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Moda perigosa: atividade aeróbica em jejum ganha adeptos nas academias

Especialistas alertam para riscos de aderir à modalidade sem adotar cuidados necessários

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Carolina Cotta - Estado de Minas Publicação:25/03/2014 16:00Atualização:25/03/2014 15:06
Basta alguém aparecer mais magro e com o corpo definido para pedirem a receita. No mundo do emagrecer, qualquer novidade ganha status de método perfeito para perder peso. O que funciona para alguns pode não ser adequado para outros. Pior ainda é quando se adere à nova moda sem qualquer conhecimento dos seus benefícios e malefícios. A onda agora é o aeróbico em jejum, estratégia há muitos anos usada pelos fisioculturistas que agora divide opiniões ao ser adotada por “pessoas comuns”. Para alguns especialistas ela pode funcionar se forem seguidos alguns critérios. O perigo mesmo é quem entende o aeróbico em jejum como um aval para subir na esteira para correr sem nada na barriga.

Guilherme Corrêa é estudante de educação física e conheceu o método na internet, mas está tomando todas as precauções para não prejudicar a saúde  ( Leandro Couri/EM/D.A Press )
Guilherme Corrêa é estudante de educação física e conheceu o método na internet, mas está tomando todas as precauções para não prejudicar a saúde
Segundo o nutricionista esportivo Marcus Ávila, do Instituto Mineiro de Endocrinologia, esses atletas que buscam uma definição física expressiva começaram a fazer atividade aeróbica em jejum para aumentar a queima de gordura. A popularização de blogs fitness teria difundido a estratégia, que passou a ser usada por não atletas. Para Danusa Dias Soares, professora de fisiologia do exercício na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a atividade física em jejum é inadequada e perigosa. “Tem virado ‘moda’ por, muitas vezes, propiciar uma ‘perda de peso’ mais rápida. Entretanto, perder peso não significa emagrecer. O que pode ocorrer é a perda de peso por desidratação e perda de massa muscular”, alerta.

Foi assim com o estudante de educação física Guilherme Corrêa, de 19 anos. Apesar de ter um acompanhamento nutricional, ele descobriu o aeróbico em jejum na internet e depois de ver vários vídeos explicando o método resolveu aderir. Como não gosta muito do treino aeróbico, a baixa ou média intensidade do aeróbico em jejum caiu como uma luva. O universitário já diminuiu o percentual de gordura e percebeu uma maior definição muscular, mas tem adotado os cuidados para isso. Na noite anterior ao exercício aumentou o consumo de carboidrato e antes da atividade ingere aminoácidos e cafeína. Também tem feito esse tipo de treino por no máximo três semanas.

A empresária Camila Queiroz, de 35, teve uma primeira impressão negativa ao saber do aeróbico em jejum. “Achei que não conseguiria executar a atividade, mas quando comecei percebi que não era tão difícil quanto imaginava. Quase me sinto dependente”, confessa. Depois de procurar um especialista em nutrição esportiva, recebeu um planejamento para inicial ganho de massa magra e posterior perda de gordura. “Já faço o aeróbico em jejum há três meses e só percebi benefícios. Malho seis vezes por semana. Começo o dia com 40 minutos de aeróbico em jejum – uma caminhada com batimentos em torno de 120bpm – tomo café da manhã e vou para a faculdade. Retorno à academia à tarde para musculação”, conta.

O nutricionista Marcus Ávila defende que o aeróbico em jejum não deve ser adotado por qualquer pessoa, variando do perfil de quem malha. Não é indicado, por exemplo, para “pessoas comuns”. Segundo o especialista, os não atletas teriam um rendimento e benefícios melhores se usassem outros recursos, como o aeróbico alimentado combinado com atividade de força. Segundo Marcus, o aeróbico em jejum só pode ser feito por pessoas com hábito de treino e mesmo assim seguindo todos os pré-requisitos. “É preciso cuidar da hidratação. A ultima refeição do dia anterior tem que ter carboidrato porque é necessário ter alguma reserva”, explica.

O nutricionista Marcus Ávila avisa que o aeróbico em jejum não deve ser adotado por qualquer pessoa  ( Leandro Couri/EM/D.A Press )
O nutricionista Marcus Ávila avisa que o aeróbico em jejum não deve ser adotado por qualquer pessoa
A pessoa também tem que ingerir aminoácidos para evitar a perda de massa magra. E, principalmente, precisa respeitar a intensidade da atividade. “O aeróbico em jejum tem que ser 50% a 60% do consumo máximo de oxigênio. Isso é geralmente uma caminhada rápida, no máximo um trote. Por isso exige controle e conhecimento da frequência máxima, o que só quem tem hábito de treino sabe. A atividade deve durar no máximo 40 minutos e não pode ser combinada com musculação (o ideal é alternar os dias ou deixar a musculação para o final da tarde ou noite). Também trata-se de uma estratégia com período delimitado. O aeróbico alimentado é que se consegue levar adiante”, alerta.

METABOLISMO
Segundo o nutricionista, os benefícios são perceptíveis, principalmente a definição muscular, já que a atividade aeróbica em jejum utiliza muito a gordura subcutânea. A perda de gordura não chega a ser o dobro da perda com o exercício aeróbico e a pessoa alimentada, mas isso varia de pessoa para pessoa. Mas é preciso considerar os riscos. “O aeróbio em jejum aumenta a liberação de cortisol, hormônio que controla a quebra de proteína em aminoácidos. Isso faz a pessoa perder massa magra. O metabolismo cai de 20% a 25%, levando à economia de energia. O aeróbico em jejum também deixa o sangue mais ácido, provocando odores desagradáveis no hálito e suor. E como precisa estar na faixa dos 50% a 60% do consumo máximo de oxigênio, quem não conhece bem essa intensidade pode alterar o metabolismo negativamente”, diz.

Não existe mágica
Para a doutora em fisiologia Danusa Dias Soares, a prática de atividades físicas deve ser sempre realizada com acompanhamento especializado. É necessário que ela seja prescrita adequadamente, respeitando os limites individuais de cada pessoa. “A intensidade, a frequência, a duração, bem como o tipo da atividade física, são características fundamentais para a escolha de um programa adequado de treinamento”, alerta a especialista, que também chama a atenção para a importância do descanso entre as atividades. “E não existe mágica. A melhora no rendimento de qualquer atividade física só é alcançada por meio do binômio treinamento-alimentação adequada. A orientação de bons profissionais da área de educação física e nutrição na prescrição do treinamento e da alimentação é a chave de tudo”, diz.

Segundo a pesquisadora, na realização de exercícios precisamos de energia para a contração dos músculos esqueléticos. Essa energia vem principalmente dos carboidratos (açúcares) e lipídios (gorduras) presentes em nossa alimentação e armazenados em nossos músculos e fígado (carboidratos sob a forma de glicogênio) e também no nosso tecido adiposo (gorduras). Também temos gorduras intramusculares, ou seja, armazenadas em nossos músculos. Durante a atividade física, esses substratos energéticos são transportados até nossos músculos pela circulação sanguínea sob a forma de glicose e ácidos graxos livres (gorduras) para serem utilizados como fonte de energia. Usamos também as reservas de carboidratos (glicogênio) e gorduras localizadas nos próprios músculos em atividade.

As proteínas, portanto, não são usadas prioritariamente como fonte de energia pelo fato de serem importantes para o reparo, crescimento e proteção dos tecidos. Entretanto, quando estamos em jejum prolongado, e mais ainda quando associamos esse jejum a uma situação de maior gasto energético, como é o caso da prática de exercícios, passamos a usar as proteínas como fonte importante de energia. Isso se deve ao fato de o cérebro, que orquestra todas as tarefas necessárias ao bom funcionamento do organismo, se alimentar quase que exclusivamente de glicose, que vem das nossas reservas de carboidratos, obtidas via alimentação.

Quando fazemos exercício em jejum, há uma competição entre o cérebro e o músculo pela glicose. Assim, para preservar nosso cérebro, fundamental para as funções vitais, os músculos passam a usar uma de nossas maiores reservas, as proteínas, que constituem nossa massa magra, nossos próprios músculos. As proteínas dos músculos são então quebradas em seus constituintes, os aminoácidos, e alguns deles são, no fígado, transformados em glicose (um processo chamado gliconeogênese, ou seja, formação de uma nova glicose). Dependendo do tempo de jejum e da intensidade da atividade física, o indivíduo pode ter uma hipoglicemia, principalmente para suprir o sistema nervoso central. Isso pode levar a situações indesejáveis, como tonteira, confusão mental e desmaios, podendo evoluir para algo mais grave.

E por que nessas situações – de jejum acompanhado ou não de atividades físicas – não usamos as gorduras, já que temos uma grande reserva em nosso organismo, como principal fonte de energia? Segundo Danusa, para que possamos usar adequadamente as gorduras como fonte de energia, ou seja, os ácidos graxos, nossas células precisam da presença de algumas moléculas que só existem a partir da utilização (quebra) da glicose. “Existe, inclusive, na bioquímica, uma frase que diz: ‘As gorduras se queimam em uma chama de carboidratos’”.

Assim como o tecido muscular (massa magra) é mais pesado que o tecido adiposo (massa gordurosa) e também reserva mais água que a gordura, “perdemos” mais peso quando perdemos massa magra, pois também ficamos desidratados. “Perder massa magra não é adequado ao bom funcionamento do organismo. Nos casos de infecções e qualquer patologia, precisamos dela para nos recuperar. Fazer atividade física em jejum, portanto, nunca é recomendado”, alerta.

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