Mutação em gene também engorda
Pesquisadores dos EUA identificam, em ratos e peixes, que a falha em uma proteína impede o controle do peso. O próximo passo é descobrir se o mecanismo acontece também em humanos, o que ajudaria na criação de remédios mais eficazes contra a obesidade
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:21/07/2013 11:00Atualização: 20/07/2013 11:36
Será que a obesidade poderá ser tratada por meio de correções genéticas? Essa dúvida impulsionou alguns cientistas americanos a realizar um experimento que ajudasse a decifrar o problema. A suspeita do grupo era de que o gene MRAP2 seria um dos responsáveis pelo controle do peso. Testes em ratos confirmaram o efeito ao anular a ação dessa proteína nos bichos. A intenção agora é decifrar o funcionamento dela em humanos e, no futuro, desenvolver drogas que combatam um dos maiores problemas de saúde pública mundial.
O experimento foi feito por pesquisadores do Hospital da Criança de Boston e publicado na revista científica Science desta semana. Os cientistas desconfiaram que a ligação do MRAP2 com a MC4R — uma proteína localizada no hipotálamo e importante na regulação de gasto de energia — poderia influenciar o ganho de peso. A fim de comprovar a suspeita, eles modificaram geneticamente alguns ratos para silenciar o MRAP2, ou seja, anular a função da proteína no organismo das cobaias. Após a alteração, os ratos foram isolados com outros camundongos normais e todos seguiram a mesma dieta.
Para a endocrinologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rosana Radominski, as alterações observadas pelos pesquisadores nos ratos modificados mostram um defeito em um sistema de equilíbrio do corpo humano. “Essa proteína MRAP2 é chamada de acessória porque auxilia a segunda proteína, a MC4R, a produzir o hormônio da saciedade, o alfa-MSH. Para entender melhor, é como se fosse um sistema de chave e fechadura. Se você retirar essa chave, a porta para que o hormônio funcione se fecha, modificando, assim, o equilíbrio corporal do organismo, como aconteceu com os ratos”, destaca.
A endocrinologista também explica que as proteínas estudadas pelos pesquisadores não mudariam um diagnóstico de obesidade, pois elas fazem parte de uma grande engrenagem. “O MC4R é um importante mecanismo que, quando possui defeitos, causa alterações de equilíbrio. Ele não seria o único responsável pelo aumento de peso, mas um dos fatores que contribuem nisso. Por isso, a importância de localizar essas falhas. No futuro, com essas evidências, poderemos conseguir criar medicamentos para combater a obesidade”, destaca a médica.
Professor e endocrinologista da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Josemar de Almeida também acredita que possíveis tratamentos surjam com esse trabalho. “A MC4R é responsável pelo consumo e pelo gasto de energia e tem sido alvo de estudos sobre o ganho e a perda de peso justamente por essa vontade de encontrar uma maneira de tratar o acúmulo de gordura. Pesquisas como essa (a divulgada na Science) podem servir futuramente para o desenvolvimento de remédios. O próximo passo é comprovar mais detalhadamente a função dessa proteína em humanos”, analisa.
Confirmações
Além do experimento feito com os camundongos, Majzoub contou com a ajuda de Sadaf Farooqi, professor da Universidade de Cambridge, para investigar grupos de pacientes obesos e realizar uma comparação com os resultados obtidos no estudo com os animais. Como resultado, a pesquisa encontrou quatro mutações da proteína MC4R entre 500 pessoas, todas com obesidade grave de início precoce. “Encontramos outras mutações que não eram tão claramente prejudiciais para o gene. É possível que algumas dessas alterações mais comuns sejam patogênicas, especialmente em combinação com outros genes na mesma via”, informou Mazjoub, em um comunicado à imprensa.
Em um segundo estudo publicado na Science, pesquisadores da Universidade de Medicina de Nashville realizaram um experimento também tendo como alvo o MRAP2. O modelo do texto, no entanto, foi o peixe-zebra, espécie bastante usada em estudos científicos pelo fato de ter o genoma bastante semelhante ao dos humanos. A equipe de cientistas encontrou duas formas variantes da proteína, chamadas de MRPA2a e MRAP2b, que serviriam, respectivamente, como um agente bloqueador e estimulante do peixe. De acordo com os pesquisadores, as proteínas são de extrema importância para o desenvolvimento do animal. “A ativação do receptor MRAP2b mostra que ele aumenta a capacidade de resposta do alfa-MSH. Suspeitamos que o MRAP2 também module a atividade de outras membranas e proteínas”, explica, no estudo, o biólogo Roger Cone.
Para Almeida, as duas pesquisas mostram evidências interessantes sobre os efeitos da proteína MRAP2, mas os estudos precisam evoluir muito até resultarem em tratamentos contra a obesidade em humanos. “Temos que ver como isso funciona no homem, se é semelhante. Essas pesquisas são necessárias para que possamos entender a morbidade humana e desenvolver drogas para o tratamento, remédios eficientes que sejam bons coadjuvantes. Podemos fazer suposições e comparações como nesse trabalho de Boston, mas isso tem que ser mais pesquisado”, acrescenta.
Majzoub acredita que, ao seguir com o trabalho, novas descobertas serão feitas. Segundo ele, testes com humanos serão uma opção para comprovar o valor do MRAP2, mas esses experimentos ainda levarão um tempo para serem feitos. “Nós pretendemos utilizar seres humanos para testes em mutações do MRAP2 e tentaremos desenvolver tratamentos baseados nessa proteína para tratar a obesidade, mas tudo isso está a muitos anos de distância.”
"Se os seres humanos com deficiências no MRAP2 ou em outros genes localizados nessa via se comportarem da mesma maneira, pode ser que a obesidade humana aconteça, pelo menos em estágios iniciais, sem que haja maior ingestão de alimentos. Em vez disso, o problema se daria devido a alterações na forma como o corpo queima a energia”
Joseph Majzoub, líder do estudo
O experimento foi feito por pesquisadores do Hospital da Criança de Boston e publicado na revista científica Science desta semana. Os cientistas desconfiaram que a ligação do MRAP2 com a MC4R — uma proteína localizada no hipotálamo e importante na regulação de gasto de energia — poderia influenciar o ganho de peso. A fim de comprovar a suspeita, eles modificaram geneticamente alguns ratos para silenciar o MRAP2, ou seja, anular a função da proteína no organismo das cobaias. Após a alteração, os ratos foram isolados com outros camundongos normais e todos seguiram a mesma dieta.
Saiba mais...
Com o tempo, os pesquisadores notaram que os animais com a proteína alterada engordaram mais. “Os ratos com mutações no MRAP2 tornaram-se obesos sem comer mais comida do que os ratos normais. Se os seres humanos com deficiências no MRAP2 ou em outros genes localizados nessa via se comportarem da mesma maneira, pode ser que a obesidade humana aconteça, pelo menos em estágios iniciais, sem que haja maior ingestão de alimentos. Em vez disso, o problema se daria devido a alterações na forma como o corpo queima a energia”, explica o endocrinologista e líder do experimento, Joseph Majzoub.Para a endocrinologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rosana Radominski, as alterações observadas pelos pesquisadores nos ratos modificados mostram um defeito em um sistema de equilíbrio do corpo humano. “Essa proteína MRAP2 é chamada de acessória porque auxilia a segunda proteína, a MC4R, a produzir o hormônio da saciedade, o alfa-MSH. Para entender melhor, é como se fosse um sistema de chave e fechadura. Se você retirar essa chave, a porta para que o hormônio funcione se fecha, modificando, assim, o equilíbrio corporal do organismo, como aconteceu com os ratos”, destaca.
A endocrinologista também explica que as proteínas estudadas pelos pesquisadores não mudariam um diagnóstico de obesidade, pois elas fazem parte de uma grande engrenagem. “O MC4R é um importante mecanismo que, quando possui defeitos, causa alterações de equilíbrio. Ele não seria o único responsável pelo aumento de peso, mas um dos fatores que contribuem nisso. Por isso, a importância de localizar essas falhas. No futuro, com essas evidências, poderemos conseguir criar medicamentos para combater a obesidade”, destaca a médica.
Professor e endocrinologista da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Josemar de Almeida também acredita que possíveis tratamentos surjam com esse trabalho. “A MC4R é responsável pelo consumo e pelo gasto de energia e tem sido alvo de estudos sobre o ganho e a perda de peso justamente por essa vontade de encontrar uma maneira de tratar o acúmulo de gordura. Pesquisas como essa (a divulgada na Science) podem servir futuramente para o desenvolvimento de remédios. O próximo passo é comprovar mais detalhadamente a função dessa proteína em humanos”, analisa.
Confirmações
Além do experimento feito com os camundongos, Majzoub contou com a ajuda de Sadaf Farooqi, professor da Universidade de Cambridge, para investigar grupos de pacientes obesos e realizar uma comparação com os resultados obtidos no estudo com os animais. Como resultado, a pesquisa encontrou quatro mutações da proteína MC4R entre 500 pessoas, todas com obesidade grave de início precoce. “Encontramos outras mutações que não eram tão claramente prejudiciais para o gene. É possível que algumas dessas alterações mais comuns sejam patogênicas, especialmente em combinação com outros genes na mesma via”, informou Mazjoub, em um comunicado à imprensa.
Em um segundo estudo publicado na Science, pesquisadores da Universidade de Medicina de Nashville realizaram um experimento também tendo como alvo o MRAP2. O modelo do texto, no entanto, foi o peixe-zebra, espécie bastante usada em estudos científicos pelo fato de ter o genoma bastante semelhante ao dos humanos. A equipe de cientistas encontrou duas formas variantes da proteína, chamadas de MRPA2a e MRAP2b, que serviriam, respectivamente, como um agente bloqueador e estimulante do peixe. De acordo com os pesquisadores, as proteínas são de extrema importância para o desenvolvimento do animal. “A ativação do receptor MRAP2b mostra que ele aumenta a capacidade de resposta do alfa-MSH. Suspeitamos que o MRAP2 também module a atividade de outras membranas e proteínas”, explica, no estudo, o biólogo Roger Cone.
Para Almeida, as duas pesquisas mostram evidências interessantes sobre os efeitos da proteína MRAP2, mas os estudos precisam evoluir muito até resultarem em tratamentos contra a obesidade em humanos. “Temos que ver como isso funciona no homem, se é semelhante. Essas pesquisas são necessárias para que possamos entender a morbidade humana e desenvolver drogas para o tratamento, remédios eficientes que sejam bons coadjuvantes. Podemos fazer suposições e comparações como nesse trabalho de Boston, mas isso tem que ser mais pesquisado”, acrescenta.
Majzoub acredita que, ao seguir com o trabalho, novas descobertas serão feitas. Segundo ele, testes com humanos serão uma opção para comprovar o valor do MRAP2, mas esses experimentos ainda levarão um tempo para serem feitos. “Nós pretendemos utilizar seres humanos para testes em mutações do MRAP2 e tentaremos desenvolver tratamentos baseados nessa proteína para tratar a obesidade, mas tudo isso está a muitos anos de distância.”
"Se os seres humanos com deficiências no MRAP2 ou em outros genes localizados nessa via se comportarem da mesma maneira, pode ser que a obesidade humana aconteça, pelo menos em estágios iniciais, sem que haja maior ingestão de alimentos. Em vez disso, o problema se daria devido a alterações na forma como o corpo queima a energia”
Joseph Majzoub, líder do estudo