Oniomania, ou compulsão por compras, atinge mais as mulheres

Tema debatido no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, oniomania é considerada transtorno de controle dos impulsos. Especialistas alertam para a obsessão de se ter prazer imediato

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Lilian Monteiro - Estado de Minas Publicação:09/12/2013 11:00Atualização:09/12/2013 10:40

Estudos recentes indicam maior prevalência da oniomania em mulheres e estima-se algo em torno de 2% a 8% da população em geral, sem vinculação à classe social da pessoa (istockphoto)
Estudos recentes indicam maior prevalência da oniomania em mulheres e estima-se algo em torno de 2% a 8% da população em geral, sem vinculação à classe social da pessoa
Cena 1: mulher cheia de sacolas, feliz, entrando e saindo de lojas de sapatos a produtos para casa. Cena 2: homem contente, carregado de sacolas, adquirindo de CDs a gravatas. Cena 3: mulher e homem insatisfeitos, tristes e sofrendo por compras que são uma resposta inócua por trás de um comportamento patológico. Indivíduos incapazes de controlar os impulsos.

Temática das mais importantes da atualidade, principalmente neste mês de festas, o consumismo desenfreado foi abordado durante a 31ª edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em Curitiba há dois meses, pela psicóloga Priscilla Lourenço, doutoranda em saúde mental pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), tendo como orientadora a professora Adriana Cardoso.

De acordo com a psicóloga, a compra compulsiva ou oniomania é caracterizada por atos excessivos, incontroláveis, repetitivos e irresistíveis em comprar, seja diante de um apelo, um evento ou sentimentos negativos, que resultam em prejuízos significativos no funcionamento social, familiar e financeiro. "Os indivíduos acometidos por esse transtorno apresentam pensamentos invasivos e repetitivos que tendem a aumentar a fissura em obter, induzindo o sujeito a fazer gastos desnecessários."

Na opinião do médico Maurício Leão, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), a compulsão de compras vai da normalidade à doença. "Nossa sociedade consumista estimula e induz o consumo. A cultura do consumismo tem incentivo externo e pode sofrer interferências do psiquismo. Nesse caso, como mecanismo de compensações para angústias, sentimentos de perda e frustrações. A compra se torna compensação na condição de diminuir o sofrimento, por alívio e até prazer."

Estudos recentes indicam maior prevalência da oniomania em mulheres e estima-se algo em torno de 2% a 8% da população em geral, sem vinculação à classe social da pessoa. "Indivíduos com essa vontade irresistível tendem a ser dominados na ação de comprar muitos itens sem escolher o objeto de desejo real. O alívio das tensões só vem por meio das compras. Mas, em seguida, são tomados pelo sentimento de culpa, remorso e vergonha. Cria-se então um ciclo vicioso." A psicóloga apresentou seu projeto de pesquisa sobre os transtornos de controle dos impulsos em que desenvolve um protocolo de tratamento para compradores compulsivos por meio de técnicas cognitivo-comportamentais.

A dificuldade da pessoa em aceitar e assumir esse transtorno também esbarra na divergência da classificação diagnóstica. Priscilla Lourenço explica que antes o transtorno de comprar pertencia à categoria de transtorno espectro obsessivo compulsivo. Contudo, como a compra é entendida como busca imediata de prazer e não redução de ansiedade, ela estaria inserida no transtorno de controle dos impulsos, definido no último DSM-5 (manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria).

"Em excesso, a oniomania pode estar relacionada também a distúrbios que geram vários tipos de compulsões. É importante informar que o problema pode ser migratório. Ou seja, a compulsão pode ser por comida, bebida, sexo, jogo, internet e compras", acrescenta Leão. Segundo a psicóloga, a compra compulsiva é diagnosticada como comorbidade com outros transtornos psiquiátricos, como o transtorno de personalidade borderline, depressão bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros.

“Estima-se uma taxa de prevalência de até 32% na associação de pacientes com diagnóstico para compras compulsivas com depressão, por causa da íntima relação entre a fissura precedida à compra, em que o alívio imediato obtido por meio da aquisição tende a reduzir sintomas e sensações tidas como desconfortáveis, diminuindo, momentaneamente, a depressão e a ansiedade”, diz a psicóloga.

SOFRIMENTO

Priscilla reforça que muitos pesquisadores definem a compra compulsiva como transtorno do espectro obsessivo-compulsivo, uma vez que essa desordem apresenta elementos do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), bem como componentes dos transtornos de controle dos impulsos. Ou seja, os compradores compulsivos têm uma obsessão com a compra e uma compulsão que os leva a aquisições excessivas e repetitivas. “O desejo de comprar faz com que o indivíduo obtenha um produto independentemente de sua necessidade, no intuito de amenizar sua vontade. Essa compra não é planejada e é desnecessária", diz.

Por dentro da oniomania

Características do transtorno:
Preocupação excessiva e perda de controle sobre o ato de comprar

Aumento progressivo do volume de compras

Tentativas frustradas de reduzir ou controlar as compras

Comprar para lidar com a angústia, ou outra emoção negativa

Mentiras para encobrir o descontrole com compras

Prejuízos nos âmbitos social, profissional e familiar

Problemas financeiros causados por compras

Roubo, falsificação, emissão de cheques sem fundos ou outros atos ilegais para poder comprar, ou pagar dívidas.

Tipos de tratamento:
Acompanhamento médico psiquiátrico individual

Grupo de apoio na abordagem cognitivo-comportamental

Psicoterapia individual/motivacional

Acompanhamento familiar

 

Fonte: Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), serviço do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Angústia, estresse e ideia fixa
Entre os critérios de diagnóstico do comprador compulsivo estão a preocupação frequente com as compras (ruminação), comprar acima das possibilidades e objetos que não precisa, angústia e estresse, entre outros. Essa listagem é sugerida pela psiquiatra e professora norte-americana Susan McElroy e sua equipe da Universidade de Cinccinati, estudiosos no tema de muitos anos.

Conforme a psicóloga Priscilla Lourenço, os pacientes têm similaridade com o modelo de colecionismo (ser colecionador não significa ter um transtorno) e o transtorno pode acometer pessoas perfeccionistas, rígidas, com histórico de abandono, problemas de afetividade, que não entendem a real necessidade do bem. Mas esse sofrimento tem remédio, ainda que haja poucos estudos mais aprofundados, "mesmo o tema merecendo atenção e exploração, já que a compra compulsiva é um transtorno da atualidade e aumenta a cada ano."

Quanto ao diagnóstico, Priscilla adaptou e validou um procedimento de acordo com o perfil da população brasileira a partir de estudos de Faber e O. Guinn (1992) na composição de uma escala, chamada Compulsive Buying Scale (escala de compra compulsiva) e a versão da Richmond Compulsive Buying Scale de Ridgway, Kukar-Kinney e Monroe (2008).

SAÚDE MENTAL

No ato de comprar, estão presentes vários sintomas como manias, depressão e a forma inconsequente de lidar com as finanças. "Ao sair da esfera da cultura contemporânea e se tornar um consumo desenfreado, gerar sofrimento, trazer prejuízo emocional e perda do contato com a realidade, o tratamento é buscar um profissional da saúde mental que definirá a forma adequada, efetiva e rápida com associação medicamentosa e com psicoterapia. A cura vai depender do diagnóstico, da gravidade da situação e da resposta ao tratamento, que vai do quadro agudo e acompanhamento por tempo indeterminado até o caminho da cura", diz  Maurício Leão.

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