Malhação em jejum está na moda, mas prática é arriscada para a saúde
Batizada de AEJ, técnica que prega a prática de atividade física com o estômago vazio é polêmica. Apesar da queima de gordura, especialistas alertam para riscos à saúde
Andréa Silva
Publicação:27/05/2015 14:00Atualização: 27/05/2015 17:57
Já bem popular entre fisiculturistas, a AEJ vem ganhado cada vez mais adeptos nas academias entre pessoas que aderiram a musculação em busca do corpo prefeito. Doutor em química biológica e professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tiago Costa Leite é um estudioso do método. No Dia Nacional de Luta contra a Obesidade, em 23 de maio, ele participou de congresso em Belo Horizonte, no Uni-BH, para debater temas como exercícios em jejum e modulação nutricional. No evento, Leite apresentou estudos confirmando a eficácia de que atividades físicas praticadas de barriga vazia, além de emagrecer, proporcionam melhor rendimento ao longo do dia.
Embora afirme que o AEJ funciona, ele faz um alerta: a prática sem acompanhamento de profissionais pode causar danos à saúde e o método não é indicado a todas as pessoas. “O método é muito utilizado por atletas de alta performance, que geralmente têm um percentual de gordura muito baixo e um preparo físico muito acima da média da população”, afirma Leite.
Graduado também em educação física e nutrição, o especialista explica que muitos dos defensores da técnica maximizam o processo de emagrecimento. A base teórica do AEJ, segundo ele, é a seguinte: durante o sono, o corpo continua trabalhando, sem se alimentar acaba utilizando as reservas de glicogênio. Com seis ou oito horas dormindo, a reserva de glicogênio do organismo baixa, então ele passa utilizar a gordura como fonte de energia. Ou seja, ao acordar em jejum, o corpo queimará basicamente gordura, em detrimento de carboidratos. “Manter o organismo em privação de alimentos induz a maior queima de gorduras durante o esforço físico. Ao realizar o desjejum rico em carboidratos, o gasto de gordura diminui e, consequentemente, o carboidrato contido na refeição pré-treino passa a ser queimado”, explica.
GLICOGÊNIO
Já os contrários à prática do AEJ, de acordo com Leite, apontam como fatores negativos os possíveis efeitos colaterais, como a hipoglicemia – diminuição do nível de glicose no sangue – e a perda de massa magra. A hipoglicemia pode se instalar pelo fato de que as reservas de glicogênio corporal especialmente o glicogênio hepático (responsável por manter a glicemia dentro da faixa de normalidade) possa ter sido parcialmente absorvido após a noite de ono. Nesse caso, quando o glicogênio hepático é exaurido, a manutenção da glicemia decorre de outro processo, denominado gliconeogênese, a formação de um novo açúcar. O principal substrato para a gliconeogênese são os aminoácidos oriundos da degradação muscular.
“No meu ponto de vista não existem esses dois extremos que tentam colocar quando se aborda o tema. Posso afirmar que realmente há maior queima de gordura quando se pratica o AEJ, e que o resultado é melhor durante a atividade aeróbica”, informa o especialista. Segundo ele, em jejum, sem a glicose proveniente dos alimentos, o corpo usa um mecanismo de proteção que faz com que a pessoa diminua o consumo da glicose e aumente a utilização de gordura. Quem treina alimentado, tem a perda de gordura diminuída durante a atividade física, já que o corpo tem a glicose para gastar. Nesse caso, o organismo demora cerca de 30 minutos para começar a utilizar a gordura como fonte de energia.
RESSALVAS
A conclusão do estudo apresentado por Leite é que em jejum a queima de gordura é mais rápida. O fato de uma pessoa estar sem ou com pouco glicogênio residual pela manhã, consegue-se em pouco tempo de exercício a perda de peso exclusivamente em gordura, com apenas 20 ou 40 minutos no máximo. Como o organismo continua utilizando a gordura como fonte de energia pelo menos meia hora após o término da atividade física, para aproveitar ainda melhor a queima, o mais indicado é esperar esse tempo para fazer a primeira refeição, que deverá conter carboidrato, proteína e gordura boa.
Octávio Carneiro Siqueira da Costa é formado em educação físico, compete como fisioculturista e é adepto do AEJ há 10 anos. Ele confirma a eficácia do método, mas faz ressalvas para quem está pensando em aderi-lo como caminho para queimar gordura. Para Costa, somente pessoas acostumadas a praticar atividades física devem tentar o treino em jejum. Ainda assim, é imprescindível fazer exames fisiológicos e físicos e ter o acompanhamento de um médico, de um profissional da área de nutrição e só treinar ao lado do educador físico. “Não adianta colocar um sedentário, acima do peso, numa esteira, de jejum. Com certeza, ele vai se sentir mal”, explica Costa. Para Costa, o AEJ é só uma ferramenta de curto prazo, e não se deve estimular a prática de forma contínua.
Ajuda virtual
O aplicativo gratuito MyFitnessPal, disponível em português desde 2013, tem 85 milhões de usuários no mundo, sendo 1,5 milhão do Brasil. No banco de dados do contador de calorias estão cadastrados mais de 5 milhões de alimentos. O programa tem ajudado as pessoas a perder peso. Rafael Moreira Claro, professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, informa que o aplicativo é uma ferramenta eficaz para monitorar o consumo da caloria, mas diz que as pessoas não devem deixar de procurar a ajuda de um profissional para receber as orientações necessárias. “Esses instrumentos devem ser usados apenas como acessórios”, afirma.
Luciano Sales Prado, doutor em fisiologia do exercício do Departamento de Educação Física da UFMG
Foco em gasto de energia
Na hora das atividades físicas, usamos basicamente dois tipos de combustíveis: carboidrato e gordura. O objetivo das pessoas que fazem exercícios em jejum é gastar mais gordura. Elas se baseiam na ideia de que, graças ao estoque baixo de carboidrato, resultado de uma noite inteira sem comer, o treino feito antes de se alimentar usaria a gordura como fonte principal de energia. Não importa se na hora da atividade física se gastou mais carboidrato ou gordura, o que importa é que o treino leve a um gasto grande de energia. É o déficit calórico, quando se gasta mais energia do que se ingere, que faz emagrecer. Sendo assim, fazer exercício em jejum, mesmo que se gaste mais gordura, não significa que será mais eficiente para perder peso. Isso pode até levar à perda de massa magra. Quem pratica atividade física adequadamente alimentado, provavelmente consegue fazer mais exercício e logo gastar mais energia.
Saiba mais...
Existe uma fórmula ideal para perder peso e ganhar massa muscular? A resposta parece bem simples: alimentação balanceada mais atividade física. A recomendação da prática de exercícios de no mínimo meia hora e pelo menos três vezes por semana, comer de três em três horas e beber muita água é unânime entre especialistas em nutrição e educação física. As divergências são em relação ao volume e intensidade dos treinos, e o que se pode ou não comer, inclusive, antes e após a ginástica para um melhor resultado, levando em conta a singularidade e objetivo de cada pessoa. Método de emagrecimento bastante polêmico e que levanta muita discussões é a malhação com o estômago vazio. Batizada com a sigla AEJ (aeróbico em jejum), a técnica consiste na prática de atividades aeróbicas, de baixa ou moderada intensidade, logo após acordar, com duração de 20 a 30 minutos, com o objetivo de diminuir a gordura corporal.Já bem popular entre fisiculturistas, a AEJ vem ganhado cada vez mais adeptos nas academias entre pessoas que aderiram a musculação em busca do corpo prefeito. Doutor em química biológica e professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tiago Costa Leite é um estudioso do método. No Dia Nacional de Luta contra a Obesidade, em 23 de maio, ele participou de congresso em Belo Horizonte, no Uni-BH, para debater temas como exercícios em jejum e modulação nutricional. No evento, Leite apresentou estudos confirmando a eficácia de que atividades físicas praticadas de barriga vazia, além de emagrecer, proporcionam melhor rendimento ao longo do dia.
Embora afirme que o AEJ funciona, ele faz um alerta: a prática sem acompanhamento de profissionais pode causar danos à saúde e o método não é indicado a todas as pessoas. “O método é muito utilizado por atletas de alta performance, que geralmente têm um percentual de gordura muito baixo e um preparo físico muito acima da média da população”, afirma Leite.
Graduado também em educação física e nutrição, o especialista explica que muitos dos defensores da técnica maximizam o processo de emagrecimento. A base teórica do AEJ, segundo ele, é a seguinte: durante o sono, o corpo continua trabalhando, sem se alimentar acaba utilizando as reservas de glicogênio. Com seis ou oito horas dormindo, a reserva de glicogênio do organismo baixa, então ele passa utilizar a gordura como fonte de energia. Ou seja, ao acordar em jejum, o corpo queimará basicamente gordura, em detrimento de carboidratos. “Manter o organismo em privação de alimentos induz a maior queima de gorduras durante o esforço físico. Ao realizar o desjejum rico em carboidratos, o gasto de gordura diminui e, consequentemente, o carboidrato contido na refeição pré-treino passa a ser queimado”, explica.
GLICOGÊNIO
Já os contrários à prática do AEJ, de acordo com Leite, apontam como fatores negativos os possíveis efeitos colaterais, como a hipoglicemia – diminuição do nível de glicose no sangue – e a perda de massa magra. A hipoglicemia pode se instalar pelo fato de que as reservas de glicogênio corporal especialmente o glicogênio hepático (responsável por manter a glicemia dentro da faixa de normalidade) possa ter sido parcialmente absorvido após a noite de ono. Nesse caso, quando o glicogênio hepático é exaurido, a manutenção da glicemia decorre de outro processo, denominado gliconeogênese, a formação de um novo açúcar. O principal substrato para a gliconeogênese são os aminoácidos oriundos da degradação muscular.
“No meu ponto de vista não existem esses dois extremos que tentam colocar quando se aborda o tema. Posso afirmar que realmente há maior queima de gordura quando se pratica o AEJ, e que o resultado é melhor durante a atividade aeróbica”, informa o especialista. Segundo ele, em jejum, sem a glicose proveniente dos alimentos, o corpo usa um mecanismo de proteção que faz com que a pessoa diminua o consumo da glicose e aumente a utilização de gordura. Quem treina alimentado, tem a perda de gordura diminuída durante a atividade física, já que o corpo tem a glicose para gastar. Nesse caso, o organismo demora cerca de 30 minutos para começar a utilizar a gordura como fonte de energia.
RESSALVAS
A conclusão do estudo apresentado por Leite é que em jejum a queima de gordura é mais rápida. O fato de uma pessoa estar sem ou com pouco glicogênio residual pela manhã, consegue-se em pouco tempo de exercício a perda de peso exclusivamente em gordura, com apenas 20 ou 40 minutos no máximo. Como o organismo continua utilizando a gordura como fonte de energia pelo menos meia hora após o término da atividade física, para aproveitar ainda melhor a queima, o mais indicado é esperar esse tempo para fazer a primeira refeição, que deverá conter carboidrato, proteína e gordura boa.
Octávio Carneiro Siqueira da Costa é formado em educação físico, compete como fisioculturista e é adepto do AEJ há 10 anos. Ele confirma a eficácia do método, mas faz ressalvas para quem está pensando em aderi-lo como caminho para queimar gordura. Para Costa, somente pessoas acostumadas a praticar atividades física devem tentar o treino em jejum. Ainda assim, é imprescindível fazer exames fisiológicos e físicos e ter o acompanhamento de um médico, de um profissional da área de nutrição e só treinar ao lado do educador físico. “Não adianta colocar um sedentário, acima do peso, numa esteira, de jejum. Com certeza, ele vai se sentir mal”, explica Costa. Para Costa, o AEJ é só uma ferramenta de curto prazo, e não se deve estimular a prática de forma contínua.
Ajuda virtual
O aplicativo gratuito MyFitnessPal, disponível em português desde 2013, tem 85 milhões de usuários no mundo, sendo 1,5 milhão do Brasil. No banco de dados do contador de calorias estão cadastrados mais de 5 milhões de alimentos. O programa tem ajudado as pessoas a perder peso. Rafael Moreira Claro, professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, informa que o aplicativo é uma ferramenta eficaz para monitorar o consumo da caloria, mas diz que as pessoas não devem deixar de procurar a ajuda de um profissional para receber as orientações necessárias. “Esses instrumentos devem ser usados apenas como acessórios”, afirma.
Luciano Sales Prado, doutor em fisiologia do exercício do Departamento de Educação Física da UFMG
Foco em gasto de energia
Na hora das atividades físicas, usamos basicamente dois tipos de combustíveis: carboidrato e gordura. O objetivo das pessoas que fazem exercícios em jejum é gastar mais gordura. Elas se baseiam na ideia de que, graças ao estoque baixo de carboidrato, resultado de uma noite inteira sem comer, o treino feito antes de se alimentar usaria a gordura como fonte principal de energia. Não importa se na hora da atividade física se gastou mais carboidrato ou gordura, o que importa é que o treino leve a um gasto grande de energia. É o déficit calórico, quando se gasta mais energia do que se ingere, que faz emagrecer. Sendo assim, fazer exercício em jejum, mesmo que se gaste mais gordura, não significa que será mais eficiente para perder peso. Isso pode até levar à perda de massa magra. Quem pratica atividade física adequadamente alimentado, provavelmente consegue fazer mais exercício e logo gastar mais energia.