mundo mostra uma tendência de redução da pobreza extrema para 2030, aproximando-se da meta de menos de 3% da população vivendo nessa situação. Mas a resistência aos antibióticos põe em risco que se possa atingir esse objetivo”, alerta o documento. Até 2050 também, os países de menor renda podem perder mais de 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), o volume de exportações no mundo pode se reduzir em 3,8% e o aumento global nos custos da atenção em saúde pode ser entre US$ 300 bilhões e US$ 1 trilhão.
“A dimensão e a natureza dessa ameaça poderiam nos levar a um retrocesso nos êxitos alcançados no desenvolvimento e poderiam nos afastar dos nossos objetivos de erradicar a pobreza extrema”, ressaltou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. “Não podemos bancar os custos que representaria a inação, especialmente os países mais pobres. Devemos reagir com urgência para evitar essa crise potencial.”