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Apesar da confiança crescente, mulheres ainda ocupam fatia reduzida dos cargos eletivos

Passados 82 anos desde que as mulheres conquistaram o direito ao voto, a participação delas em cargos políticos continua desproporcional

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Carolina Samorano - Revista do CB Publicação:11/03/2014 08:30Atualização:11/03/2014 08:24

Manuela D'Ávila, deputada federal (PcdoB-RS) (Brizza Cavalcante/ Agencia Camara)
Manuela D'Ávila, deputada federal (PcdoB-RS)
O assunto é tão antigo que parece até clichê debatê-lo hoje em dia, em tempos em que o país tem no comando uma mulher eleita democraticamente e que leis asseguram uma participação mínima de mulheres nas eleições — a Lei nº 9.504/97, mais conhecida como Lei das Eleições, obriga que os partidos tenham um mínimo de 30% de candidaturas femininas em todos os pleitos, ainda que o cumprimento da regra encontre lá alguma resistência. Passados 82 anos desde que as mulheres conquistaram o direito ao voto, a participação delas em cargos políticos, porém, continua desproporcional. Sem dúvida, elas adentraram os espaços decisórios. O que falta, então, para conquistar mais cadeiras no Congresso, nas assembleias legislativas e nas prefeituras do país?

 

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Uma pesquisa recente do Ibope em parceria com o Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), divulgada em janeiro último, aponta que 41% dos brasileiros acreditam que o mundo seria melhor se as mulheres fossem maioria no meio político. Os que pensam o contrário são apenas 9%. Outros 45% dizem que daria na mesma. A média brasileira é a maior entre todos os 65 países participantes da pesquisa, que é de 34%.

No entanto, o que se vê na boca no povo não necessariamente se aplica às urnas, apesar da eleição histórica de Dilma Rousseff. Tanto no Legislativo quanto no Executivo, o sexo feminino é absoluta minoria. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, apenas 45 mulheres foram eleitas para as 513 cadeiras em disputa no último pleito, ou seja, 8,7% do total. As prefeitas são 12,8% e as governadoras, 7,4%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dados bastante discrepantes com o último registro do eleitorado feminino contabilizado pela instituição: o país conta hoje com quase 143 milhões de eleitores, dos quais 52% são mulheres.

Logo se percebe que a conta não fecha. Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a Revista investiga algumas razões desse fenômeno com ajuda de cientistas políticos e mulheres bem-sucedidas, que alcançaram postos eletivos.

A verdadeira “cláusula de barreira”
O argumento de que “o brasileiro não vota em mulher” é furado, garante a deputada federal Manuela D’Ávila (PcdoB-RS), eleita duas vezes com o maior número de votos no seu estado — a última delas, em 2010, com quase meio milhão. “Essa questão já foi respondida pela eleição da presidente Dilma em 2010 e pelos votos que teve a Marina Silva (na época, candidata à Presidência pelo Partido Verde e terceira mais votada no primeiro turno, com 19,33% dos votos) de maneira acachapante. Quando você tem uma mulher eleita presidente do país, não pode dizer que os brasileiros não votam em mulher”, resume a deputada.

Gleisi Hoffman, senadora (PT-PR)  (Iano Andrade/CB/D.A Press)
Gleisi Hoffman, senadora (PT-PR)
Aos 32 anos e desde os 23 em cargos políticos — em 2004, foi eleita a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre, com 10 mil votos —, Manuela acredita que a distorção tem a ver com o nosso desenho institucional. A Câmara, por exemplo, é renovada por voto proporcional, ou seja, o número de cadeiras ocupadas por um determinado partido depende do total de votos obtidos por ele. Assim, se um único candidato tem um eleitorado expressivo, acaba elegendo consigo outros nomes da lista. “É aí que você consegue aferir as maiores distorções do sistema. Os partidos se mostram em essência, assim como a captação de recursos. E é por aí que as mulheres são excluídas”, analisa Manuela.

Por isso mesmo, a deputada gaúcha se considera uma “exceção à regra”. O partido dela é, em números relativos, o mais feminino do Congresso, com cinco deputadas e uma senadora em suas fileiras. Uma importante diferença da legenda está na gestão de recursos — captados pelo próprio partido e não pelo parlamentar isoladamente. Outra característica a ser levada em conta é o sistema de lista fechada, em que o voto é dado não a um candidato específico, mas a uma lista de pessoas determinada pelo partido, em que os primeiros nomes têm prioridade. “A minha trajetória confirma que, se o sistema eleitoral do Brasil fosse diferente, teríamos mais mulheres e jovens na política”, diz. “Conheço outras (mulheres) com história no movimento estudantil, como eu, mas que tiveram uma trajetória distinta porque estão em partidos que agem dentro de uma lógica diferente.”

O que Manuela quer dizer é que, sem dinheiro, as chances de uma mulher ser bem- sucedida em uma campanha eleitoral são reduzidas. Esse é um dos principais fatores de exclusão das mulheres da vida política, confirma a cientista política Patrícia Rangel, doutora pela Universidade de Brasília e colaboradora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). “As mulheres ainda são a parcela da população que recebe menos rendimentos; 76% delas vivem em domicílios que têm renda mensal de até cinco salários mínimos”, diz a especialista. Como o financiamento de campanha no Brasil é particular, tem-se um entrave logo de partida.

A dupla jornada feminina também atrapalha, diz Patrícia. “Elas contam com menos tempo livre para se dedicar a atividades políticas, à filiação, à candidatura e mesmo à militância”, analisa a cientista. O que talvez explique por que, entre as parlamentares, as solteiras são 22%, enquanto os homens solteiros contam apenas 5%. “Vivemos em uma sociedade machista. Militar no movimento social é mais complexo para a mulher do que para o homem. Por isso, colocar a culpa só no sistema político também é errado”, complementa Manuela D’Ávila.

A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), ministra-chefe da Casa Civil até o mês passado, quando deixou o cargo para voltar a ocupar sua posição no Senado e se preparar para concorrer ao governo do Paraná nas eleições de outubro, faz coro. “A pouca presença da mulher no mundo público é muito recente ainda. Para se ter uma ideia, nas casas em que os casais coabitam, só 2% dos homens são os responsáveis pelas tarefas domésticas, e só 18% colaboram com suas companheiras. Isso é um impeditivo tático para que a mulher participe da política”, acrescenta.

A ex-ministra, filiada ao PT desde o final dos anos 1980, é uma das 11 senadoras do país (ao todo, são 81 cadeiras). Para ela, a cota de 30% de candidaturas femininas nos partidos não é suficiente para suprir o deficit de mulheres no ambiente político. “Precisamos de cota também para vagas no Legislativo”, diz. “Se as mulheres tivessem que ser, por exemplo, 30% dos parlamentares, os partidos certamente correriam atrás de eleger suas mulheres, ou seriam menos representados no Congresso”, complementa. Em 2006, quando concorreu pela primeira vez à única vaga disponível no Senado para o Paraná, angariou 2,3 milhões de votos. Não conseguiu derrotar Álvaro Dias (PSDB-PR), que concorria já ao terceiro mandato. Em 2010, foi eleita com mais de 3 milhões de votos, superando o número de eleitores do próprio governador do estado, Beto Richa (PSDB).

É por isso que as cientistas, pesquisadoras e políticas ouvidas pela reportagem discordam quando se levanta a hipótese da sub-representação feminina no poder porque o eleitor brasileiro assim determinou. “É uma afirmação preconceituosa, que coloca nas mãos das mulheres — já que são elas a maioria dos eleitores — a responsabilidade por não sermos bem representadas”, protesta Patrícia Rangel. “Falar que brasileiro não vota em mulher não é correto”, finaliza.

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