Pesquisa indica que incidência de câncer é 24% maior em crianças e adolescentes submetidos a tomografia

Estudo australiano publicado no British Medical Journal identificou problemas na exposição precoce à radiação

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Gabriella Pacheco - Saúde Plena Publicação:29/05/2013 08:30Atualização:29/05/2013 11:28
Tomografia em pacientes na infância e adolescência pode aumentar em 24% as chances de desenvolvimento de câncer, diz estudo (Luiz Ribeiro/EM/D.A.Press)
Tomografia em pacientes na infância e adolescência pode aumentar em 24% as chances de desenvolvimento de câncer, diz estudo
Rápidas e indolores, as tomografias computadorizadas são métodos eficientes e frequentemente utilizados na identificação de alterações no corpo. No entanto, um estudo australiano constatou que a incidência de câncer é 24% maior em crianças e adolescentes submetidos a tomografias do que em pessoas da mesma faixa etária que não passaram pelos exames. A suspeita tem pouco mais de uma década, desde quando cientistas sugeriram pela primeira vez que os níveis de radiação ionizada de procedimentos como a tomografia computadorizada poderiam induzir a formação de tumores.

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O estudo australiano então confirma que, especialmente em jovens e crianças, as chances disso acontecer são levemente significativas. Os dados da vida de quase 11 milhões de pessoas foram analisados. Pouco mais de 680 mil deles foram submetidos à exames de imagens. O tempo médio de acompanhamento foi de 9,5 anos no grupo exposto e 17,3 anos no grupo não exposto.

Os pesquisadores compararam a incidência de câncer naqueles que fizeram alguma tomografia ao menos um ano antes do diagnóstico da doença ser confirmado com a de jovens que não passaram pelo exame. Segundo os pesquisadores, como o número de casos no início da vida é baixo, o índice de casos identificados foi baixo. A cada 10 mil pessoas, o estudo encontrou 45 confirmações de câncer em jovens expostos e seis a menos em jovens não expostos.

A pesquisa ainda indicou que o risco de câncer aumentou 16% a cada tomografia realizada. As chances também são maiores entre as crianças mais novas e diminuem com o aumento da idade. Apesar do risco de câncer diminuir com o passar do tempo após a realização da tomografia, os cientistas acreditam que ele permanece alto até 15 anos depois dela. Câncer no cérebro, na tireoide e melanoma – que atinge as células responsáveis pela pigmentação da pele - foram os tipos mais identificados.

Apesar disso, os pesquisadores ressaltam que não é possível presumir que todos os casos identificados após tomografias tenham sido exclusivamente causados pelos exames. O estudo também não exclui a possibilidade de que, em alguns casos, a suspeita um câncer precoce possa ter levado à tomografia, que acabou por confirmar o diagnóstico.

Fragilidade
A ONG norte-americana Aliança para Segurança Radiológica em Imagem Pediátrica (Image Gently Alliance), chama atenção para a exposição excessiva e, por vezes, desnecessária de crianças e adolescentes à radiação ionizada. Segundo a organização, as crianças são até 10 vezes mais susceptíveis à toxinas provenientes da radiação.

“Os tecidos da criança ainda estão em formação e têm alto poder multiplicativo. Quanto mais as células dela se multiplicam mais geram as anormalidades”, explica o chefe do departamento de Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG, André Murad. Um segundo motivo pelo qual as crianças e jovens são uma faixa de risco é que eles têm mais tempo de vida e para desenvolver o câncer. “O efeito da radiação é acumulativo”, completa.

O médico ainda pondera que a radiação nesse grupo deve ser evitada ao máximo, especialmente quando o paciente já tem câncer. “Uma alternativa é, quando houver a possibilidade, trocar a tomografia por ressonância magnética, que não tem radiação. Só que nem sempre dá para substituir. Mas é interessante que se diminua ao máximo o uso de tomografias”.

Na opinião de Murad, o risco observado pela pesquisa ainda é baixo, mas mesmo assim preocupante. “O que fica de lição é que a indicação tem que ser muito precisa”, sugere.

O médico nuclear do Centro de Imagem Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG, Marcelo Mamede, explica que quando a radiação interage com o organismo acontecem reações, nem sempre perceptíveis, que podem ou não acarretar em danos. “A célula pode morrer imediatamente ou pode ter sua estrutura alterada, no gene. Essa alteração pode ser reparada pelo organismo ou não, passando para a célula seguinte. Nesses casos pode vir a acontecer alguma alteração genética, como o câncer”.

Mas ele destaca que o risco depende da quantidade de radiação a qual o paciente foi exposto. Mesmo assim, nenhuma pesquisa foi capaz ainda de estabelecer uma relação entre uma dose de radiação necessária para estimular o aparecimento de câncer. “Por isso é muito perigoso falar que o câncer dessas pessoas (da pesquisa) veio da tomografia. Existem diversos fatores que influenciam no aparecimento da doença, a radiação é mais um deles”.

Pesquisadores da UFMG têm desenvolvido um protocolo que indica o mínimo de radiação necessária para a eficiência de exames de imagem, como a tomografia (Arte: Soraia Piva)
Pesquisadores da UFMG têm desenvolvido um protocolo que indica o mínimo de radiação necessária para a eficiência de exames de imagem, como a tomografia
Redução e acompanhamento
Consciente dos riscos mas também dos benefícios que a radiação oferece, o professor destaca que ela deve ser evitada. Ele também defende que hospitais e centros de imagem se preocupem em customizar os níveis de radiação para que eles realmente sejam utilizados na menor quantidade possível.

Para auxiliar na criação de uma mentalidade em que menos é mais, Mamede e um grupo de pesquisadores da UFMG têm desenvolvido um protocolo que indica o mínimo de radiação necessária para a eficiência de exames de imagem, como a tomografia. “Estamos fazendo testes utilizando algorítimos para avaliar quanto o indivíduo recebe de radiação, com o objetivo de estimar até que ponto é possível reduzir. O uso da radiação é importante, mas a gente não pode se esquecer do paciente. E essa não é uma atitude do medico nuclear ainda. Não existe ainda uma mentalidade nesse sentido aqui no Brasil”, afirma.

Outra atitude importante que ainda não é popularmente adotada nem difundida no Brasil é o acompanhamento das intervenções com radiação ao longo da vida. “Nos EUA isso é levado muito mais à sério. Lá o paciente tem hoje um cartão em que cada vez que ele faz uma intervenção com radiação a clínica informa qual foi a dose recebida”, relata.

Na ausência de um política pública que dê atenção a esse acompanhamento, o oncologista André Murad sugere que os pais mantenham uma base de dados própria dos filhos, no estilo das carteiras de vacinação. “Os pais deveriam anotar quando a criança fez o exame, como foi, qual o local em que aconteceu. Isso porque quando ela precisar novamente, o pediatra ou médico pode optar por outro procedimento, que não tomografia”.

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