Atenção: piolho e verme são vilões em qualquer idade
Eles são mais ligados à infância, mas, segundo especialistas, acometem também adultos e idosos. Os sintomas costumam surgir de forma mais intensa nos pequenos devido à fragilidade do corpo
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:21/02/2014 11:30Atualização: 21/02/2014 12:02
Procurando bem, todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga, tem ameba…”, já disseram sabiamente Chico Buarque e Edu Lobo, na canção Ciranda da Bailarina, de 1983. Mais à frente, os compositores acrescentam: “futucando bem, todo mundo tem piolho”. Certíssimos estão eles. Os males que tendem a atacar as crianças principalmente em idade escolar na verdade não escolhem sexo, idade ou classe social. Basta um contato inicial para a instalação do problema, que pode chegar a pais engravatados e avós se não observado e tratado de perto.
Pesquisas científicas divulgadas em diferentes publicações especializadas neste ano buscam comprovar a efetividade do melhor tratamento ou mesmo confirmar a prevalência para esses problemas, em sua maioria subnotificados. Algumas vezes, passam até despercebidos, encobrindo um perigoso e nada inofensivo vilão. A ciência patina e a comunidade médica foge de um consenso sobre qual deve ser o melhor método preventivo contra algumas das moléstias mais comuns da infância.
Estudo divulgado, neste mês, na renomada revista científica New England Journal of Medicine chama a atenção para a complementação do tratamento de combate a verminoses em crianças de países em desenvolvimento. Participaram dos testes na Tanzânia 458 meninos e meninas com idade entre 6 e 14 anos. Foi testada a eficácia de quatro tipos de tratamento: somente usando albendazol (droga comumente prescrita para desvermifugação), apenas com oxantel pamoate (droga de uso veterinário para o mesmo fim), combinando as duas substâncias e ainda usando uma única dose de mebendazol (antiparasitário). Os dados mostraram que 450 crianças estavam infectadas com T. trichiura; 293, com A. lumbricoides (lombriga) e 443, com a ancilostomíase.
Novas recomendações
Os resultados positivos com a combinação de terapias levantam mais uma vez a questão de qual seria o melhor tratamento contra as verminoses. Atualmente, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de uma rotina de desvermifugação a cada seis meses em crianças a partir de um 1 ano até aproximadamente 12 ou 13. O remédio mais recomendado tem como princípio ativo o albendazol, mas essa não é uma regra. Pediatras chamam a atenção para o fato de que a variedade de parasitas que potencialmente podem contaminar o ser humano é incontável, e o tipo de medicamento a ser ministrado pode variar. A antiga prevenção por meio da ingestão do remédio também começa a caminhar em direção contrária às mais novas recomendações médicas, que colocam em dúvida o tipo de estratégia que necessita da ingestão da terapia mesmo sem a confirmação do diagnóstico.
Antes do tratamento, descobrir o tipo de verme que infecta a criança para que seja apontada a terapia mais indicada também não é tarefa simples. Precisa-se da repetição do exame de fezes três semanas depois do primeiro. “É difícil fazer um diagnóstico. Em um exame de fezes normal, metade dos casos vai passar batido, não vai aparecer”, explica o médico de família e comunidade Luciano Nader, membro da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
Os sintomas também podem passar completamente despercebidos até que a situação tenha realmente se agravado. Eles são pouquíssimos quando estão relacionados aos vermes mais comuns. A menor prevalência de verminoses em adultos se baseia primeiramente nesses cuidados de higiene pessoal, que tendem a ser mais rigorosos quando a pessoa envelhece. Segundo Nader, porém, é possível que muitos estejam caminhando por aí com vermes no intestino, mas sem apresentar sintomas.
“Como o organismo é maior, ele demora mais para sofrer alguma consequência. O mais provável é que o adulto viva em harmonia com a lombriga no intestino sem nunca saber.” O especialista explica ainda que as repercussões são maiores nas crianças pelo tamanho físico delas. “O parasita tem um tamanho fixo. Então, imagine que o impacto de 100 lombrigas em um bebê de 1 ano é muito maior que em um adulto de 70kg”, esclarece.
Droga veterinária
Oxantel Pamoate foi desenvolvido na década de 1970 para combater T. trichiura. Hoje, ele é amplamente utilizado em medicamentos veterinários. Estudos realizados em 1970 mostraram que a substância também pode ser eficaz e segura se usada em humanos contra a tricuríase. No entanto, a droga foi logo esquecida e nunca amplamente utilizada com esse fim.
Complicações podem ser fatais
Coceira e mal-estar também podem ser derivados de insetos bem visíveis que passeiam no exterior do organismo, mas especificamente nos pelos, alimentando-se livremente do sangue de seu hospedeiros. Dois tipos de piolho podem infestar as pessoas, um deles é o chamado piolho de cabeça, tipo mais conhecido e menos perigoso. Já o piolho do corpo humano pode transmitir infecções bacterianas perigosas e até letais. Os dois são da mesma espécie de parasita Pediculus humanus, mas dão origem a dois resultados drasticamente diferentes. Pesquisa divulgada, neste ano, na revista Insect Molecular Biology buscou entender exatamente a diferença entre as duas contaminações.
“As doenças transmitidas pelo piolho do corpo incluem febre das trincheiras, febre recorrente e tifo epidêmico”, enumera o líder do estudo, Barry Pittendrigh, professor de entomologia da Universidade de Illinois (EUA). Para analisar as diferenças, a equipe de pesquisadores infectou cobaias dos dois tipos com a bactéria Bartonella quintana — que causa a febre das trincheiras, causada por bactérias passadas entre os seres humanos por meio do contato com os piolhos de corpo. A expressão genética de cada inseto foi investigada para entender a resposta dos piolhos à infecção.
Segundo Pittendrigh, os experimentos sugerem que o sistema imunológico do de cabeça é bastante eficaz no combate às bactérias que causam a doença, enquanto o corporal parece ser mais suscetível, apresentando uma resposta imune menos favorável. Os dados mostraram que vários genes do sistema imunológico foram regulados de forma distinta.
“Existe uma discordância muito grande na comunidade científica sobre essa divisão entre os insetos. Volta e meia uma nova versão é divulgada sobre as diferenças ou similaridades entre eles”, pondera o biólogo Júlio Vianna Barbosa, pesquisador do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz. Ele acrescenta que, antigamente, esses piolhos estavam em locais muito bem definidos, isto é, o de cabeça não ficava no corpo ou vice-versa. Hoje, isso acabou. Barbosa acredita que o problema deve ser considerado de saúde pública e observado mais de perto. “Ainda não há relatos de piolhos de cabeça transmitindo a bactéria causadora da doença, mas é preciso ficar de olho. Como não há notificação, não sabemos o que tem acontecido. No interior, ouvimos falar de piolhos que saem de caixões. Será que esse óbito não pode ser atribuído ao piolho do corpo?”, questiona Barbosa.
Surtos rotineiros
“É um tabu ainda ter um filho com piolho. As mães ficam muito preocupadas, assim como com a sarna. As parasitoses são um pouco mais controladas. O que vemos, em geral, nos ambulatórios pediátricos é que existem pequenos surtos nos quais uma ou duas famílias que não cuidam ou não foram observadas nas consultas de rotina ou usam medicamentos caseiros para tratamento acabam sendo os principais agentes transmissores. Não é incomum. Os principais cuidados começam desde o início da vida: banho e higienização das mãos e dos alimentos conseguem evitar essa transmissão.”
José Gabel, membro do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria
Pesquisas científicas divulgadas em diferentes publicações especializadas neste ano buscam comprovar a efetividade do melhor tratamento ou mesmo confirmar a prevalência para esses problemas, em sua maioria subnotificados. Algumas vezes, passam até despercebidos, encobrindo um perigoso e nada inofensivo vilão. A ciência patina e a comunidade médica foge de um consenso sobre qual deve ser o melhor método preventivo contra algumas das moléstias mais comuns da infância.
Estudo divulgado, neste mês, na renomada revista científica New England Journal of Medicine chama a atenção para a complementação do tratamento de combate a verminoses em crianças de países em desenvolvimento. Participaram dos testes na Tanzânia 458 meninos e meninas com idade entre 6 e 14 anos. Foi testada a eficácia de quatro tipos de tratamento: somente usando albendazol (droga comumente prescrita para desvermifugação), apenas com oxantel pamoate (droga de uso veterinário para o mesmo fim), combinando as duas substâncias e ainda usando uma única dose de mebendazol (antiparasitário). Os dados mostraram que 450 crianças estavam infectadas com T. trichiura; 293, com A. lumbricoides (lombriga) e 443, com a ancilostomíase.
Saiba mais...
Depois de um tratamento com a terapia de combinação, 31% das crianças estavam livres de infecções por vermes. O número de ovos dos bichos nas fezes delas diminuiu 96%. A taxa de cura da infecção para a T. trichiura foi significativamente mais elevada com a associação das terapias do que somente com o mebendazol (de 31,2% para 11,8%), tal como a taxa de redução de ovos (de 90% para 75%). O oxantel pamoate sozinho teve baixa eficácia contra a ancilostomíase e a A. lumbricoides. Os eventos adversos, principalmente os mais leves, foram relatados por 30,9% dos participantes. “Claramente, o tratamento de combinação resultou em uma taxa mais alta de cura e em uma redução de ovos para a infecção por T. trichiura que as taxas da terapia padrão atual”, garante a autora principal do estudo Jennifer Keiser, do Instituto Suíço de Saúde Pública e Tropical.Novas recomendações
Os resultados positivos com a combinação de terapias levantam mais uma vez a questão de qual seria o melhor tratamento contra as verminoses. Atualmente, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de uma rotina de desvermifugação a cada seis meses em crianças a partir de um 1 ano até aproximadamente 12 ou 13. O remédio mais recomendado tem como princípio ativo o albendazol, mas essa não é uma regra. Pediatras chamam a atenção para o fato de que a variedade de parasitas que potencialmente podem contaminar o ser humano é incontável, e o tipo de medicamento a ser ministrado pode variar. A antiga prevenção por meio da ingestão do remédio também começa a caminhar em direção contrária às mais novas recomendações médicas, que colocam em dúvida o tipo de estratégia que necessita da ingestão da terapia mesmo sem a confirmação do diagnóstico.
Antes do tratamento, descobrir o tipo de verme que infecta a criança para que seja apontada a terapia mais indicada também não é tarefa simples. Precisa-se da repetição do exame de fezes três semanas depois do primeiro. “É difícil fazer um diagnóstico. Em um exame de fezes normal, metade dos casos vai passar batido, não vai aparecer”, explica o médico de família e comunidade Luciano Nader, membro da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
Os sintomas também podem passar completamente despercebidos até que a situação tenha realmente se agravado. Eles são pouquíssimos quando estão relacionados aos vermes mais comuns. A menor prevalência de verminoses em adultos se baseia primeiramente nesses cuidados de higiene pessoal, que tendem a ser mais rigorosos quando a pessoa envelhece. Segundo Nader, porém, é possível que muitos estejam caminhando por aí com vermes no intestino, mas sem apresentar sintomas.
“Como o organismo é maior, ele demora mais para sofrer alguma consequência. O mais provável é que o adulto viva em harmonia com a lombriga no intestino sem nunca saber.” O especialista explica ainda que as repercussões são maiores nas crianças pelo tamanho físico delas. “O parasita tem um tamanho fixo. Então, imagine que o impacto de 100 lombrigas em um bebê de 1 ano é muito maior que em um adulto de 70kg”, esclarece.
Droga veterinária
Oxantel Pamoate foi desenvolvido na década de 1970 para combater T. trichiura. Hoje, ele é amplamente utilizado em medicamentos veterinários. Estudos realizados em 1970 mostraram que a substância também pode ser eficaz e segura se usada em humanos contra a tricuríase. No entanto, a droga foi logo esquecida e nunca amplamente utilizada com esse fim.
Complicações podem ser fatais
Coceira e mal-estar também podem ser derivados de insetos bem visíveis que passeiam no exterior do organismo, mas especificamente nos pelos, alimentando-se livremente do sangue de seu hospedeiros. Dois tipos de piolho podem infestar as pessoas, um deles é o chamado piolho de cabeça, tipo mais conhecido e menos perigoso. Já o piolho do corpo humano pode transmitir infecções bacterianas perigosas e até letais. Os dois são da mesma espécie de parasita Pediculus humanus, mas dão origem a dois resultados drasticamente diferentes. Pesquisa divulgada, neste ano, na revista Insect Molecular Biology buscou entender exatamente a diferença entre as duas contaminações.
“As doenças transmitidas pelo piolho do corpo incluem febre das trincheiras, febre recorrente e tifo epidêmico”, enumera o líder do estudo, Barry Pittendrigh, professor de entomologia da Universidade de Illinois (EUA). Para analisar as diferenças, a equipe de pesquisadores infectou cobaias dos dois tipos com a bactéria Bartonella quintana — que causa a febre das trincheiras, causada por bactérias passadas entre os seres humanos por meio do contato com os piolhos de corpo. A expressão genética de cada inseto foi investigada para entender a resposta dos piolhos à infecção.
Segundo Pittendrigh, os experimentos sugerem que o sistema imunológico do de cabeça é bastante eficaz no combate às bactérias que causam a doença, enquanto o corporal parece ser mais suscetível, apresentando uma resposta imune menos favorável. Os dados mostraram que vários genes do sistema imunológico foram regulados de forma distinta.
“Existe uma discordância muito grande na comunidade científica sobre essa divisão entre os insetos. Volta e meia uma nova versão é divulgada sobre as diferenças ou similaridades entre eles”, pondera o biólogo Júlio Vianna Barbosa, pesquisador do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz. Ele acrescenta que, antigamente, esses piolhos estavam em locais muito bem definidos, isto é, o de cabeça não ficava no corpo ou vice-versa. Hoje, isso acabou. Barbosa acredita que o problema deve ser considerado de saúde pública e observado mais de perto. “Ainda não há relatos de piolhos de cabeça transmitindo a bactéria causadora da doença, mas é preciso ficar de olho. Como não há notificação, não sabemos o que tem acontecido. No interior, ouvimos falar de piolhos que saem de caixões. Será que esse óbito não pode ser atribuído ao piolho do corpo?”, questiona Barbosa.
Surtos rotineiros
“É um tabu ainda ter um filho com piolho. As mães ficam muito preocupadas, assim como com a sarna. As parasitoses são um pouco mais controladas. O que vemos, em geral, nos ambulatórios pediátricos é que existem pequenos surtos nos quais uma ou duas famílias que não cuidam ou não foram observadas nas consultas de rotina ou usam medicamentos caseiros para tratamento acabam sendo os principais agentes transmissores. Não é incomum. Os principais cuidados começam desde o início da vida: banho e higienização das mãos e dos alimentos conseguem evitar essa transmissão.”
José Gabel, membro do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria