Também na política, mulheres precisam se esforçar mais do que os homens
Tanto que, muitas vezes, cabem a elas os temas da chamada 'política leve', com pautas mais sobre saúde, cuidado com idosos e políticas públicas do que os temas que tomam o centro do noticiário político diário
Carolina Samorano - Revista do CB
Publicação:11/03/2014 08:31Atualização: 11/03/2014 08:24
Três mandatos depois, nem tanta coisa assim mudou. “Por outra ótica, a gente ainda vê as pessoas olharem para você e duvidarem se você vai conseguir. E isso não vem nem de políticos, mas de pessoas da cidade”, observa. “Lembro de uma vez, em campanha, uma mulher olhar para mim e perguntar: ‘Mas a senhora é tão magrinha, vai dar conta?’”, continua a distrital (na composição da Casa, há somente cinco mulheres entre as 24 cadeiras). “Uma mulher precisa se esforçar mais do que o homem em qualquer espaço, mesmo no profissional. Em qualquer setor, são incitadas a demonstrar sua competência o tempo inteiro”, analisa.
Existe a percepção generalizada de que a política ainda é um ambiente masculino, dos bottons feitos para os parlamentares usarem nas lapelas do paletó às decisões tomadas fora das comissões, acompanhadas do uísque depois do expediente e apenas formalizadas nas sessões. O cenário acaba sendo não só intimidador, mas excludente. Tanto que, muitas vezes, cabem a elas os temas da chamada “política leve”, com pautas mais sobre saúde, cuidado com idosos e políticas públicas do que os temas que tomam o centro do noticiário político diário. Isso não é bom nem necessariamente ruim, na visão da cientista política Lúcia Avelar, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB).
“Tenho uma posição em relação a isso que difere um pouco do tom geral que corre”, ela diz. “Porque, quando você olha 70, 80 anos atrás na Europa, as mulheres pressionaram o Estado por políticas públicas e sociais justamente ligadas à família, a crianças, idosos e mulheres, conquistando coisas como, por exemplo, a possibilidade de colocar um filho na escola desde os primeiros meses de vida até o fim da sua formação em tempo integral. São políticas leves, mas fundamentais, e que afetam diretamente a qualidade de vida de uma população. Se as mulheres continuassem fortemente avançando com a tal política leve, teríamos um estado de bem-estar social efetivo no Brasil, seria uma revolução”, continua.
A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), eleita em 2010 com 160 mil votos e a mais votada de São Paulo na sua eleição para vereadora, em 2008, tem discurso parecido com o da professora da Unicamp. “As mulheres talvez tenham interesses diferentes dos masculinos. Alguém tem que pensar no que elas pensam. Tem muito homem também que gosta de ‘maquiagem’, que faz política de fachada”, provoca. Mara entrou para a política há oito anos. Antes à frente de uma ONG, a Projeto Próximo Passo, que fundou em 1997 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de portadores de deficiência, ela passou a perceber que só na organização provavelmente não conseguiria suprir as demandas das pessoas com as quais dialogava.
“Eu achava que odiava política, mas percebi que o que eu fazia já era política. Eu vivia falando com a imprensa, com a prefeitura, com as pessoas”, lembra Gabrilli. Com quatro anos de mandato no Legislativo, a deputada diz nunca ter sentido hostilidade por parte dos colegas, ainda que reconheça que o espaço político não é exatamente idealizado para a mulher. Na Câmara Municipal, em São Paulo, era a única mulher da bancada. Ainda assim, Mara acredita que a pouca quantidade de mulheres nos cargos eletivos não significa que a política não seja um exercício feminino. “A maioria das lideranças de bairro são mulheres. E elas mandam mesmo no lugar. Então é claro que a política está no perfil feminino”, conclui.
Essa história de mulher fazer política “como homem” gera desconfiança na psicóloga Célia Oliveira, especialista em liderança feminina. “A mulher precisa se concientizar da necessidade de sua participação na vida política, precisa aprender a ver sua própria interioridade, acreditar na sua inteligência e criar sua própria forma de ação, porque ela não é uma derivação masculina, é complementar ao masculino. Portanto, não precisa caminhar pela lógica e pela identidade masculinas”, pontua.
Engajamento em novos tempos
Há dois traços que se repetem entre as políticas profissionais: a maioria delas (67%) se diz de esquerda ou centro-esquerda, e muitas começaram a atuação política nos no do movimento estudantil.
O ELA (Esquerda Libertária Anticapitalista), anteriormente conhecido como Brasil e Desenvolvimento, é uma organização política que nasceu dentro da Universidade de Brasília, em 2007, a partir do interesse de alguns alunos em discutir temas relevantes, recorda a advogada Mayra Cotta, 27 anos. Ela e outros estudantes, todos ex-membros de gestões do centro acadêmico de direito, foram os primeiros integrantes. Aos poucos, a organização foi ganhando quórum. A médica Camila Damasceno, 24, ex-presidente do centro acadêmico de medicina e ex-integrante do Diretório Central dos Estudantes, chegou em 2011. Hoje, o ELA conta com 27 membros.
O grupo não é um partido político, mas no início do ano passado passou por um processo de “filiação em massa” ao Partido Socialismo e Liberdade (PSol). Tanto Mayra quanto Camila estiveram, recentemente, no noticiário relacionado às manifestações de rua. A advogada, que já trabalhou como assessora jurídica de parlamentares e na Secretaria Executiva da Casa Civil, chegou a ser citada como uma das organizadoras dos protestos em frente ao estádio Mané Garrincha às vésperas da abertura da Copa das Confederações, em junho passado. Por ser servidora do Palácio do Planalto, houve polêmica.
O grupo interage com diversos movimentos sociais, incluindo os sem-teto, o Movimento Honestinas e o Comitê Popular da Copa. “Também discutimos temas como machismo e feminismo, promovemos diálogos e divulgamos ações”, enumera Camila. Por enquanto, o ELA congrega mais homens que mulheres. “Temos a preocupação de crescer esse número. A política ainda é um ambiente muito árido para as mulheres”, reconhece.
Independentemente do sexo, é preciso coragem. Por expor suas opiniões publicamente (o ELA tem quase 3 mil fãs no Facebook), as jovens já enfrentaram muitas críticas. “Tem gente que acha que a gente participa de manifestações só para beneficiar os grupos dos quais fazemos parte. Existem preconceitos de vários tipos. Um muito comum, que ouvi na faculdade, era: ‘Se você gosta tanto de política, o que está fazendo na medicina?’”, lembra Camila.
Nenhuma das duas pretende concorrer a cargos eletivos. Mas também não descartam a possibilidade. “Talvez”, diz Camila. “Mas a gente entende que são importantes todas as formas de agir politicamente. Tanto nas ruas como com mandatos”, finaliza.
Evidente descompasso
O número de mulheres candidatas subiu expressivamente dos anos 1990 para cá, mas a quantidade de eleitas não acompanhou o ritmo. Segundo a cientista política Patrícia Rangel, isso demonstra o esforço dos partidos em preencher a cota de 30% de mulheres entre seus candidatos, sem, no entanto, investir na campanha delas. Confira:
Mulheres candidatas e eleitas
Câmara dos Deputados
Em 1998: 10,4% de candidatas // 5,6% eleitas
Em 2012: 19,4% de candidatas // 8,7% eleitas
Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do Distrito Federal
Em 1998: 12,9% de candidatas // 10% eleitas
Em 2012: 21,1% de candidatas // 12,8% eleitas
Câmaras Municipais:
Em 1996: 10,9% candidatas // 10,9% eleitas
Em 2012: 32,6% candidatas // 13,4% eleitas
Governos Estaduais
Em 1998: 8% candidatas // 3,7% eleitas
Em 2012: 11% de candidatas // 7,4% eleitas
Do alto de seus cargos
663 mulheres comandam prefeituras atualmente (12% do total).
45 mulheres foram eleitas deputadas federais nas eleições de 2010 (8,7% do total).
11 senadoras foram eleitas nas eleições de 2010 (13,3% do total).
2 mulheres ocupam o governo do seu estado pelas últimas eleições ( 7,4% do total).
156º é a posição do Brasil em um ranking de 188 países sobre presença das mulheres no Legislativo.
Fontes: Cfemea e Tribunal Superior Eleitoral
Saiba mais...
Quando a deputada distrital Arlete Sampaio (PT-DF) começou na política, ainda no movimento estudantil e, depois, no sindical e no Partido dos Trabalhadores, ouvia dos colegas que, por ser mulher, deveria se afastar de algumas ações do movimento, tais como se encarregar de dar carona aos rodoviários às 3h em tempos de greve. “Era mais no sentido de proteger do que outra coisa, não era exatamente discriminação. Mas porque eu era mulher, ouvia esse tipo de coisa. Aí eu dizia: ‘Vou e pronto’.”Três mandatos depois, nem tanta coisa assim mudou. “Por outra ótica, a gente ainda vê as pessoas olharem para você e duvidarem se você vai conseguir. E isso não vem nem de políticos, mas de pessoas da cidade”, observa. “Lembro de uma vez, em campanha, uma mulher olhar para mim e perguntar: ‘Mas a senhora é tão magrinha, vai dar conta?’”, continua a distrital (na composição da Casa, há somente cinco mulheres entre as 24 cadeiras). “Uma mulher precisa se esforçar mais do que o homem em qualquer espaço, mesmo no profissional. Em qualquer setor, são incitadas a demonstrar sua competência o tempo inteiro”, analisa.
Mara Gabrilli, deputada federal (PSDB-SP)
“Tenho uma posição em relação a isso que difere um pouco do tom geral que corre”, ela diz. “Porque, quando você olha 70, 80 anos atrás na Europa, as mulheres pressionaram o Estado por políticas públicas e sociais justamente ligadas à família, a crianças, idosos e mulheres, conquistando coisas como, por exemplo, a possibilidade de colocar um filho na escola desde os primeiros meses de vida até o fim da sua formação em tempo integral. São políticas leves, mas fundamentais, e que afetam diretamente a qualidade de vida de uma população. Se as mulheres continuassem fortemente avançando com a tal política leve, teríamos um estado de bem-estar social efetivo no Brasil, seria uma revolução”, continua.
A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), eleita em 2010 com 160 mil votos e a mais votada de São Paulo na sua eleição para vereadora, em 2008, tem discurso parecido com o da professora da Unicamp. “As mulheres talvez tenham interesses diferentes dos masculinos. Alguém tem que pensar no que elas pensam. Tem muito homem também que gosta de ‘maquiagem’, que faz política de fachada”, provoca. Mara entrou para a política há oito anos. Antes à frente de uma ONG, a Projeto Próximo Passo, que fundou em 1997 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de portadores de deficiência, ela passou a perceber que só na organização provavelmente não conseguiria suprir as demandas das pessoas com as quais dialogava.
“Eu achava que odiava política, mas percebi que o que eu fazia já era política. Eu vivia falando com a imprensa, com a prefeitura, com as pessoas”, lembra Gabrilli. Com quatro anos de mandato no Legislativo, a deputada diz nunca ter sentido hostilidade por parte dos colegas, ainda que reconheça que o espaço político não é exatamente idealizado para a mulher. Na Câmara Municipal, em São Paulo, era a única mulher da bancada. Ainda assim, Mara acredita que a pouca quantidade de mulheres nos cargos eletivos não significa que a política não seja um exercício feminino. “A maioria das lideranças de bairro são mulheres. E elas mandam mesmo no lugar. Então é claro que a política está no perfil feminino”, conclui.
Essa história de mulher fazer política “como homem” gera desconfiança na psicóloga Célia Oliveira, especialista em liderança feminina. “A mulher precisa se concientizar da necessidade de sua participação na vida política, precisa aprender a ver sua própria interioridade, acreditar na sua inteligência e criar sua própria forma de ação, porque ela não é uma derivação masculina, é complementar ao masculino. Portanto, não precisa caminhar pela lógica e pela identidade masculinas”, pontua.
Mayra Cotta e Camila Damasceno: face renovada da militância de esquerda
Há dois traços que se repetem entre as políticas profissionais: a maioria delas (67%) se diz de esquerda ou centro-esquerda, e muitas começaram a atuação política nos no do movimento estudantil.
O ELA (Esquerda Libertária Anticapitalista), anteriormente conhecido como Brasil e Desenvolvimento, é uma organização política que nasceu dentro da Universidade de Brasília, em 2007, a partir do interesse de alguns alunos em discutir temas relevantes, recorda a advogada Mayra Cotta, 27 anos. Ela e outros estudantes, todos ex-membros de gestões do centro acadêmico de direito, foram os primeiros integrantes. Aos poucos, a organização foi ganhando quórum. A médica Camila Damasceno, 24, ex-presidente do centro acadêmico de medicina e ex-integrante do Diretório Central dos Estudantes, chegou em 2011. Hoje, o ELA conta com 27 membros.
O grupo não é um partido político, mas no início do ano passado passou por um processo de “filiação em massa” ao Partido Socialismo e Liberdade (PSol). Tanto Mayra quanto Camila estiveram, recentemente, no noticiário relacionado às manifestações de rua. A advogada, que já trabalhou como assessora jurídica de parlamentares e na Secretaria Executiva da Casa Civil, chegou a ser citada como uma das organizadoras dos protestos em frente ao estádio Mané Garrincha às vésperas da abertura da Copa das Confederações, em junho passado. Por ser servidora do Palácio do Planalto, houve polêmica.
O grupo interage com diversos movimentos sociais, incluindo os sem-teto, o Movimento Honestinas e o Comitê Popular da Copa. “Também discutimos temas como machismo e feminismo, promovemos diálogos e divulgamos ações”, enumera Camila. Por enquanto, o ELA congrega mais homens que mulheres. “Temos a preocupação de crescer esse número. A política ainda é um ambiente muito árido para as mulheres”, reconhece.
Independentemente do sexo, é preciso coragem. Por expor suas opiniões publicamente (o ELA tem quase 3 mil fãs no Facebook), as jovens já enfrentaram muitas críticas. “Tem gente que acha que a gente participa de manifestações só para beneficiar os grupos dos quais fazemos parte. Existem preconceitos de vários tipos. Um muito comum, que ouvi na faculdade, era: ‘Se você gosta tanto de política, o que está fazendo na medicina?’”, lembra Camila.
Nenhuma das duas pretende concorrer a cargos eletivos. Mas também não descartam a possibilidade. “Talvez”, diz Camila. “Mas a gente entende que são importantes todas as formas de agir politicamente. Tanto nas ruas como com mandatos”, finaliza.
Evidente descompasso
O número de mulheres candidatas subiu expressivamente dos anos 1990 para cá, mas a quantidade de eleitas não acompanhou o ritmo. Segundo a cientista política Patrícia Rangel, isso demonstra o esforço dos partidos em preencher a cota de 30% de mulheres entre seus candidatos, sem, no entanto, investir na campanha delas. Confira:
Mulheres candidatas e eleitas
Câmara dos Deputados
Em 1998: 10,4% de candidatas // 5,6% eleitas
Em 2012: 19,4% de candidatas // 8,7% eleitas
Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do Distrito Federal
Em 1998: 12,9% de candidatas // 10% eleitas
Em 2012: 21,1% de candidatas // 12,8% eleitas
Câmaras Municipais:
Em 1996: 10,9% candidatas // 10,9% eleitas
Em 2012: 32,6% candidatas // 13,4% eleitas
Governos Estaduais
Em 1998: 8% candidatas // 3,7% eleitas
Em 2012: 11% de candidatas // 7,4% eleitas
Do alto de seus cargos
663 mulheres comandam prefeituras atualmente (12% do total).
45 mulheres foram eleitas deputadas federais nas eleições de 2010 (8,7% do total).
11 senadoras foram eleitas nas eleições de 2010 (13,3% do total).
2 mulheres ocupam o governo do seu estado pelas últimas eleições ( 7,4% do total).
156º é a posição do Brasil em um ranking de 188 países sobre presença das mulheres no Legislativo.
Fontes: Cfemea e Tribunal Superior Eleitoral