Para chamar atenção ao câncer de pâncreas, campanha usa estratégia que causa revolta
Doença tem taxa de letalidade próxima de 100%, mas pode ser prevenida e tem chances de cura se descoberta precocemente. Público se revoltou, no entanto, com slogan escolhido para anúncios veiculados na TV inglesa. Entenda o porquê
Pessoas que enfrentam ou enfrentaram as outras formas da doença não pouparam críticas à campanha, com argumentos que variam de “câncer não é uma competição” até “só quem viveu um câncer de mama sabe como é difícil” ou ainda “meu marido morreu de câncer de próstata, pergunte a ele o quanto foi difícil”.
O cirurgião oncológico Felipe José Fernandez Coimbra, diretor do núcleo de cirurgia abdominal do centro paulista A.C.Camargo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, também não concorda com a abordagem. “Existem outras maneiras de se chamar a atenção para o câncer de pâncreas, e essa não me parece ideal. No entanto, esse tipo de tumor é muito agressivo e nem sempre é lembrado entre as hipóteses para problemas no aparelho digestivo. Temos muitas campanhas para o câncer de mama e de próstata, sempre lembrados em função de sua incidência; mas não podemos negligenciar uma doença cuja letalidade supera a dos outros dois tipos juntos”, explica o especialista.
- Pesquisa desvenda pancreatite e traz compreensão sobre o câncer de pâncreas
- Nova droga trata câncer sem queda de cabelo
- Crescimento de casos de câncer em Minas está acima da média nacional
- Inca estima 576 mil novos casos de câncer; números variam amplamente entre regiões
- Novo método pode ajudar a detectar câncer de pâncreas mais precocemente
- Símbolo de campanha polêmica, jovem morre em consequência do câncer de pâncreas
- Ciência avança pouco contra o câncer de bexiga
- Forma de encarar diagnóstico de câncer faz diferença no tratamento
Dificuldades específicas
Coimbra lembra que o pâncreas é um órgão que ficar na 'parte de trás' da barriga, atrás do estômago e do intestino, colado ao duodeno e cercado por veias e artérias muito importantes, responsáveis por levar sangue a órgãos abdominais. Além da função mais conhecida, que é a de produzir substâncias endócrinas, como a insulina para controle da glicose; ele produz enzimas que ajudam na digestão. “Pela localização e pela dificuldade de identificar os sintomas iniciais, além do desconhecimento até mesmo dos médicos, o diagnóstico acaba sendo tardio. Infelizmente, esta é uma realidade no Brasil e no mundo inteiro”, acrescenta o cirurgião. No Brasil, segundo o Inca, a doença causa mais de 7.700 mortes por ano, sendo aproximadamente 3.800 em homens e 3.900 em mulheres.
Para o especialista, de uma forma geral, o tratamento moderno do câncer é cada vez mais capaz de individualizar os métodos, de acordo com o caso específico do paciente, e ter bons resultados. Entretanto, como o tumor no pâncreas é mais agressivo e difícil de ser identificado, a necessidade de diagnóstico precoce deve ser reforçada. Apesar de um pouco genéricos, os principais sinais de alerta a serem observados são:
-dores na parte alta da barriga;
-dores nas costas;
-aparecimento de diabetes ou piora no quadro de diabetes;
-emagrecimento sem motivo aparente;
-em alguns casos, icterícia (aspecto amarelado da pele), porque tumores na cabeça do pâncreas podem comprimir o canal de transporte da bile;
-histórico de pancreatite crônica ou de repetição;
-histórico familiar de casos de câncer no pâncreas ou no sistema digestivo que, sob avaliação de oncogeneticista, podem indicar necessidade de exames mais específicos e estratégias de prevenção;
-tabagismo, relacionado a muitos casos de câncer no aparelho digestivo.
Segundo Felipe Coimbra, é comum que uma pessoa esteja sendo tratada há meses de gastrite, por exemplo, sendo que as dores não melhoram, e descobre que o problema é no pâncreas. “O ultrassom é um exame muito utilizado, mas muito falho quando se trata do pâncreas. A indicação, quando há suspeita, é de tomografia ou ressonância”, define o médico. Alguns estudos indicam também que outros tumores, como o melanoma (pele); o câncer de intestino e o câncer de mama relacionado aos genes BRCA 1 e 2 também são fatores de risco para o câncer de pâncreas.
A prevenção da doença envolve a adoção de hábitos saudáveis, evitar o excesso de peso e não se automedicar em casos de problemas no aparelho digestivo. “Por mais que a campanha britânica possa ter conseguido chocar a população, não temos certeza se aqueles telespectadores conseguiram algum esclarecimento sobres essas questões importantes”, lamenta o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.
Os tumores de pâncreas mais comuns são do tipo adenocarcinoma, que corresponde a 90% dos casos diagnosticados. O outro tipo, bem mais raro, é o carcinoma neuroendócrino. No Brasil, o câncer de pâncreas é responsável por cerca de 2% de todos os tipos da doença diagnosticados e por 4% do total de mortes por câncer. Raro antes dos 30 anos, torna-se mais comum a partir dos 60 anos.
Controvérsia
Após a controvérsia em torno da campanha, Ali Stunt, fundadora da Pancreatic Cancer Action, que descobriu ter um tumor no pâncreas em 2007, quando tinha 41 anos, defendeu a iniciativa. “Não desejamos câncer para ninguém e sabemos que toda as formas são horríveis, mas existem sim, pacientes de câncer pancreático que chegam a desejar ter outro tipo, dadas as baixíssimas taxas de sobrevivência. A maioria nunca havia ouvido falar da doença até ter o diagnóstico, apesar de ser a nona forma de câncer mais comum no Reino Unido”, afirmou Stunt.
Chris Askew, diretor da instituição, também defendeu a mensagem. Ele disse que, em momento algum, o anúncio diz que uma forma de câncer é preferível. “Queremos destacar o progresso lento da consciência e da mobilização, em relação aos outros tipos da doença. Muitas mulheres que têm câncer de mama felizmente sobrevivem, mas 80% de quem tem a doença no pâncreas vai morrer dentro de, no máximo, 12 meses, sendo que a expectativa de vida, em muitos casos, é de quatro a seis meses após o diagnóstico. Queremos incentivar a prevenção e acabar com esse nível tão devastador de mortalidade", concluiu o executivo.