Pele delicada de quem tem diabetes esconde uma série de perigos

A doença traz importantes mudanças na circulação sanguínea e na espessura de pele

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Gláucia Chaves - Revista do CB Publicação:31/03/2014 16:00Atualização:31/03/2014 08:59
Quando alguém se descobre diabético, o primeiro pensamento é na dieta, mas o impacto na rotina não para aí. De acordo com a dermatologista Cristina Salaro, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), os diabéticos estão mais propensos a ter pele seca, prurido e infecções por fungos e/ou bactérias. Por isso, além de selecionar bem o que vai no prato, a recomendação geral dos especialistas é cuidar da pele.

Se o paciente já sofria alterações na epiderme, a diabetes agrava o quadro. “A pele do diabético é mais fina e xerótica, ou seja, mais ressecada”, esclarece Cristina Salaro. Banhos quentes e demorados estão fora de cogitação. Jane Dullius, especialista em educação em diabetes e coordenadora do Programa de Educação em Diabetes Doce Desafio, explica que, por conta da hiperglicemia, os diabéticos também se desidratam mais facilmente.

Hélio Barbosa traz na pele as manchas características da diabetes (	Janine Moraes/CB/D.A Press)
Hélio Barbosa traz na pele as manchas características da diabetes
A desidratação atinge a pele, que é o principal órgão excretor do corpo. “A glicose é hidrofílica. Quando em excesso, rouba água do organismo”, detalha a especialista. “Associado a isso, temos o fato de que a vascularização do diabético tende a estar prejudicada, principalmente em nível periférico”, completa. Em outras palavras, a hiperglicemia prejudica os pequenos vasos sanguíneos responsáveis pelo transporte de nutrientes para pele e órgãos.

“Muito frequentemente, o diabético é hipertenso”, esclarece Dullius. “O problema, se tratado de forma excessiva, hipermedicalizada, causa redução da frequência cardíaca”, detalha. Isso tudo piora ainda mais a circulação periférica — e, novamente, a pele será o principal órgão atingido. A pele seca fica suscetível a rachaduras, que evoluem para feridas. Aí temos mais um complicador: diabéticos têm a cicatrização dificultada (em razão da vascularização deficiente). Trata-se, portanto, de um círculo vicioso, cuja consequência mais severa é a amputação do membro afetado.

Samanta Nunes, dermatologista, explica que, embora a indústria cosmética esteja começando a olhar com mais cuidado para os diabéticos, o mais importante continua sendo controlar a glicemia. “O hidratante é importante como uma prevenção, por deixar a pele mais resistente para driblar as alterações”, pondera. A importância do uso do hidratante, segundo a médica, vai além da barreira de proteção criada na pele — espalhar o creme é uma oportunidade de autoexame.

Lúcia demorou a descobrir a doença, o que pôs em risco seus pés (Janine Moraes/CB/D.A Press)
Lúcia demorou a descobrir a doença, o que pôs em risco seus pés
O dermatologista Marcos Bonassi, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Academia Americana de Dermatologia, explica que os diabéticos também podem ter a chamada dermatopatia diabética, ou pequenas atrofias na pele. Com coloração acastanhada ou marrom, a condição acomete, principalmente, as pernas. “A pessoa começa a ter essas manchas na região anterior da pele, com 1,2cm ou 3cm, deprimidas e escuras”, detalha. As manchas também são culpa da esclerose sofrida pelos vasos sanguíneos.

O aposentado Hélio Barbosa, 64 anos, tem manchas marrons na pele. Ele descobriu ser diabético em 1992 e, desde então, tem pouca sensibilidade nos pés. Quando ainda não sabia muito bem como se cuidar, sofreu com o sintomas. “As taxas de glicemia estavam bem altas e meu pé foi inchando. Eu não conseguia nem andar, porque doía demais”, relata. Além da dor, Hélio conta que sentia pequenos choques intermitentes, inclusive durante a noite, o que transformava o sono em uma sucessão de pequenas sonecas. Depois, vieram as manchas — e as visitas ao ortopedista.

O médico garantiu: Hélio não estava com nenhuma infecção, mas precisava mudar de vida. Hoje, ele toma remédios, vai ao médico regularmente e aceitou o creme hidratante como parte do tratamento. “O ortopedista me disse que um dos mandamentos do diabético é olhar os pés todos os dias, para ver se não tem feridas ou rachaduras”, ensina. “Não quero ter infecções, porque minha circulação vai fazer com que a cura seja muito difícil.”

Mais vulneráveis
Alguns problemas de pele comuns a pacientes diabéticos:

Acantose nigricans: acomete exclusivamente pacientes diabéticos. Caracteriza-se por manchas escuras nas áreas de dobras, como axilas, virilha e pescoço.
Necrobiose lipoídica: doença em que há degeneração do colágeno e acúmulo de gordura na pele. Nem todos os diabéticos têm a doença, mas todos que a têm, são diabéticos.
Xantelasmas: pequenos nódulos esbranquiçados ou amarelados que podem aparecer em articulações, pálpebras, joelhos e cotovelos

Fonte: Marcos Bonassi, dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Academia Americana de Dermatologia.

Cuidados básicos
Os banhos devem ser rápidos e em temperatura morna ou fria, para não ressecar ainda mais a pele
Não usar bucha para evitar traumas na pele
Usar hidratante para o corpo, ao menos uma vez ao dia
Secar com cuidado a região entre os dedos dos pés, para evitar fungos e bactérias
Inspecionar os pés ao menos uma vez por semana, para garantir que não há fissuras, machucados ou infecções
Manter os níveis glicêmicos sempre controlados
Preferir calçados confortáveis
Não deixar cantos pontiagudos ao cortar as unhas
Depilação sempre de maneira delicada
Não espremer pelos encravados ou espinhas

Fontes: Marcos Bonassi, dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Academia Americana de Dermatologia; Cristina Salaro, dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Altamiro Rodrigues sofreu as consequências de não controlar a glicemia (Janine Moraes/CB/D.A Press)
Altamiro Rodrigues sofreu as consequências de não controlar a glicemia
Controle diário
Eliziane Brandão Leite, endocrinologista e responsável técnica da Clínica Diabetes Brasília, reforça que casos como o de Hélio Barbosa acontecem por conta das variações no nível de glicose, tanto para mais (hiperglicemia) quanto para menos (hipoglicemia). “A falta de insulina deixa a pele mais fina e menos elástica, com dificuldades de cicatrização”, detalha. “A elevação da glicose, ao longo dos anos, causará alterações de circulação e de sensibilidade (nervos lesados ou neuropatia).”

A médica salienta que, apesar da maior vulnerabilidade dos pacientes com diabetes a todas essas condições, desenvolver problemas de pele não é consequência direta da doença. Quando controlada, a diabetes pode não apresentar qualquer manifestação cutânea. “Os pacientes devem saber as metas para manter a diabetes controlada”, completa. “Assim, poderemos controlar as alterações, inclusive as de pele.”

Na vida do diabético, os pés inspiram cuidados. A circulação sanguínea ineficiente faz com que esta seja a parte do corpo mais vulnerável. Como a sensibilidade decai, um machucado pequeno pode passar despercebido e infeccionar. A condição é tão comum que é conhecida como “pé diabético”. Secar muito bem entre os dedos, manter a pele bem hidratada e usar hidratantes com ureia são medidas essenciais, avisa Eliziane Brandão. “Amputações por conta de problemas no pé são comuns entre diabéticos”, lamenta a médica.

Lúcia Honorina Pereira de Jesus, 52 anos, e Altamiro Rodrigues, 48, sabem bem disso. Ela descobriu a doença em março do ano passado, mas já estava com níveis elevados de glicose. Uma bolha na sola do pé que não sarava a fez ir ao hospital e, lá mesmo, um dedo do pé direito precisou ser amputado. “Tive a infecção porque a glicose estava alta. Eu não sabia que tinha diabetes, por isso, não me cuidava”, justifica a dona de casa. Hoje, sua conduta é exemplar: mede a glicemia, não come massas e doces e usa hidratante após o banho.

O caso de Altamiro Rodrigues foi mais sério. Diabético desde 2000, ele não deu muita importância às recomendações médicas. Não mudou nada na rotina e, em 2010, também teve fissuras no pé. A demora para procurar um médico e a saúde precária fizeram com que a situação se agravasse rapidamente. “Quando cheguei ao hospital, meu dedos já estavam comprometidos”, relembra. “Tive que amputar todos e a metade do pé.” Hoje em dia, Altamiro admite que segue o tratamento “meio errado”, mas já está consciente dos cuidados.

Além de facilitar a instalação de fungos nos pés, o dermatologista Marcos Bonassi explica que o açúcar em nível aumentado no sangue dificulta o tratamento. “Por vezes, o paciente precisará de mais medicação e tempo para ter o mesmo resultado de um não diabético”, diz. Outra regra de ouro é não subestimar pequenas lesões. “Uma micose ou frieira inocente pode ser porta para uma bactéria qualquer”, alerta o médico.

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