Reviravolta imunológica barra a esclerose múltipla
Testado pela primeira vez em humanos, tratamento consegue fazer com que o organismo enxergue a bainha que protege os neurônios como inofensiva e pare de destruí-la
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:25/06/2013 09:15Atualização: 25/06/2013 09:30
Mesmo com a função de cobrir e isolar os neurônios para aprimorar a condução dos impulsos nervosos, a bainha de mielina pode ser encarada pelo organismo humano como inimiga. Passa a ser atacada por células de defesa, mecanismo que caracteriza a esclerose múltipla. As terapias atuais contra a doença autoimune tendem a ser bastante agressivas. Para lutar contra a enfermidade, é declarada guerra a todo o sistema imunológico, deixando os pacientes mais suscetíveis a infecções e, até mesmo, a taxas mais altas de câncer. Um tratamento que busca solucionar essa questão acaba de ser testado em humanos com sucesso. Um grupo internacional de pesquisadores, integrantes de instituições alemãs e americanas, apresentou resultados expressivos com a técnica, reduzindo de 50% a 75% a reatividade do sistema imune de pacientes contra a mielina.
Os cientistas usaram uma abordagem inspirada nos mesmos princípios que guiam o desenvolvimento de vacinas: estimular a tolerância do organismo à substância que ele julga ser ruim. Os resultados alcançados são produto de mais de 30 anos de pesquisas do laboratório conduzido por Stephen Miller, professor de microbiologia e imunologia da Escola de Medicina da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos. Essa indução de tolerância ao ataque contra a bainha de mielina já havia sido bem-sucedida em modelos laboratoriais, mas pela primeira vez foi testada em humanos.
Nove pacientes tiveram o material sanguíneo coletado, de onde foram separados os glóbulos brancos. Filtradas, as células de defesa foram especialmente processadas e unidas a sete tipos de proteínas encontradas na bainha de mielina por um processo complexo desenvolvido por coautores do estudo, integrantes do Centro Médico da Universidade de Hamburgo-Eppendorf, na Alemanha. Ao serem injetados por via intravenosa, esses bilhões de células, como estão acopladas às proteínas de mielina, mesmo mortas, secretamente transportaram os antígenos (veja infográfico).
Os dados, publicados neste mês na Science Translational Medicine, mostram que a maioria dos pacientes que receberam doses elevadas de antígenos das células sanguíneas acopladas não teve novas lesões cerebrais ou recorrências sintomáticas até ao fim do estudo, que teve seis meses de duração. O tratamento também não reativou a doença dos pacientes nem afetou a imunidade saudável contra patógenos reais.
Inovação
Os pesquisadores acreditam ter demonstrado que a abordagem é segura e pode ser útil para prevenir a inflamação em pacientes com a esclerose múltipla, mas não só contra ela. Outras doenças autoimunes e alergias poderiam ser tratadas apenas modificando os antígenos associados às células de defesa. Neurologista e coordenador do Centro de Esclerose Múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein, Rodrigo Barbosa Thomaz avalia que as aplicações seriam grandes avanços no tratamento contra esse tipo de enfermidade. “Não só a esclerose múltipla, mas todas as doenças que são autoimunes ou mesmo o câncer têm os tratamentos hoje, em sua maioria, voltados para imunossupressão. Isto é, baixar totalmente a imunidade. Porém, além do efeito tóxico em cima das células, essa técnica mexe muito com o sistema de defesa do paciente”, ressalta.
A progressão da esclerose múltipla torna o tratamento ainda mais delicado. Thomaz explica que, à medida que a bainha de mielina é destruída pelo sistema imune, novas proteínas são liberadas pela substância neural e as células de defesa, em resposta, passam a liberar mais anticorpos com o objetivo de destruir “os outros tipos de proteínas invasoras”. “O organismo entende que esses outros fragmentos liberados com a destruição da mielina também devem ser combatidos e produz uma sucessão de diferentes reações porque são proteínas diferentes. É por isso que, às vezes, os tratamentos não dão certo. Você tenta combater de um jeito, mas, conforme a doença evolui, outros tipos de reações autoimunes vão sendo formadas.”
Thomaz detalha que os resultados encontrados pelo grupo internacional de pesquisadores são semelhantes à eficácia de outros tratamentos disponíveis, com a vantagem de não comprometer a imunidade do paciente. “É um tratamento muito inovador e está em fase de testes com pacientes. Já tinha visto esse tipo de solução sugerido para outras situações, inclusive para câncer, usando o mesmo princípio de uma autovacina”, comenta.
O estudo de segurança divulgado neste mês seria uma preparação para a segunda fase do ensaio, que buscará entender se a proposta é capaz de impedir a progressão da doença em seres humanos. Na etapa futura, os pesquisadores vão tratar os pacientes antes que surjam as paralisias em decorrência dos danos à mielina.
Com nanopartículas
Anteriormente, Stephen Miller testou este tratamento contra esclerose múltipla em camundongos, quando utilizou nanopartículas em vez de células brancas do sangue humano para entregar o antígeno da mielina. Um dos obstáculos para o uso das células brancas humanas é o trabalho dispendioso e intensivo desse processo. As nanopartículas, que são potencialmente mais baratas e mais acessíveis à população em geral, poderiam ser tão eficazes como veículos de entrega.
Pesquisadores da Alemanha confirmam segurança e efetividade de nova terapia, clique para ampliar e saber mais
Os cientistas usaram uma abordagem inspirada nos mesmos princípios que guiam o desenvolvimento de vacinas: estimular a tolerância do organismo à substância que ele julga ser ruim. Os resultados alcançados são produto de mais de 30 anos de pesquisas do laboratório conduzido por Stephen Miller, professor de microbiologia e imunologia da Escola de Medicina da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos. Essa indução de tolerância ao ataque contra a bainha de mielina já havia sido bem-sucedida em modelos laboratoriais, mas pela primeira vez foi testada em humanos.
Nove pacientes tiveram o material sanguíneo coletado, de onde foram separados os glóbulos brancos. Filtradas, as células de defesa foram especialmente processadas e unidas a sete tipos de proteínas encontradas na bainha de mielina por um processo complexo desenvolvido por coautores do estudo, integrantes do Centro Médico da Universidade de Hamburgo-Eppendorf, na Alemanha. Ao serem injetados por via intravenosa, esses bilhões de células, como estão acopladas às proteínas de mielina, mesmo mortas, secretamente transportaram os antígenos (veja infográfico).
Saiba mais...
Durante esse processo, as células do sistema imunológico passaram a reconhecer a mielina como inofensiva e a tolerância imunológica começou a se desenvolver rapidamente. Os resultados foram confirmados nos pacientes por ensaios desenvolvidos e executados pela equipe de pesquisadores em Hamburgo. “A terapia funciona para respostas autoimunes que já estão ativadas e impede a ativação de novas células autoimunes”, afirma Miller. “Nossa abordagem deixa a função do sistema imune normal intacta.”- Transplante de células-tronco pode ser usado em pessoas com esclerose sistêmica
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Os dados, publicados neste mês na Science Translational Medicine, mostram que a maioria dos pacientes que receberam doses elevadas de antígenos das células sanguíneas acopladas não teve novas lesões cerebrais ou recorrências sintomáticas até ao fim do estudo, que teve seis meses de duração. O tratamento também não reativou a doença dos pacientes nem afetou a imunidade saudável contra patógenos reais.
Inovação
Os pesquisadores acreditam ter demonstrado que a abordagem é segura e pode ser útil para prevenir a inflamação em pacientes com a esclerose múltipla, mas não só contra ela. Outras doenças autoimunes e alergias poderiam ser tratadas apenas modificando os antígenos associados às células de defesa. Neurologista e coordenador do Centro de Esclerose Múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein, Rodrigo Barbosa Thomaz avalia que as aplicações seriam grandes avanços no tratamento contra esse tipo de enfermidade. “Não só a esclerose múltipla, mas todas as doenças que são autoimunes ou mesmo o câncer têm os tratamentos hoje, em sua maioria, voltados para imunossupressão. Isto é, baixar totalmente a imunidade. Porém, além do efeito tóxico em cima das células, essa técnica mexe muito com o sistema de defesa do paciente”, ressalta.
Thomaz detalha que os resultados encontrados pelo grupo internacional de pesquisadores são semelhantes à eficácia de outros tratamentos disponíveis, com a vantagem de não comprometer a imunidade do paciente. “É um tratamento muito inovador e está em fase de testes com pacientes. Já tinha visto esse tipo de solução sugerido para outras situações, inclusive para câncer, usando o mesmo princípio de uma autovacina”, comenta.
O estudo de segurança divulgado neste mês seria uma preparação para a segunda fase do ensaio, que buscará entender se a proposta é capaz de impedir a progressão da doença em seres humanos. Na etapa futura, os pesquisadores vão tratar os pacientes antes que surjam as paralisias em decorrência dos danos à mielina.
Com nanopartículas
Anteriormente, Stephen Miller testou este tratamento contra esclerose múltipla em camundongos, quando utilizou nanopartículas em vez de células brancas do sangue humano para entregar o antígeno da mielina. Um dos obstáculos para o uso das células brancas humanas é o trabalho dispendioso e intensivo desse processo. As nanopartículas, que são potencialmente mais baratas e mais acessíveis à população em geral, poderiam ser tão eficazes como veículos de entrega.