Cientistas identificam remédio que protege o coração da doença de Chagas
Agora, eles tentam desenvolver uma droga que tenha ação semelhante, mas seja mais acessível
Renata Mariz - Correio Braziliense
Publicação:21/10/2014 16:00Atualização: 21/10/2014 15:55
“Por meio de exames clínicos, notamos que pessoas com a forma cardíaca grave dessa doença apresentam altos níveis de uma citocina chamada fator de necrose tumoral e de outros mediadores que estimulam a inflamação cardíaca”, explica, ao Correio, Joseli Lannes Vieira, pesquisadora do Laboratório de Biologia das Interações do Instituto Oswaldo Cruz. Segundo a autora principal da pesquisa, essa citocina é uma molécula com ação importante no começo da resposta às infecções. Nos pacientes chagásicos graves, no entanto, é como se a reação inflamatória intensa, benéfica na fase inicial, fosse mantida durante anos. Assim, o excesso de fator de necrose tumoral acabaria provocando danos cardíacos.
Para confirmar essa hipótese, os pesquisadores realizaram um experimento com ratos. Simularam, nas cobaias, sintomas cardíacos da doença e os trataram com infliximab — droga usada no tratamento de males autoimunes e que impede a ação do fator de necrose tumoral. Após 30 dias de tratamento, houve melhoras nos danos cardíacos. “Ao inibir essa citocina, tivemos um efeito benéfico em várias alterações imunológicas, como a redução da fibrose cardíaca, que substitui as células do coração quando elas morrem, e a diminuição das arritmias”, destaca Vieira.
Cardiologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria do Carmo Pereira diz que ainda são pouco conhecidos os mecanismos que levam a lesões cardíacas, mas a teoria de que, ao se defender do Chagas alojados no coração, o corpo acaba gerando inflamações é muito interessante. “Esse experimento inicial foi inteligente ao bloquear as ações de defesa exageradas do organismo ao parasita”, destaca a especialista, que não participou do estudo.
Anselmo Mota, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, também acredita que as chances de combater os malefícios causados pela doença só podem ser conquistadas ao se conhecer a fundo o efeito dela e as reações provocados por ela no organismo humano. “São muitos os mecanismos associados ao Chagas que podem desenvolver diversos problemas cardíacos, e não conhecemos todos eles. Quanto ao diagnóstico, já estamos avançado, mas as medicações usadas para diminuir a inflação precisam ser mais estudadas”, avalia.
Novos medicamentos
A partir das melhoras observadas nos animais tratados, os cientistas do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que outros medicamentos que causem mesma função do infliximab possam ser desenvolvidos. Isso porque a droga disponível hoje é muito cara. “ Usamos no experimento um remédio utilizado quando não existem mais outras opções de tratamento. O que queremos mostrar com essa pesquisa é que dá para interferir em uma doença que diziam ser impossível e abrir uma busca por novos medicamentos que não forneçam risco e possam ser mais baratos”, destaca Joseli Vieira.
A pesquisadora também acredita que formas mais simples de intervenção no fator de necrose tumoral consigam ser elaboradas futuramente. É o caso do ômega 3. “Ele tem um efeito semelhante ao infliximab. Acreditamos que, com isso, uma intervenção alimentar já possa ser uma solução mais simples e eficaz para diminuir a citocina que agride o coração”, complementa Vieira.
Anselmo Mota concorda que a pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz pode contribuir para a criação de intervenções mais completas para os problemas cardíacos causados pela doença de Chagas. “Acredito que trabalhos como esse tragam a possibilidade de remédios mais baratos. Sabemos das dificuldades financeiras sofridas pela população mais pobre, a mais atingida por essa enfermidade. Os cientistas devem continuar a se debruçar nessa área imunológica testando outros remédios”, defende.
Maria do Carmo Pereira ressalta que novos medicamentos que consigam tratar de forma mais eficaz o coração chagásico podem aumentar a sobrevida de pacientes. “A maioria dos contaminados por Chagas é jovem. Outro problema é que, em muitos casos dessa doença, o diagnóstico só é feito anos depois do contágio. A essa altura, as pacientes já estão em estado crítico. Se conseguíssemos descobrir a doença mais cedo, seria algo melhor ainda”, completa, reforçando, em seguida, que o combate ao Trypanosoma cruzi e aos efeitos causados por ele ainda é um grande desafio brasileiro. “As pessoas falam que a essa doença já está controlada, mas conseguimos ver que não, no Hospital das Clínicas da UFMG uma das principais causas de transplante cardíaco é a doença de Chagas”, enfatiza.
Joseli Vieira adianta que o trabalho do Instituto Oswaldo Cruz terá continuidade. Antes de realizar testes com humanos, a equipe pretende focar no desenvolvimento de remédios mais acessíveis. “Também testaremos os que já são aprovados pela Anvisa para saber se terão a mesma eficácia. É importante encontrar soluções logo para que as crianças que estão contraindo a doença neste momento não apresentem quadros mais graves futuramente”, destaca. A pesquisadora acredita que as futuras descobertas poderão, inclusive, ajudar no combate a outras enfermidades. “Sabemos que há influência do nível de citocina no desenvolvimento da depressão”, exemplifica.
Saiba mais...
A doença de Chagas é conhecida por castigar o organismo humano, principalmente na fase mais avançada, quando o parasita toma conta de sistemas importantes, como o cardiovascular. Cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, trabalham em uma técnica que poderá proteger o coração desses pacientes, cerca de 12 milhões no mundo, sendo 3 milhões no Brasil. Os resultados alcançados em testes com ratos foram publicados na revista científica Mediators of Inflammation, reforçando a aposta da equipe de chegar a uma terapia eficaz e acessível.- USP descobre nova substância que pode ser usada contra doença de Chagas
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“Por meio de exames clínicos, notamos que pessoas com a forma cardíaca grave dessa doença apresentam altos níveis de uma citocina chamada fator de necrose tumoral e de outros mediadores que estimulam a inflamação cardíaca”, explica, ao Correio, Joseli Lannes Vieira, pesquisadora do Laboratório de Biologia das Interações do Instituto Oswaldo Cruz. Segundo a autora principal da pesquisa, essa citocina é uma molécula com ação importante no começo da resposta às infecções. Nos pacientes chagásicos graves, no entanto, é como se a reação inflamatória intensa, benéfica na fase inicial, fosse mantida durante anos. Assim, o excesso de fator de necrose tumoral acabaria provocando danos cardíacos.
Para confirmar essa hipótese, os pesquisadores realizaram um experimento com ratos. Simularam, nas cobaias, sintomas cardíacos da doença e os trataram com infliximab — droga usada no tratamento de males autoimunes e que impede a ação do fator de necrose tumoral. Após 30 dias de tratamento, houve melhoras nos danos cardíacos. “Ao inibir essa citocina, tivemos um efeito benéfico em várias alterações imunológicas, como a redução da fibrose cardíaca, que substitui as células do coração quando elas morrem, e a diminuição das arritmias”, destaca Vieira.
Cardiologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria do Carmo Pereira diz que ainda são pouco conhecidos os mecanismos que levam a lesões cardíacas, mas a teoria de que, ao se defender do Chagas alojados no coração, o corpo acaba gerando inflamações é muito interessante. “Esse experimento inicial foi inteligente ao bloquear as ações de defesa exageradas do organismo ao parasita”, destaca a especialista, que não participou do estudo.
Anselmo Mota, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, também acredita que as chances de combater os malefícios causados pela doença só podem ser conquistadas ao se conhecer a fundo o efeito dela e as reações provocados por ela no organismo humano. “São muitos os mecanismos associados ao Chagas que podem desenvolver diversos problemas cardíacos, e não conhecemos todos eles. Quanto ao diagnóstico, já estamos avançado, mas as medicações usadas para diminuir a inflação precisam ser mais estudadas”, avalia.
Novos medicamentos
A partir das melhoras observadas nos animais tratados, os cientistas do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que outros medicamentos que causem mesma função do infliximab possam ser desenvolvidos. Isso porque a droga disponível hoje é muito cara. “ Usamos no experimento um remédio utilizado quando não existem mais outras opções de tratamento. O que queremos mostrar com essa pesquisa é que dá para interferir em uma doença que diziam ser impossível e abrir uma busca por novos medicamentos que não forneçam risco e possam ser mais baratos”, destaca Joseli Vieira.
A pesquisadora também acredita que formas mais simples de intervenção no fator de necrose tumoral consigam ser elaboradas futuramente. É o caso do ômega 3. “Ele tem um efeito semelhante ao infliximab. Acreditamos que, com isso, uma intervenção alimentar já possa ser uma solução mais simples e eficaz para diminuir a citocina que agride o coração”, complementa Vieira.
Anselmo Mota concorda que a pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz pode contribuir para a criação de intervenções mais completas para os problemas cardíacos causados pela doença de Chagas. “Acredito que trabalhos como esse tragam a possibilidade de remédios mais baratos. Sabemos das dificuldades financeiras sofridas pela população mais pobre, a mais atingida por essa enfermidade. Os cientistas devem continuar a se debruçar nessa área imunológica testando outros remédios”, defende.
Maria do Carmo Pereira ressalta que novos medicamentos que consigam tratar de forma mais eficaz o coração chagásico podem aumentar a sobrevida de pacientes. “A maioria dos contaminados por Chagas é jovem. Outro problema é que, em muitos casos dessa doença, o diagnóstico só é feito anos depois do contágio. A essa altura, as pacientes já estão em estado crítico. Se conseguíssemos descobrir a doença mais cedo, seria algo melhor ainda”, completa, reforçando, em seguida, que o combate ao Trypanosoma cruzi e aos efeitos causados por ele ainda é um grande desafio brasileiro. “As pessoas falam que a essa doença já está controlada, mas conseguimos ver que não, no Hospital das Clínicas da UFMG uma das principais causas de transplante cardíaco é a doença de Chagas”, enfatiza.
Joseli Vieira adianta que o trabalho do Instituto Oswaldo Cruz terá continuidade. Antes de realizar testes com humanos, a equipe pretende focar no desenvolvimento de remédios mais acessíveis. “Também testaremos os que já são aprovados pela Anvisa para saber se terão a mesma eficácia. É importante encontrar soluções logo para que as crianças que estão contraindo a doença neste momento não apresentem quadros mais graves futuramente”, destaca. A pesquisadora acredita que as futuras descobertas poderão, inclusive, ajudar no combate a outras enfermidades. “Sabemos que há influência do nível de citocina no desenvolvimento da depressão”, exemplifica.