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Em sua segunda edição, Feira de Troca de Brinquedos em BH espera receber novas famílias

A ideia é que a criança protagonize a troca de brinquedos, que não está pautada no valor do objeto e, sim, no interesse dos pequenos. É um desafio também para os pais que precisam se confrontar com alguns valores

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:01/10/2013 09:03Atualização:01/10/2013 11:14

O Museu dos Brinquedos foi palco para a primeira edição da Feira de Troca e Doação de Brinquedos em Belo Horizonte e surpreendeu os organizadores pelaadesão: em três horas, a organização estima que 500 pessoas circularam por lá. A iniciativa do Instituto Alana mobilizou mais de 50 pontos de troca em várias cidades do Brasil no ano passado. Para este ano, a expectativa é de que novas famílias abracem a ideia de que existem outras maneiras de levar um brinquedo diferente para casa.

A regra é deixar as crianças negociarem sozinhas e, segundo a coordenadora Desirée Ruas, a maioria 'dá conta do recado' (Poliana Bueno)
A regra é deixar as crianças negociarem sozinhas e, segundo a coordenadora Desirée Ruas, a maioria 'dá conta do recado'
À frente da organização da feira, a jornalista e educadora ambiental e para o consumo, colaboradora do Movimento Infância Livre de Consumismo e coordenadora do Consciência e Consumo, Desirée Ruas explica que a regra é deixar as crianças negociarem sozinhas e, segundo ela, a maioria ‘dá conta do recado’. Além de negociar, a feira é uma oportunidade para que meninos e meninas desenvolvam as habilidades de paciência, compreensão e respeito, desapego e por que não dizer, coragem. O valor do brinquedo não é o que norteia o “negócio”, mas sim, o interesse da criança.

Para os pais, pode se tornar uma oportunidadede se confrontar com os próprios valores para aceitar a escolha dos filhos, que em alguns casos- do ponto de vista do dinheiro -, podem optar por um brinquedo mais simples e barato. Mas a ideia é justamente jogar por terra o pensamento de que “quanto mais caro o brinquedo, melhor ele é” ou “quanto mais tecnológico o brinquedo, mais interessante ele é” ou “quantos mais brinquedos uma criança tem, mais feliz ela é”. O importante é brincar.

Doutora em educação e professora do programa de pós-graduação em Educação da PUC Minas, Magali dos Reis explica que um brinquedo simples estimula muito mais a imaginação da criança. “Quanto mais tecnológico menos a criança atua sobre o brinquedo. Muitos pais compram brinquedos caros e não deixam nem a criança brincar para não quebrar”, afirma.
Na entrevista que segue abaixo, Desirée Ruas relata a experiência da primeira edição da Feira de Troca e Doação de Brinquedos em BH. Neste ano, o evento acontece no Parque das Mangabeiras, sábado, 5 de outubro, entre 13h e 17h.

SP: Qual o impacto de realizar essa feira no mês que é considerado o das crianças e tem todo o apelo da indústria dos brinquedos e da publicidade incentivando o consumo?

Desirée Ruas: A escolha do mês de outubro para a realização da campanha tem um objetivo muito claro: mostrar que trocar é mais divertido que comprar, mostrar que existe uma opção para sair do consumismo e do bombardeio abusivo da publicidade sobre as crianças.

A publicidade infantil é abusiva porque a criança não entende aquela mensagem como sendo uma propaganda, como uma mensagem com o único objetivo de vender algo. O Código de Defesa do Consumidor (artigo 36) coloca que toda publicidade tem que ser entendida como tal e que é abusiva toda aquela que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança” (artigo 37).

Por isso que muitos movimentos - e eu também, com o Movimento Infância Livre de Consumismo - defendem uma regulação maior da publicidade infantil porque não podemos aceitar o argumento de que cabe aos pais dizer não para os desejos das crianças. A publicidade não vende só produtos e serviços, ela vende valores. Para proteger a infância, precisamos estar atentos a essas mensagens da publicidade e da comunicação de massa como um todo.

As lojas ficam cheias, os pais assumem dívidas para comprar brinquedos e o consumismo vai fazendo uma pressão ainda maior sobre o planeta. O consumo gera empregos e renda para o país, mas precisamos repensar o nosso modelo de economia que não é sustentável porque deixa uma herança terrível para as futuras gerações: escassez de recursos e muito resíduo.

O brinquedo pode ser de papel, pode ser de pano, pode ser uma caixa reaproveitada, mas ele tem que permitir à criança explorar sua criatividade. Os brinquedos eletrônicos de hoje estão deixando nossas crianças muito sedentárias e sem imaginação.

A Feira de Troca de Brinquedos questiona tudo isso: os valores que estamos passando para nossas crianças e o que os pais, governos e sociedade precisam fazer para proteger a infância.

A I Feira de Troca e Doação de Brinquedos em Belo Horizonte recebeu 500 pessoas  (Poliana Bueno)
A I Feira de Troca e Doação de Brinquedos em Belo Horizonte recebeu 500 pessoas
Saúde Plena: Qual a função primordial do brinquedo? Uma criança sem brinquedos tem seu desenvolvimento prejudicado?

DR:O brincar é mais importante do que ter brinquedos. A gente vê muitas crianças com armários cheios de brinquedos e que não brincam porque falta o mais importante que é ter outros amigos ou irmãos para interagir e para a brincadeira ficar divertida.

A publicidade, principalmente por meio do comercial de TV, cria o interesse no brinquedo porque o comercial apresenta um produto muito mais interessante do que ele realmente é (bonecos que parecem se mover sozinhos, carros que fazem manobras super-radicais, jogos interessantes). A criança fica encantada com o produto, os pais compram, a criança brinca por uma semana ou por mais um pouco e aí o brinquedos vai para o fundo da gaveta e fica ali esquecido. Aí, a criança vai ver outro brinquedo sendo anunciado e vai começar tudo de novo. Quando os pais se assustam o quarto está tomado por brinquedos de todos os tipos e a criança diz que não tem o que fazer, não sabe de que brincar.

Cabe aos pais olharem se a criança tem acumulado muito brinquedos - além de outros produtos. A quantidade de objetos não significa que aquela criança está tendo uma infância feliz e sendo uma criança ativa de fato, explorando sua imaginação e se desenvolvendo plenamente.

Quem nunca viu uma criança que abre a caixa de um brinquedo caro que acabou de ganhar e prefere brincar com a embalagem do produto? Isso mostra bem como a criança pode ser estimulada a fantasiar e a imaginar e brincar muito sem precisar de brinquedos caros e numerosos.

Para os pais, pode se tornar uma oportunidadede se confrontar com os próprios valores para aceitar a escolha dos filhos, que em alguns casos- do ponto de vista do dinheiro -, podem optar por um brinquedo mais simples e barato (Poliana Bueno)
Para os pais, pode se tornar uma oportunidadede se confrontar com os próprios valores para aceitar a escolha dos filhos, que em alguns casos- do ponto de vista do dinheiro -, podem optar por um brinquedo mais simples e barato
SP: Que alternativas as famílias que desejam criar uma criança sem consumismo têm? Algumas escolas já apoiam essa ideia? Por onde começa essa educação não-consumista?

DR: Pais podem criar hábito de doar as peças que não são mais usadas para que as crianças entendam que é preciso ter desapego, é preciso diminuir esta cultura materialista que estamos imersos nela. É preciso mostrar para a criança o impacto pessoal, social e ambiental de nossas escolhas. É isso que chamamos de consciência antes do consumo. De onde vem o material de que é feito meu brinquedo? O que precisa desaparecer para que este brinquedo (ou outro bem) possa existir?

Por isso a discussão atual sobre a regulação da publicidade infantil na Câmara é importantíssima. A realidade tem mostrado que a autorregulação não funciona e não protege nossas crianças.

Selecionar o que as crianças assistem na TV ou que vêem na Internet pode ajudar, mas é preciso mais que isso porque a publicidade tem se fantasiado de ação educativa e outros nomes e está invadindo escolas e outros espaços infantis. Precisamos combater o marketing nas escolas.

A escolha do mês de outubro para a realização da campanha tem um objetivo muito claro: mostrar que trocar é mais divertido que comprar, mostrar que existe uma opção para sair do consumismo e do bombardeio abusivo da publicidade sobre as crianças (Poliana Bueno)
A escolha do mês de outubro para a realização da campanha tem um objetivo muito claro: mostrar que trocar é mais divertido que comprar, mostrar que existe uma opção para sair do consumismo e do bombardeio abusivo da publicidade sobre as crianças
SP:Qual deve ser o ritmo de compra de brinquedos em uma casa para que esse ato não seja banalizado?

DR: Acho que vale a máxima: menos é mais. Primeiro, porque é uma forma de valorizar mais o que se tem e a criança precisa entender o valor do brinquedos, quanto custou... Uma criança não precisa ter todos os brinquedos que pede. Ela sempre vai pedir muito mais do que precisa.

A criança pode ter mais brinquedos sem precisar comprar. Ela pode trocar em feiras e até com primos e amigos de escola. Pode também construir brinquedos com diversos materiais que têm em casa.

Ter poucos brinquedos, mas brinquedos que estimulem a movimentação e a imaginação vale mais que ter vários brinquedos eletrônicos ou brinquedos que andam e falam. A criança tem que ser ativa na brincadeira. É ela que vai criar todo o cenário, as falas, as roupas, os desafios e é assim que a criança aprende e se desenvolve, com a brincadeira criativa. Visitar o passado e resgatar brincadeiras de antigamente também é interessante.

SERVIÇO:

II Feira de Troca e Doação de Brinquedos

5 de outubro, sábado, das 13h às 17h

Local: Parque das Mangabeiras

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