Pesquisas buscam entender por que os placebos têm efeitos similares aos dos medicamentos reais
Produção de endorfina e expectativa dos pacientes ajudariam nos resultados das substâncias inócuas
Paloma Oliveto - Correio Brasilienze
Publicação:10/08/2013 11:00Atualização: 09/08/2013 10:48
As pílulas são idênticas e, muitas vezes, provocam os mesmos efeitos terapêuticos. Uma delas, contudo, é falsa. O placebo, remédio sem a substância ativa utilizado em testes de medicamentos, é um dos grandes mistérios da medicina. Ninguém sabe dizer como uma “droga de mentira” é capaz de gerar resultados quando o paciente — e, às vezes, o próprio cientista — não tem ideia de que o comprimido é inócuo. Para alguns pesquisadores, certas pessoas teriam uma propensão maior a responder às cápsulas de açúcar. Já se chegou a afirmar, inclusive, que existiria um gene relacionado ao placebo.
Essa ferramenta é fundamental durante a pesquisa de novos medicamentos. Antes de entrar no mercado, o remédio tem de ser exaustivamente testado, uma garantia de sua segurança e de sua eficácia. Para saber se a droga funciona, os pacientes são divididos em grupos. Parte deles recebe uma fórmula sem a substância ativa, ou seja, o placebo. No fim, comparam-se os resultados: se, estatisticamente, houve melhoras significativas entre as pessoas que tomaram o medicamento verdadeiro, esse é um forte indicativo da efetividade do remédio. Quando o estudo é duplo-cego, nem os médicos sabem quem está tomando o quê, para que influenciar o resultado.
Agora, uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard e pelo Hospital Geral de Massachusetts mostrou que o efeito placebo não tem relação com inclinações pessoais. Um indivíduo pode se beneficiar de um tratamento falso e, em outro teste semelhante, não ter qualquer ganho. “Nosso trabalho exclui a possibilidade de o placebo funcionar para algumas pessoas e não para outras”, explica Jian Kong, principal autor do estudo. De acordo com ele, a maior influência está, na verdade, nas expectativas que as pessoas criam sobre um tratamento. “As respostas dependem de diversos fatores, incluindo a forma de administração (oral ou venosa, por exemplo), o condicionamento e a sugestão verbal. Isso implica que o efeito não está associado a traços individuais, mas a um conjunto de circunstâncias ambientais”, afirma Kong.
Especialista em manejo da dor, ele esclarece que o resultado do estudo não sugere que a eficácia de uma terapia depende da motivação mais do que da fórmula. “Estamos falando de respostas especificamente a placebos, que foram o foco de nossos testes”, diz. “Sabemos que alguns indivíduos podem ter a sensação de melhora, principalmente no caso de estímulos dolorosos, com pílulas de açúcar ou rituais de cura, e nosso objetivo foi investigar se isso ocorre devido a alguma propensão pessoal ou se outros fatores estariam envolvidos”, explica.
Os resultados mostraram que a acupuntura genuína, a falsa e as pílulas de açúcar aumentaram a tolerância à dor, em comparação com o grupo de controle. Todos os 48 participantes responderam de alguma forma aos tratamentos, verdadeiros ou não, indicando que o efeito placebo não está relacionado a um traço pessoal específico, mas à forma como a terapia é conduzida e às expectativas criadas pelos indivíduos. Kong destaca que, enquanto a acupuntura verdadeira melhorou a resposta à dor, a técnica simulada teve efeito inferior sobre os participantes. “A acupuntura é um método relativamente novo nos Estados Unidos e isso pode explicar o fato de os voluntários esperarem menos desse método”, acredita o psiquiatra.
O poder da atenção
“Está cada vez mais claro que, para o paciente, o ritual do tratamento é algo extremamente poderoso. Isso sugere que, além das terapias ativas para combater as doenças, apenas a ideia de receber cuidados é um componente crítico, muito valorizado pelos indivíduos. Não acredito que isso varie de pessoa a pessoa. Quando doentes, todos gostam de saber que estão sendo tratados, e o contrário também é verdadeiro. Essa é uma informação poderosa, que deve ser levada em conta nos serviços de atendimento médico. Evidentemente, você não vai sair distribuindo placebo para os pacientes; a ideia é valorizar a necessidade de prestar atendimento, no verdadeiro sentido da palavra.”
Michael Wechsler, professor da Faculdade de Medicina de Harvard
Explicação no cérebro
O neurocientista Jon-Kar Zubieta, da Universidade de Michigan, acredita que o efeito placebo possa ter relação com características fisiológicas individuais. Segundo ele, a explicação para o fenômeno está no cérebro e depende da produção de endorfinas, analgésicos naturais. Após dois tipos de exames que escaneiam o órgão, ele descobriu que a extensão da resposta ao falso tratamento está ligada à ativação de uma região chamada núcleo accumbens. “Isso é visível quando investigamos a resposta a placebos que supostamente combateriam a dor. O núcleo accumbens é uma pequena região no centro do cérebro que está envolvida com a nossa habilidade de experimentar o prazer e a recompensa. Ela é superativada, por exemplo, por drogas ilícitas, daí o mecanismo de vício”, diz.
Em um estudo feito pela equipe de Zubieta, os pesquisadores constataram que, quando o indivíduo pensa em tomar um remédio para combater a dor, a região cerebral fabrica endorfinas. “Esse fenômeno é muito importante para o estudo de terapias, porque algumas pessoas respondem tão bem ao placebo como ao remédio. Nossos estudos sugerem que esse efeito faz parte de um mecanismo de resiliência cerebral, que precisa ser mais bem compreendido”, afirma. “O que nós vimos nos exames de imagem, que mostram a atividade dentro do órgão, é que, em determinados indivíduos, o sinal para a produção das endorfinas surge antes da medicação. Então, essa pode ser uma característica individual sim, ao menos em parte”, acrescenta.
Beatrice Golomb, pesquisadora da Universidade da Califórnia em São Diego, defende mais pesquisas sobre o placebo. “Muito da medicina é baseado no que se considera a mais forte prova: o teste de placebo versus o controle”, admite. Autora de um artigo publicado na revista Annals of Internal Medicine, Golomb argumenta que nem os cientistas compreendem bem o que está por trás do efeito. Como Jian Kong, ela discorda que exista um padrão em torno do falso tratamento.
“Esse é o perigo. Se pensarmos bem, o que acontece é o seguinte: para termos certeza de que um tratamento é efetivo, temos de fazer uma comparação entre as pessoas. A única coisa que as difere é se tomaram ou não a droga verdadeira. Um efeito negativo ou positivo do placebo é definidor”, lembra. Contudo, a pílula de mentira leva diversos elementos em sua formulação — o que ela não tem é a substância ativa do medicamento verdadeiro — e Golomb crê que um desses componentes pode, eventualmente, agir no corpo. “Não é porque não possui a substância ativa que o placebo é inerte. Na verdade, não existe nada fisiologicamente inerte, qualquer coisa que ingerirmos interage com o organismo. É por isso que novas investigações sobre o efeito serão sempre bem-vindas”, sustenta.
Efeito placebo não tem relação com inclinações pessoais, diz pesquisa
Essa ferramenta é fundamental durante a pesquisa de novos medicamentos. Antes de entrar no mercado, o remédio tem de ser exaustivamente testado, uma garantia de sua segurança e de sua eficácia. Para saber se a droga funciona, os pacientes são divididos em grupos. Parte deles recebe uma fórmula sem a substância ativa, ou seja, o placebo. No fim, comparam-se os resultados: se, estatisticamente, houve melhoras significativas entre as pessoas que tomaram o medicamento verdadeiro, esse é um forte indicativo da efetividade do remédio. Quando o estudo é duplo-cego, nem os médicos sabem quem está tomando o quê, para que influenciar o resultado.
Agora, uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard e pelo Hospital Geral de Massachusetts mostrou que o efeito placebo não tem relação com inclinações pessoais. Um indivíduo pode se beneficiar de um tratamento falso e, em outro teste semelhante, não ter qualquer ganho. “Nosso trabalho exclui a possibilidade de o placebo funcionar para algumas pessoas e não para outras”, explica Jian Kong, principal autor do estudo. De acordo com ele, a maior influência está, na verdade, nas expectativas que as pessoas criam sobre um tratamento. “As respostas dependem de diversos fatores, incluindo a forma de administração (oral ou venosa, por exemplo), o condicionamento e a sugestão verbal. Isso implica que o efeito não está associado a traços individuais, mas a um conjunto de circunstâncias ambientais”, afirma Kong.
Especialista em manejo da dor, ele esclarece que o resultado do estudo não sugere que a eficácia de uma terapia depende da motivação mais do que da fórmula. “Estamos falando de respostas especificamente a placebos, que foram o foco de nossos testes”, diz. “Sabemos que alguns indivíduos podem ter a sensação de melhora, principalmente no caso de estímulos dolorosos, com pílulas de açúcar ou rituais de cura, e nosso objetivo foi investigar se isso ocorre devido a alguma propensão pessoal ou se outros fatores estariam envolvidos”, explica.
Saiba mais...
Durante o estudo, foram realizados dois testes em voluntários saudáveis. O primeiro consistiu em cinco sessões, nas quais os indivíduos recebiam um dos seguintes tratamentos: pílulas de placebo, que os médicos diziam ser o analgésico paracetamol; acupuntura falsa ou acupuntura genuína. Para fins de controle, alguns participantes ficaram sem qualquer terapia. Antes e após as sessões, os voluntários eram estimulados verbalmente pelos pesquisadores, que exaltavam os supostos efeitos positivos dos tratamentos. Eles, então, passavam por testes de tolerância à dor, provocada por estímulos que causavam desconforto térmico. Duas semanas depois do primeiro experimento, todos foram convidados a participar da segunda etapa. As reações analgésicas foram condicionadas a pistas visuais — enquanto seus cérebros eram escaneados por ressonância magnética, os voluntários viam imagens que evocavam a primeira fase do estudo, com cenas de objetos quentes encostados em diversas partes do corpo.- Oncologista avalia que ainda é cedo para dizer se novo medicamento contra o câncer é eficaz
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Os resultados mostraram que a acupuntura genuína, a falsa e as pílulas de açúcar aumentaram a tolerância à dor, em comparação com o grupo de controle. Todos os 48 participantes responderam de alguma forma aos tratamentos, verdadeiros ou não, indicando que o efeito placebo não está relacionado a um traço pessoal específico, mas à forma como a terapia é conduzida e às expectativas criadas pelos indivíduos. Kong destaca que, enquanto a acupuntura verdadeira melhorou a resposta à dor, a técnica simulada teve efeito inferior sobre os participantes. “A acupuntura é um método relativamente novo nos Estados Unidos e isso pode explicar o fato de os voluntários esperarem menos desse método”, acredita o psiquiatra.
“Está cada vez mais claro que, para o paciente, o ritual do tratamento é algo extremamente poderoso. Isso sugere que, além das terapias ativas para combater as doenças, apenas a ideia de receber cuidados é um componente crítico, muito valorizado pelos indivíduos. Não acredito que isso varie de pessoa a pessoa. Quando doentes, todos gostam de saber que estão sendo tratados, e o contrário também é verdadeiro. Essa é uma informação poderosa, que deve ser levada em conta nos serviços de atendimento médico. Evidentemente, você não vai sair distribuindo placebo para os pacientes; a ideia é valorizar a necessidade de prestar atendimento, no verdadeiro sentido da palavra.”
Michael Wechsler, professor da Faculdade de Medicina de Harvard
Explicação no cérebro
O neurocientista Jon-Kar Zubieta, da Universidade de Michigan, acredita que o efeito placebo possa ter relação com características fisiológicas individuais. Segundo ele, a explicação para o fenômeno está no cérebro e depende da produção de endorfinas, analgésicos naturais. Após dois tipos de exames que escaneiam o órgão, ele descobriu que a extensão da resposta ao falso tratamento está ligada à ativação de uma região chamada núcleo accumbens. “Isso é visível quando investigamos a resposta a placebos que supostamente combateriam a dor. O núcleo accumbens é uma pequena região no centro do cérebro que está envolvida com a nossa habilidade de experimentar o prazer e a recompensa. Ela é superativada, por exemplo, por drogas ilícitas, daí o mecanismo de vício”, diz.
Em um estudo feito pela equipe de Zubieta, os pesquisadores constataram que, quando o indivíduo pensa em tomar um remédio para combater a dor, a região cerebral fabrica endorfinas. “Esse fenômeno é muito importante para o estudo de terapias, porque algumas pessoas respondem tão bem ao placebo como ao remédio. Nossos estudos sugerem que esse efeito faz parte de um mecanismo de resiliência cerebral, que precisa ser mais bem compreendido”, afirma. “O que nós vimos nos exames de imagem, que mostram a atividade dentro do órgão, é que, em determinados indivíduos, o sinal para a produção das endorfinas surge antes da medicação. Então, essa pode ser uma característica individual sim, ao menos em parte”, acrescenta.
'Muito da medicina é baseado no que se considera a mais forte prova: o teste de placebo versus o controle', diz Golomb
“Esse é o perigo. Se pensarmos bem, o que acontece é o seguinte: para termos certeza de que um tratamento é efetivo, temos de fazer uma comparação entre as pessoas. A única coisa que as difere é se tomaram ou não a droga verdadeira. Um efeito negativo ou positivo do placebo é definidor”, lembra. Contudo, a pílula de mentira leva diversos elementos em sua formulação — o que ela não tem é a substância ativa do medicamento verdadeiro — e Golomb crê que um desses componentes pode, eventualmente, agir no corpo. “Não é porque não possui a substância ativa que o placebo é inerte. Na verdade, não existe nada fisiologicamente inerte, qualquer coisa que ingerirmos interage com o organismo. É por isso que novas investigações sobre o efeito serão sempre bem-vindas”, sustenta.