Homens são grupo mais atingido pela pior fase da Doença de Chagas
Pesquisadores mineiros e paulistas descobrem características para o desenvolvimento da miocardiopatia chagásica, considerada a pior fase do mal. Homens com histórico de eletrocardiograma e batimentos cardíacos alterados são os mais afetados
Luciane Evans
Publicação:04/11/2013 13:00
Uma das principais causas de doenças do miocárdio na América Latina, a miocardiopatia chagásica, fase aguda da silenciosa doença de Chagas, é ainda um mal incurável. Apesar de afetar cerca de 30% dos pacientes portadores do mal, a fase crônica da doença ainda um desafio para a medicina. Na maioria das vezes, o problema é detectado quando o coração já foi atacado. A boa notícia é que um novo estudo pode minimizar esse quadro. Desenvolvida por pesquisadores de Minas Gerais, São Paulo e cientistas norte-americanos, a pesquisa descobriu, entre candidatos a doadores de sangue com diagnóstico positivo para a doença de Chagas, as características daqueles que evoluíram para a pior fase da enfermidade: a grande maioria é homem, com histórico de eletrocardiograma e batimentos cardíacos alterados.
Com grande repercussão no mundo científico, principalmente nos Estados Unidos, onde o mal está se espalhando e chegando a 300 mil casos, o trabalho foi publicado na revista científica Circulation, da Associação Americana de Cardiologia. "É um estudo que traz um impacto social muito importante", destaca Anna Bárbara Proietti, pesquisadora da Fundação Hemominas e especialista em doenças transmissíveis pelo sangue. Anna é uma das pesquisadoras do trabalho e explica o por que dessa repercussão. Segundo ela, a pesquisa começou nos anos de 2010 e 2011 e a ideia era avançar no conhecimento do mal, descoberto há mais de 100 anos pelo mineiro Carlos Chagas, nascido em Oliveira, médico sanitarista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz.
Para avançar nas pesquisas sobre a incidência do nível mais grave da doença (a miocardiopatia chagásica) na população, o grupo de estudiosos foi atrás de pessoas que tentaram doar sangue em bancos de hematologia de Minas Gerais e São Paulo há 10 anos, mas na época foram detectados como portadores do mal de Chagas. Qualquer pessoa no país que se candidata a doar sangue tem o material avaliado em uma série de exames para se conhecer a qualidade do material doado.
"Essa triagem é feita para garantir a segurança daquele sangue doado. Não é um diagnóstico, mas identifica, entre outras coisas, se aquela pessoa é positiva para a doença de Chagas", explica. Uma vez portador do mal, o paciente pode, ou não, manifestar a doença. "Fomos em busca de pessoas que passaram por essa triagem há 10 anos. Gostaríamos de saber o que aconteceu com elas e quais delas evoluíram para a pior fase da doença", explica Anna.
Foram 499 pessoas com resultado positivo para enfermidade e 488 com resultado negativo, todos de Montes Claros, no Norte de Minas, e de São Paulo. "Procuramos os doadores de sangue porque eles são pessoas que vão doar sangue e não sabem que têm a doença. Ou seja, nada ainda foi manifestado. Por isso, elas se sentem bem e saudáveis ", diz a pesquisadora. Ao contatar os pacientes, eles foram submetidos a exames de eletrocardiograma e ecocardiograma, e responderam um questionário detalhado sobre a origem da contaminação e seu histórico de vida.
Com os resultados dessa triagem, os cientistas fizeram uma espécie de painel para médicos brasileiros e estrangeiros que não sabiam quais testes pertenciam aos portadores do protozoário. "Escolhemos grandes nomes da área para analisarem os exames", diz Anna Proietti.
O trabalho mostrou que houve uma incidência de 1,85% de miocardiopatia chagásica, praticamente dois casos, a cada ano. "A maioria que desenvolveu o problema foi de sexo masculino, tinha uma história de anormalidade no eletrocardiograma e alteração nos batimentos cardíacos", acrescenta. Os pacientes com diagnóstico negativo para o mal foram convocados, de acordo com Anna, para controle de outras doenças cardíacas. "Examinamos se a taxa de outros males do coração era maior ou menor do que aquelas que acometem os portadores de Chagas. Concluímos que foi bem menor."
Almeida Neto destaca que a pesquisa mostra que os homens têm duas vezes mais chances de apresentar a mioacardiopatia chagásica que as mulheres. "Pacientes com histórico de alterações prévias no eletrocardiograma e com a presença de determinado batimento anômalo (chamado B3) no exame de ausculta cardíaca (aquele no qual o médico examina o coração do paciente com o estetoscópio) têm seis vezes mais chances de apresentar miocardiopatia chagásica do que aqueles que não têm esses achados. A partir daí, os profissionais de saúde podem ficar mais atentos aos pacientes que apresentam esses prognósticos", diz.
Outra indicação dos pesquisadores é que a sistemática usada e validada, que consiste de exame físico, seguido de eletrocardiograma e de ecocardiograma naqueles com eletrocardiograma alterado, mostrou-se bem sensível e específico para diagnosticar a miocardiopatia chagásica e pode ser usada por serviços públicos ou privados como referência.
TRATAMENTO
Considerada uma doença silenciosa, o mal de Chagas, na maioria das vezes, não apresenta sintomas. O grande problema é que, quando evolui em alguns pacientes, pode afetar órgãos como esôfago, intestino e coração. Cada paciente recebe um tratamento adequado e, em casos de miocardiopatia chagásica muito adiantada, em que não há melhora com o uso de remédios, é feito o transplante de coração. De acordo com a professora Associada do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do estudo, Ester Cerdeira Sabino, muitas pessoas tomam conhecimento que estão infectadas por T.cruzi por meio do banco de sangue.
Ela enfatiza que são necessários hoje no país novos medicamentos, pois o benzonidazol (medicamento antiparasitário), segundo ela, "não parece ser muito eficaz". "Por isso é importante novas pesquisas para avaliar drogas diferentes e biomarcadores que indiquem que o paciente respondeu ao tratamento. Uma das maiores dificuldades é a falta de um marcador que nos dê essa informação de que funcionou. Porque a doença demora muito tempo para se manifestar." Ester avisa que os pacientes infectados precisam ter um acompanhamento mais próximo. "O Sistema Único de Saúde (SUS) tem feito isso, mas muitos portadores da doença moram em regiões de pouco acesso ao serviço", lamenta. César de Almeida Neto acrescenta dizendo que "muitos dos problemas que enfrentamos na área de saúde são relacionados, hoje, à gestão de recursos e planejamento. Muitas vezes também não temos dados fidedignos para tomar decisões que impactam a saúde da população de uma maneira mais racional."
Tudo começou em Minas
Carlos Chagas identificou o parasita Trypanosoma cruzi (e deu a ele esse nome em homenagem a seu amigo e colega de profissão, o sanitarista Oswaldo Cruz) em Lassance, no Norte de Minas, para onde foi, em 1907, tentar combater a malária que afetava trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil. O processo de pesquisa de Chagas sobre o barbeiro que picava as pessoas no rosto teve início nessa época. O anúncio da descoberta do parasita T.cruzi, que provocava o mal e se hospedava no barbeiro (inseto hematófago encontrado nas frestas das casas de pau a pique) foi feito em 1909.
Apesar de afetar cerca de 30% dos pacientes portadores do mal, a fase crônica da doença ainda um desafio para a medicina. Na maioria das vezes, o problema é detectado quando o coração já foi atacado
Uma das principais causas de doenças do miocárdio na América Latina, a miocardiopatia chagásica, fase aguda da silenciosa doença de Chagas, é ainda um mal incurável. Apesar de afetar cerca de 30% dos pacientes portadores do mal, a fase crônica da doença ainda um desafio para a medicina. Na maioria das vezes, o problema é detectado quando o coração já foi atacado. A boa notícia é que um novo estudo pode minimizar esse quadro. Desenvolvida por pesquisadores de Minas Gerais, São Paulo e cientistas norte-americanos, a pesquisa descobriu, entre candidatos a doadores de sangue com diagnóstico positivo para a doença de Chagas, as características daqueles que evoluíram para a pior fase da enfermidade: a grande maioria é homem, com histórico de eletrocardiograma e batimentos cardíacos alterados.
Com grande repercussão no mundo científico, principalmente nos Estados Unidos, onde o mal está se espalhando e chegando a 300 mil casos, o trabalho foi publicado na revista científica Circulation, da Associação Americana de Cardiologia. "É um estudo que traz um impacto social muito importante", destaca Anna Bárbara Proietti, pesquisadora da Fundação Hemominas e especialista em doenças transmissíveis pelo sangue. Anna é uma das pesquisadoras do trabalho e explica o por que dessa repercussão. Segundo ela, a pesquisa começou nos anos de 2010 e 2011 e a ideia era avançar no conhecimento do mal, descoberto há mais de 100 anos pelo mineiro Carlos Chagas, nascido em Oliveira, médico sanitarista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz.
Para avançar nas pesquisas sobre a incidência do nível mais grave da doença (a miocardiopatia chagásica) na população, o grupo de estudiosos foi atrás de pessoas que tentaram doar sangue em bancos de hematologia de Minas Gerais e São Paulo há 10 anos, mas na época foram detectados como portadores do mal de Chagas. Qualquer pessoa no país que se candidata a doar sangue tem o material avaliado em uma série de exames para se conhecer a qualidade do material doado.
"Essa triagem é feita para garantir a segurança daquele sangue doado. Não é um diagnóstico, mas identifica, entre outras coisas, se aquela pessoa é positiva para a doença de Chagas", explica. Uma vez portador do mal, o paciente pode, ou não, manifestar a doença. "Fomos em busca de pessoas que passaram por essa triagem há 10 anos. Gostaríamos de saber o que aconteceu com elas e quais delas evoluíram para a pior fase da doença", explica Anna.
Foram 499 pessoas com resultado positivo para enfermidade e 488 com resultado negativo, todos de Montes Claros, no Norte de Minas, e de São Paulo. "Procuramos os doadores de sangue porque eles são pessoas que vão doar sangue e não sabem que têm a doença. Ou seja, nada ainda foi manifestado. Por isso, elas se sentem bem e saudáveis ", diz a pesquisadora. Ao contatar os pacientes, eles foram submetidos a exames de eletrocardiograma e ecocardiograma, e responderam um questionário detalhado sobre a origem da contaminação e seu histórico de vida.
Com os resultados dessa triagem, os cientistas fizeram uma espécie de painel para médicos brasileiros e estrangeiros que não sabiam quais testes pertenciam aos portadores do protozoário. "Escolhemos grandes nomes da área para analisarem os exames", diz Anna Proietti.
O trabalho mostrou que houve uma incidência de 1,85% de miocardiopatia chagásica, praticamente dois casos, a cada ano. "A maioria que desenvolveu o problema foi de sexo masculino, tinha uma história de anormalidade no eletrocardiograma e alteração nos batimentos cardíacos", acrescenta. Os pacientes com diagnóstico negativo para o mal foram convocados, de acordo com Anna, para controle de outras doenças cardíacas. "Examinamos se a taxa de outros males do coração era maior ou menor do que aquelas que acometem os portadores de Chagas. Concluímos que foi bem menor."
Saiba mais...
De acordo com o médico hemoterapeuta do Hospital Nove de Julho e chefe do Departamento da Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo, César de Almeida Neto, também pesquisador no estudo, ao calcularem a incidência de 1,85% ao ano de miocardiopatia chagásica em portadores da doença, pode-se estimar o número de casos novos anualmente. "Estima-se que mundialmente 8 milhões de pessoas estejam infectadas pelo Tripanossoma cruzi, agente causador da doença. Portanto, por ano, 148 mil pessoas vão apresentar a miocardiopatia chagásica. Os gestores de saúde, dessa maneira, podem alocar recursos a fim de diagnosticar e tratar o mal de maneira mais eficaz", defende.Almeida Neto destaca que a pesquisa mostra que os homens têm duas vezes mais chances de apresentar a mioacardiopatia chagásica que as mulheres. "Pacientes com histórico de alterações prévias no eletrocardiograma e com a presença de determinado batimento anômalo (chamado B3) no exame de ausculta cardíaca (aquele no qual o médico examina o coração do paciente com o estetoscópio) têm seis vezes mais chances de apresentar miocardiopatia chagásica do que aqueles que não têm esses achados. A partir daí, os profissionais de saúde podem ficar mais atentos aos pacientes que apresentam esses prognósticos", diz.
Outra indicação dos pesquisadores é que a sistemática usada e validada, que consiste de exame físico, seguido de eletrocardiograma e de ecocardiograma naqueles com eletrocardiograma alterado, mostrou-se bem sensível e específico para diagnosticar a miocardiopatia chagásica e pode ser usada por serviços públicos ou privados como referência.
TRATAMENTO
Considerada uma doença silenciosa, o mal de Chagas, na maioria das vezes, não apresenta sintomas. O grande problema é que, quando evolui em alguns pacientes, pode afetar órgãos como esôfago, intestino e coração. Cada paciente recebe um tratamento adequado e, em casos de miocardiopatia chagásica muito adiantada, em que não há melhora com o uso de remédios, é feito o transplante de coração. De acordo com a professora Associada do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do estudo, Ester Cerdeira Sabino, muitas pessoas tomam conhecimento que estão infectadas por T.cruzi por meio do banco de sangue.
Ela enfatiza que são necessários hoje no país novos medicamentos, pois o benzonidazol (medicamento antiparasitário), segundo ela, "não parece ser muito eficaz". "Por isso é importante novas pesquisas para avaliar drogas diferentes e biomarcadores que indiquem que o paciente respondeu ao tratamento. Uma das maiores dificuldades é a falta de um marcador que nos dê essa informação de que funcionou. Porque a doença demora muito tempo para se manifestar." Ester avisa que os pacientes infectados precisam ter um acompanhamento mais próximo. "O Sistema Único de Saúde (SUS) tem feito isso, mas muitos portadores da doença moram em regiões de pouco acesso ao serviço", lamenta. César de Almeida Neto acrescenta dizendo que "muitos dos problemas que enfrentamos na área de saúde são relacionados, hoje, à gestão de recursos e planejamento. Muitas vezes também não temos dados fidedignos para tomar decisões que impactam a saúde da população de uma maneira mais racional."
Tudo começou em Minas
Carlos Chagas identificou o parasita Trypanosoma cruzi (e deu a ele esse nome em homenagem a seu amigo e colega de profissão, o sanitarista Oswaldo Cruz) em Lassance, no Norte de Minas, para onde foi, em 1907, tentar combater a malária que afetava trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil. O processo de pesquisa de Chagas sobre o barbeiro que picava as pessoas no rosto teve início nessa época. O anúncio da descoberta do parasita T.cruzi, que provocava o mal e se hospedava no barbeiro (inseto hematófago encontrado nas frestas das casas de pau a pique) foi feito em 1909.