Mal para a saúde e o ambiente: pesquisa revela alta concentração de níquel e chumbo em joias e bijus
Três em cada cinco peças analisadas apresentaram alguma quantidade de níquel, enquanto uma em cada quatro continha chumbo
Pedro Rocha Franco - Estado de Minas
Publicação:19/04/2014 08:24
Sabe aquela irritação na orelha ou aquela coceira constante no pescoço? A explicação, em parte, pode ter sido desvendada por uma pesquisa do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho mostra que joias e bijuterias fabricadas no Brasil e no exterior contêm elevadas concentrações de níquel e chumbo. Três em cada cinco peças analisadas apresentaram alguma quantidade de níquel, enquanto uma em cada quatro continha chumbo. A presença de níquel em um dos objetos verificados chegou a 98%, segundo o pesquisador, autor da tese de doutorado sobre o tema, o químico José Augusto da Col. Pelos testes, itens que diziam conter prata não tinham nenhum percentual do metal.
A ideia do estudo teve início com uma viagem da orientadora de Col à Espanha. Lá, ela adquiriu mais de uma dezena de bijuterias para que fossem analisadas pelo doutorando brasileiro. Em seu retorno, os dois juntaram outros brincos, colares, pulseiras e piercings, totalizando 107 amostras, entre produtos adquiridos no Brasil e na Espanha.
Os itens foram submetidos a testes de fluorescência de raios X. As joias e bijuterias eram limpas com lenço de papel e submetidas ao equipamento. Os raios X interagiam com a amostra, emitindo raios X secundários. Pela energia gerada pelos raios secundários, era possível verificar quais elementos estavam presentes na amostra; pela intensidade, a quantidade de material presente no objeto. Não há registro de metodologia similar no Brasil, segundo a Unicamp. Dois espectrômetros foram usados no processo – um portátil e outro em bancada fixa. Pelo primeiro, a análise era feita em cinco segundos. Entre as peças analisadas com presença de um dos dois metais pesquisados pelo equipamento portátil, o nível de concentração médio de níquel foi de 23%, enquanto na bancada o percentual subia para 32%. A concentração varia de 0,02% a 98%. A presença do chumbo oscilou entre 4% e 10%. Em 80% dos piercings, havia níquel e, em 10%, chumbo.
No Brasil, não há legislação específica para regular a quantidade permitida de tais elementos. Na União Europeia, em contrapartida, o nível máximo liberado é de 0,05% para níquel, e 0% para chumbo. A lei foi revisada e hoje é considerada a taxa de migração dos elementos, calculada de acordo com tempo de uso e outros parâmetros adotados. Mas, segundo o pesquisador, pela antiga regra é possível verificar o quanto acima está a média. Em relação ao que se verificou na bancada fixa, grande parte das peças (as brasileiras e as adquiridas na Espanha) apresentou nível de metais 64 mil vezes superior ao que era permitido nos países europeus.
As amostras compradas em Madri eram de origem indiana e chinesa. Alguns desses produtos continham a indicação da ausência de níquel e chumbo em sua composição (Ni free e Lead free), o que não se revelou pela análise de algumas peças. Os acessórios comprados no Brasil tinham procedência mexicana, filipina, chinesa e indiana. Os demais, sem indicação, foram atribuídos como nacionais. Por causa da falta de legislação capaz de restringir a importação e mesmo a produção de peças com elementos tóxicos, no ano passado, outro pesquisador identificou presença de cádmio em produtos chineses apreendidos pela Receita Federal, substância com capacidade de contaminação tão grande ou maior que o níquel e o chumbo.
“Esses metais são capazes de induzir processos alérgicos nas pessoas”, afirma José Augusto da Col. Não à toa, a Sociedade Americana de Dermatite de Contato, em 2008, elegeu o níquel o agente alérgico do ano. Contaminações mais graves, no entanto, são bem mais complicadas de ocorrer. Segundo ele, a pessoa teria que ficar exposta a muita quantidade para haver transferência para o organismo, além de ser necessário haver o processo de corrosão da joia. Caso isso ocorra, o chumbo pode atacar os sistemas renal e nervoso.
CONTROLE DE QUALIDADE Além de afetar os seres humanos, outra preocupação do pesquisador da Unicamp é que, se jogadas no meio ambiente, as peças podem contaminar a natureza. A melhoria no controle de qualidade dos adornos seria outro benefício para os usuários a partir da aplicação do uso da metodologia desenvolvida por José Augusto da Col. Com o aparelho portátil, caso houvesse legislação, seria possível ao fiscal analisar dezenas de objetos em questão de minutos, punindo, assim, possíveis infratores. Para os compradores de joias e bijuterias, enquanto não há nenhuma regra – muito menos fiscalização –, a solução é buscar locais confiáveis. “É preciso comprar em local de melhor procedência”, diz. Ele lembra que um item de camelô que dizia ter prata não tinha nem resquício do metal.
Em relação aos métodos antes usados, a principal vantagem desenvolvida pelo pesquisador é que os processos antigos são destrutivos e indiretos, além de gerar resíduos tóxicos, enquanto o método mais atual é rápido, de baixo custo e limpo, além de não ser destrutivo. Ou seja, preserva as propriedades das peças analisadas. “Apesar da exatidão desses métodos clássicos, a análise com reagentes pode levar a perdas e contaminações. Além disso, ela gera resíduos tóxicos e necessita de um tempo considerável, o que acaba diminuindo a frequência das análises”, acrescenta o químico.
Material escolar é verificado
O químico e pesquisador da Unicamp José Augusto da Col avaliou também materiais escolares, como a tinta guache, a massa de modelar e o giz de cera. Neste caso, não foram identificadas quantidades significativas de elementos tóxicos na maioria das amostras. Para as análises desses produtos, o pesquisador associou técnicas de quimiometria, área que trata da aplicação de métodos estatísticos e matemáticos em dados de origem química. “Apenas três potes de guache apresentaram o elemento bromo, e um giz de cera, o bário. São concentrações pequenas, mas elas já antecipam a necessidade de estudos mais detalhados para esses materiais”, afirma.
* As peças que aparecem nas fotos são bijuterias e não participaram do estudo.
Estudo confirmou a presença de materiais pesados na maioria dos produtos avaliados. Entre eles, estavam peças importadas da Índia e da China
Os itens foram submetidos a testes de fluorescência de raios X. As joias e bijuterias eram limpas com lenço de papel e submetidas ao equipamento. Os raios X interagiam com a amostra, emitindo raios X secundários. Pela energia gerada pelos raios secundários, era possível verificar quais elementos estavam presentes na amostra; pela intensidade, a quantidade de material presente no objeto. Não há registro de metodologia similar no Brasil, segundo a Unicamp. Dois espectrômetros foram usados no processo – um portátil e outro em bancada fixa. Pelo primeiro, a análise era feita em cinco segundos. Entre as peças analisadas com presença de um dos dois metais pesquisados pelo equipamento portátil, o nível de concentração médio de níquel foi de 23%, enquanto na bancada o percentual subia para 32%. A concentração varia de 0,02% a 98%. A presença do chumbo oscilou entre 4% e 10%. Em 80% dos piercings, havia níquel e, em 10%, chumbo.
No Brasil, não há legislação específica para regular a quantidade permitida de tais elementos. Na União Europeia, em contrapartida, o nível máximo liberado é de 0,05% para níquel, e 0% para chumbo. A lei foi revisada e hoje é considerada a taxa de migração dos elementos, calculada de acordo com tempo de uso e outros parâmetros adotados. Mas, segundo o pesquisador, pela antiga regra é possível verificar o quanto acima está a média. Em relação ao que se verificou na bancada fixa, grande parte das peças (as brasileiras e as adquiridas na Espanha) apresentou nível de metais 64 mil vezes superior ao que era permitido nos países europeus.
Brincos e anéis estão entre os objetos analisados e foram submetidos a testes de fluorescência de raios X
“Esses metais são capazes de induzir processos alérgicos nas pessoas”, afirma José Augusto da Col. Não à toa, a Sociedade Americana de Dermatite de Contato, em 2008, elegeu o níquel o agente alérgico do ano. Contaminações mais graves, no entanto, são bem mais complicadas de ocorrer. Segundo ele, a pessoa teria que ficar exposta a muita quantidade para haver transferência para o organismo, além de ser necessário haver o processo de corrosão da joia. Caso isso ocorra, o chumbo pode atacar os sistemas renal e nervoso.
Pulseiras também passaram pelo espectrômetro que avaliou o material de que eram feitas
Em relação aos métodos antes usados, a principal vantagem desenvolvida pelo pesquisador é que os processos antigos são destrutivos e indiretos, além de gerar resíduos tóxicos, enquanto o método mais atual é rápido, de baixo custo e limpo, além de não ser destrutivo. Ou seja, preserva as propriedades das peças analisadas. “Apesar da exatidão desses métodos clássicos, a análise com reagentes pode levar a perdas e contaminações. Além disso, ela gera resíduos tóxicos e necessita de um tempo considerável, o que acaba diminuindo a frequência das análises”, acrescenta o químico.
Material escolar é verificado
O químico e pesquisador da Unicamp José Augusto da Col avaliou também materiais escolares, como a tinta guache, a massa de modelar e o giz de cera. Neste caso, não foram identificadas quantidades significativas de elementos tóxicos na maioria das amostras. Para as análises desses produtos, o pesquisador associou técnicas de quimiometria, área que trata da aplicação de métodos estatísticos e matemáticos em dados de origem química. “Apenas três potes de guache apresentaram o elemento bromo, e um giz de cera, o bário. São concentrações pequenas, mas elas já antecipam a necessidade de estudos mais detalhados para esses materiais”, afirma.
* As peças que aparecem nas fotos são bijuterias e não participaram do estudo.