Prevenção a alergias começa aos 4 meses, afirma estudo britânico

Seguindo a indicação, os riscos de uma criança ser acometida pela complicação alimentar caem em até 70%

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:27/09/2016 09:00Atualização:27/09/2016 10:17
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (Thiago / CB / D.A Press)
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais
Pesquisadores tentam encontrar maneiras de evitar um dos problemas de saúde mais recorrentes na população: a alergia a alimentos. Estima-se que o problema acometa 8% das crianças e 5% dos adultos no Brasil. Brecá-lo já na primeira infância tem sido uma das alternativas mais estudadas por cientistas. Ao revisar 146 estudos científicos sobre a doença alérgica em bebês, um grupo de especialistas britânicos chegou a resultados que reforçam uma intervenção nessa linha. O trabalho mostrou que a exposição precoce a ovo e amendoim reduz as chances de intolerância a esses alimentos.

Divulgada na última edição do Journal of the American Medical Association (Jama), a pesquisa foi encomendada pelo governo britânico, preocupado com o alto número de casos de alergia no país. De acordo com os autores, reações alérgicas a alimentos como nozes, leite, trigo e ovos afetam cerca de uma em cada 20 pessoas da Grã-Bretanha. “Temos observado que o número de crianças diagnosticadas com alergias alimentares está em ascensão. Há indícios de que essas enfermidades se tornaram muito mais comuns nos últimos 30 anos. O número de pacientes que entram em nossas clínicas tem aumentado ano a ano”, explicou, em um comunicado à imprensa, Vanessa Garcia-Larsen, coautora do estudo e pesquisadora do Imperial College London.

Inicialmente, os pesquisadores analisaram 16.289 estudos sobre alergia, mas, na etapa final da investigação, foram considerados 146 trabalhos sobre a alimentação de mais de 200 mil bebês, contendo informações sobre o consumo de ovos, trigo, peixes e amendoim. Os resultados mostraram que crianças que começaram a comer ovos entre 4 e 6 meses de idade apresentaram um risco 40% menor de ter alergia ao alimento do que aquelas passaram a ingeri-lo mais tarde.

Na mesma linha, crianças que comiam amendoim quando tinham entre 4 e 11 meses de idade apresentaram redução de 70% na chance de serem alérgicas a ele. “Esses novos dados sugerem que a introdução de ovo e amendoim em uma idade precoce pode prevenir o desenvolvimento de alergia a esses alimentos, que são comuns à infância”, resumiu Robert Boyle, autor principal do trabalho e pesquisador do Departamento de Medicina do Imperial College London.

Alexandre Nikolay, coordenador de Pediatria do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria do Distrito Federal, acredita que, mesmo com dados regionais sobre alergia alimentar, a pesquisa britânica pode ser útil também aos brasileiros. “Foi um trabalho muito bem feito e que, apesar de tratar de um alimento que não é tão consumido aqui, o amendoim, mostra as vantagens dessa alimentação precoce. No caso do ovo, temos informações mais interessantes para o Brasil. Identificar a tolerância a esse alimento também é muito importante porque crianças com resistência a ele não podem tomar vacina de febre amarela, que é cultivada em embrião de frangos”, explicou.

Novas práticas
Boyle ressaltou que os dados obtidos no trabalho envolvem uma amostra pequena de pessoas, mas, ainda assim, podem ajudar a repensar as formas de prevenção de alergias prescritas por médicos há anos. “Até agora, não tínhamos aconselhado os pais a darem esses alimentos para bebês precocemente”, detalhou o autor. Nikolay concorda com o autor do estudo londrino. Segundo ele, existe uma recomendação para que esses alimentos comecem a ser consumidos por volta dos 6 meses. Mas filhos de mães que param de amamentar cedo e recebem novos alimentos precocemente têm taxas menores de alergias. “Há 10 anos, não pensávamos dessa forma. Antes, os alimentos eram introduzidos aos poucos, com experimentação da clara e, só depois, da gema, por exemplo. Hoje, temos visto o que esse estudo aponta: o sistema imunológico pode ‘aprender’ desde cedo que o alimento não é um agressor”.

Apesar das vantagens da introdução precoce do ovo e do amendoim, Nikolay frisa que a amamentação não pode ser afetada. “Os próprios autores falam, no estudo, que essa informação não pode prejudicar a amamentação, que possui um número enorme de benefícios. Ela pode prevenir as próprias alergias, o diabetes e melhorar o crescimento do bebê. Por isso, existe a recomendação da introdução de alimentos após os seis meses, tempo mínimo para que a amamentação seja feita”, reforçou o pediatra.


Fernanda Casares, médica alergista do Hospital Prontonorte do Distrito Federal

Fatores diversos
“A quantidade de alergias alimentares tem aumentado bastante e, por causa disso, muitas investigações buscam desvendar as causas desse problema. Temos o fator genético, mas pensamos que esse aumento não poderia ser causado apenas por ele. Por isso, outros pontos foram levantados, como o tipo de parto, natural e cesárea, cogitados como possíveis influenciadores, assim como o diabetes. Hoje, com pesquisas como essa do Reino Unido, apesar de ter mostrado dados de apenas dois alimentos e com observações em uma população diferente da brasileira, começamos a ver que o tempo em que o alimento é apresentado pode influenciar as chances de a doença ocorrer. Esse é mais um avanço. Agora, sabemos que não precisamos postergar a introdução aos alimentos, e essas novas informações contribuem para o combate dessas alergias.”

Efeito não detectado para leite e trigo

Além do ovo e do amendoim, o grupo de pesquisadores britânicos analisou os hábitos e os efeitos da ingestão de leite, peixe, trigo e nozes, mas não encontraram dados tão consistentes em relação ao consumo precoce e à redução de alergias. O pediatra Alexandre Nikolay destaca que o peixe é um alimento muito estudado tanto pelos seus benefícios nutritivos quanto possíveis efeitos maléficos ao organismo.

“A possibilidade de absorção de metais pesados presentes no peixe é algo que sempre preocupou especialistas. Há a suspeita de que crianças com menos de 1 ano não consigam metabolizar essas substâncias, e esse é um tema que ainda precisa ser melhor estudado”, comentou. Os autores do estudo também procuraram relações entre o consumo dos alimentos com o desencadeamento de doenças autoimunes, como a celíaca, mas não encontraram evidência.

Robert Boyle, autor principal do estudo, também ressaltou que a recomendação, quanto à introdução precoce de alimentos na nutrição de bebês, precisa levar em consideração se a criança já tem uma outra alergia alimentar ou condição alérgica, como o eczema. “Se ela cair numa dessas categorias, é preciso falar com o médico antes de introduzir esses alimentos.”

Frutas presentes no lanchinho dos brasileiros
Um avanço nos hábitos alimentares dos brasileiros foi detectado por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A quantidade de frutas consumidas por crianças nos lanches intermediários — feitos entre as principais refeições do dia — é alta. Em 98,8% das composições elas estão presentes. A ingestão de açúcar, porém, também mostrou-se elevada. Os resultados fazem parte de um estudo com meninos e meninas em idade pré-escolar em todas as regiões do Brasil.

No trabalho, os cientistas analisaram questionários sobre a alimentação respondidos por pais ou responsáveis por 1.391 crianças com 4 a 6 anos de idade. Os lanches intermediários faziam parte da rotina de 98,2% delas, sendo composto em média por biscoitos, frutas e iogurtes. O mais frequente era o lanche da tarde (96,69%). Depois, o da manhã (71,17%).

Considerando fatores como nível socioeconômico e gênero, os pesquisadores observaram que o valor nutricional dos lanches estava de acordo com o recomendado, entre 180 e 270 calorias, na maioria das regiões. No Centro-Oeste, porém, o lanche da manhã tinha em média 146 calorias; e o da tarde da Região Sudeste, 168.

“O lanche da tarde se mostrou mais calórico e com consumo mais frequente de alimentos variados com baixo valor nutricional e com alto teor de açúcares de adição, como balas, sorvetes e chocolates”, detalhou em, comunicado à imprensa, Mauro Fisberg, nutrólogo e professor-associado do Setor de Medicina do Adolescente da Unifesp e um dos coordenadores do estudo.
O leite e bebidas derivadas estiveram presentes em quase 10% das composições; e o suco, em 8,3%. “A composição desses lanches é de suma importância, uma vez que são oportunidades para o preenchimento das necessidades nutricionais das crianças dessa faixa etária, que precisam de aporte nutricional adequado por estarem em período de crescimento e desenvolvimento”, explicou Fisberg.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.