Epidermólise bolhosa: sensibilidade que machuca
A doença não é contagiosa, mas quem tem sofre tanto com as feridas na pele quanto com o preconceito que é preciso vencer a cada dia
Carolina Cotta - Estado de Minas
Roberta Machado - Correio Braziliense
Publicação:22/08/2013 09:52Atualização: 22/08/2013 10:09
Um simples esbarrão, e a pele, de uma sensibilidade anormal, reage. Primeiro, bolhas; depois, feridas; e, por fim, cicatrizes. Rara, a epidermólise bolhosa ganhou destaque após um episódio de discriminação. A vítima, Theo, um garotinho de 3 anos, é neto da coreógrafa Deborah Colker, o que deu visibilidade ao incidente no aeroporto de Salvador, na segunda-feira, e trouxe à tona as complicações físicas e sociais da enfermidade genética.
Segundo o dermatologista Gilvan Alves, o problema causa defeitos na estrutura que une a derme à pele. “Temos proteínas que ligam a pele à derme, como um tecido costurado por fios — alguns mais grossos e outros mais finos. Esse defeito faz com que um ou dois desses fios fiquem mais fracos. A criança tem a proteína, mas ela é defeituosa”, ilustra. Também há casos em que a pessoa nasce sem uma das moléculas que firmam a pele, enfraquecendo ainda mais o órgão. A gravidade da doença varia de acordo com a expressão genética que deu origem à condição (veja quadro).
Sem os pontos de fixação, um pequeno choque ou até mesmo um simples toque pode friccionar a primeira camada da pele contra o corpo, causando ferimentos. O resultado é uma série de bolhas, como as formadas por um sapato apertado. Elas se enchem de líquido e se formam várias vezes, criando uma grossa cicatriz, que pode deformar membros do corpo ou do rosto. “Os traumas levam a tanta fibrose que a pessoa perde o dedo ou às vezes estica o rosto, com uma aparência de queimado”, descreve Gilvan. Algumas vezes, os machucados podem se romper, expondo a pele ou infeccionando. “Mas não é contagioso. Não é a beleza da doença que determina o perigo de contágio”, ressalta o médico.
Anna Carolina precisou aprender a viver com a enfermidade. “Não me sinto mais frágil que outras pessoas, mas é uma sensação estranha. Desde novinha, tive que entender o mecanismo da doença para me proteger e evitar o surgimento de mais lesões. Tenho que me policiar o tempo todo. Pensar onde vou parar o carro, o caminho por onde vou andar. Às vezes, o próprio piso já me machuca, causando bolhas nos pés. Brita, então, é um horror.”
A dor não é constante, mas, nas semanas em que está com muitas inflamações, Anna recorre a analgésicos e anti-inflamatório. Já os cuidados com curativos demandam cerca de duas horas diárias. É preciso tirar tudo para o banho e, depois, refazê-los. A alimentação também é diferenciada. “Não posso comer nada duro ou seco para não machucar a mucosa”, conta.
Sem cura
Os pacientes podem nascer com bolhas, ter bolhas imediatamente após o nascimento ou nascer com ausência total de pele em algumas regiões do corpo. Independentemente das condições, eles são mais suscetíveis a infecções. Quem sofre da condição crônica normalmente precisa recorrer a curativos especiais e medicamentos para diminuir a dor e a sensação de coceira, além de suplementos alimentares nos casos em que há dificuldade na ingestão de alimentos.
Não há cura para a epidermólise bolhosa. As intervenções são todas paliativas. “É tudo suporte, visando diminuir o desconforto. A única coisa que se pode fazer é evitar traumas para não causar as feridas. Também pedimos cuidado porque as feridas são uma porta de entrada para bactérias”, ressalta Alessandro Guedes, médico do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e integrante da Liga da Epidermólise Bolhosa de Brasília.
A medicação visa o controle das infecções ou das deficiências nutricionais. “Por isso que dizemos que o maior problema é cuidar da infecção que vem em seguida e da cicatrização. Vamos apagando fogo. O mais importante, portanto, é prevenir os machucados”, diz Maria Silvia Laborne, professora das Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
“É uma doença triste, que traz consequências para a família inteira. Essas crianças acabam sendo superprotegidas porque não podem se machucar. Convivem com a doença o tempo inteiro, sentem dor e ainda sofrem com o aspecto visual”, lamenta Sílvia.
Tipos
A epidermólise bolhosa congênita é uma doença rara, causada por uma alteração genética do tecido
conjuntivo, um erro na fabricação de algumas substâncias presentes na derme, camada da pele onde fica o tecido de sustentação. Assim, a pele fica mais frágil e, a qualquer trauma, se abre, formando bolhas.
A enfermidade tem três tipos:
Simples
Distrófica
Juncional
Fonte: Associação de Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa Congênita
"Não me sinto mais frágil que outras pessoas, mas é uma sensação estranha. Desde novinha, tive que entender o mecanismo da doença para me proteger e evitar o surgimento de mais lesões" - Anna Carolina Ferreira Rocha, servidora pública
Segundo o dermatologista Gilvan Alves, o problema causa defeitos na estrutura que une a derme à pele. “Temos proteínas que ligam a pele à derme, como um tecido costurado por fios — alguns mais grossos e outros mais finos. Esse defeito faz com que um ou dois desses fios fiquem mais fracos. A criança tem a proteína, mas ela é defeituosa”, ilustra. Também há casos em que a pessoa nasce sem uma das moléculas que firmam a pele, enfraquecendo ainda mais o órgão. A gravidade da doença varia de acordo com a expressão genética que deu origem à condição (veja quadro).
Sem os pontos de fixação, um pequeno choque ou até mesmo um simples toque pode friccionar a primeira camada da pele contra o corpo, causando ferimentos. O resultado é uma série de bolhas, como as formadas por um sapato apertado. Elas se enchem de líquido e se formam várias vezes, criando uma grossa cicatriz, que pode deformar membros do corpo ou do rosto. “Os traumas levam a tanta fibrose que a pessoa perde o dedo ou às vezes estica o rosto, com uma aparência de queimado”, descreve Gilvan. Algumas vezes, os machucados podem se romper, expondo a pele ou infeccionando. “Mas não é contagioso. Não é a beleza da doença que determina o perigo de contágio”, ressalta o médico.
Saiba mais...
No caso da servidora pública Anna Carolina Ferreira da Rocha, 30 anos, as cicatrizes repetitivas nas mãos levaram à junção dos dedos. Portadora de epidermólise bolhosa congênita do tipo distrófica recessiva, um dos tipos mais graves da enfermidade, a moradora de Brasília nasceu com uma lesão na perna, provavelmente causada pelo simples fato de ter sido puxada no parto normal. “Nasci em Belém. No hospital, o médico não queria deixar que minha mãe me visse”, lembra Anna, que teve um tio e uma prima da mãe com a mesma doença. “Mas isso foi na década de 1940, no Vale do Jequitinhonha (MG). O que viveu mais tempo morreu com seis meses por causa da gravidade das infecções.”Anna Carolina precisou aprender a viver com a enfermidade. “Não me sinto mais frágil que outras pessoas, mas é uma sensação estranha. Desde novinha, tive que entender o mecanismo da doença para me proteger e evitar o surgimento de mais lesões. Tenho que me policiar o tempo todo. Pensar onde vou parar o carro, o caminho por onde vou andar. Às vezes, o próprio piso já me machuca, causando bolhas nos pés. Brita, então, é um horror.”
A dor não é constante, mas, nas semanas em que está com muitas inflamações, Anna recorre a analgésicos e anti-inflamatório. Já os cuidados com curativos demandam cerca de duas horas diárias. É preciso tirar tudo para o banho e, depois, refazê-los. A alimentação também é diferenciada. “Não posso comer nada duro ou seco para não machucar a mucosa”, conta.
Sem cura
Os pacientes podem nascer com bolhas, ter bolhas imediatamente após o nascimento ou nascer com ausência total de pele em algumas regiões do corpo. Independentemente das condições, eles são mais suscetíveis a infecções. Quem sofre da condição crônica normalmente precisa recorrer a curativos especiais e medicamentos para diminuir a dor e a sensação de coceira, além de suplementos alimentares nos casos em que há dificuldade na ingestão de alimentos.
Não há cura para a epidermólise bolhosa. As intervenções são todas paliativas. “É tudo suporte, visando diminuir o desconforto. A única coisa que se pode fazer é evitar traumas para não causar as feridas. Também pedimos cuidado porque as feridas são uma porta de entrada para bactérias”, ressalta Alessandro Guedes, médico do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e integrante da Liga da Epidermólise Bolhosa de Brasília.
A medicação visa o controle das infecções ou das deficiências nutricionais. “Por isso que dizemos que o maior problema é cuidar da infecção que vem em seguida e da cicatrização. Vamos apagando fogo. O mais importante, portanto, é prevenir os machucados”, diz Maria Silvia Laborne, professora das Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
“É uma doença triste, que traz consequências para a família inteira. Essas crianças acabam sendo superprotegidas porque não podem se machucar. Convivem com a doença o tempo inteiro, sentem dor e ainda sofrem com o aspecto visual”, lamenta Sílvia.
Tipos
A epidermólise bolhosa congênita é uma doença rara, causada por uma alteração genética do tecido
conjuntivo, um erro na fabricação de algumas substâncias presentes na derme, camada da pele onde fica o tecido de sustentação. Assim, a pele fica mais frágil e, a qualquer trauma, se abre, formando bolhas.
A enfermidade tem três tipos:
Simples
- Caracteriza-se pela formação de bolhas nas áreas de maior atrito, como mãos, pés, joelhos e cotovelos. As bolhas cicatrizam e, às vezes, não deixam marcas.
Distrófica
- As bolhas saem por quase todo o corpo, até na boca e no esôfago. As que se formam no tubo digestivo podem cicatrizar, causando estreitamento no esôfago e dificultando a ingestão de alimentos. Há perda das unhas, e, quase sempre, distrofias nas mãos e nos pés.
Juncional
- Caracteriza-se principalmente pelo grande comprometimento da capacidade de engolir, o que causa a má absorção dos alimentos, evoluindo para a desnutrição, o que dificulta a cicatrização e, quase sempre, leva o pacientes a óbito.
Fonte: Associação de Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa Congênita