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Brincadeiras antigas podem ajudar no amadurecimento físico e cognitivo mais completo das crianças

Ao despertarem nos filhos o interesse por brincadeiras tradicionais, as famílias também ajudam a enriquecer as relações sociais de meninos e meninas

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Correio Braziliense Publicação:02/05/2014 08:00Atualização:02/05/2014 08:09
Sir Jean William Fritz Piaget foi um epistemólogo suíço e é considerado um dos mais importantes pensadores do século 20. Formado em biologia e doutor em psicologia e educação, dedicou-se ao estudo do conhecimento, principalmente de como o desenvolvimento cognitivo se dá ao longo da vida. Criou, a partir de pesquisas e por meio da observação diária dos próprios filhos, a Teoria Cognitiva, que deu aos psicólogos a certeza de que a construção do ser humano é um processo que vai acontecendo na infância. Segundo Piaget, a construção da personalidade se dá pela interação e pela completa utilização dos cinco sentidos da criança. Os brinquedos de hoje, porém, estimulam um ou no máximo dois desses sentidos. Quando muito, a criança precisa usar, além da visão, a audição ao jogar o videogame. Isso, alertam especialistas, pode resultar em uma geração com características físicas e psicológicas completamente diferentes das que estamos acostumados.

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“Até pouco tempo atrás, havia uma aproximação, por parte da criança, da concretude cotidiana, o que permitia que ela tivesse uma clara percepção do que era real e do que não era. Ou seja, jogava-se Atari ao mesmo tempo em que se pulava corda e se construía carrinho de rolimã. Transitava-se entre o virtual e o real. Usavam-se os cinco sentidos. Com a apresentação mais precoce ao mundo virtual, há a perda dessa concretude e da utilização dos sentidos para conferir à vida a sua realidade”, analisa Marla Siomonini Teixeira. De acordo com a psicopedagoga e psicóloga, os avanços tecnológicos geram uma troca, em termos de qualidade, entre o real e o virtual, apresentando às crianças um mundo dúbio. “Ele existe e, ao mesmo tempo, não”, explica Teixeira.

Pular amarelinha é a brincadeira preferida de Laura, que não tem eletrônicos no quarto  (Janine Moraes/CB/D.A Press)
Pular amarelinha é a brincadeira preferida de Laura, que não tem eletrônicos no quarto
Diretora da Escola Infantil Montessoriana, Andréa Adjuto lembra que, para se divertir, a criança de hoje precisa muitas vezes apenas pressionar um botão. Os amigos estão longe, as relações são virtuais, e o toque, o contato, a imaginação e as relações interpessoais tornaram-se sentimentos e sensações de museu. “Há 30 anos, as crianças eram mais tranquilas, vivendo realmente a infância. Hoje, tendem ao individualismo, são mais competitivas”, analisa. A comodidade e os fatores sociais, como a violência e a densidade populacional, segundo a especialista, também conduzem essa mudança de personalidade.

Soraya e Alexandre Carvalho, 37 e 46 anos, respectivamente, são pais de Isabela Maria, 5, e David Augusto, 3. Ambos são tão preocupados com o desenvolvimento dos filhos que, quando casaram, escolheram o local onde morariam justamente por conta da proximidade da escola em que gostariam de matricular a futura prole “Alexandre e eu percebemos que a chegada dos nossos filhos demandava de nós orientações seguras para desenvolvermos com qualidade o nosso maior projeto comum, que é educá-los”, conta Soraya. Também por essa razão, procuraram o Instituto Brasileiro da Família (IBF) e se matricularam no curso Primeiros Passos antes de Isabela nascer. “Considero a proposta do curso uma preciosidade para pais interessados em obter ferramentas eficazes para a educação na primeira infância. O brincar é um elemento fundamental que pode ser muito bem mediado pelos pais com uma boa dose de dedicação e criatividade”, garante Soraya.

Preparados para mostrar como é divertido brincar fora do mundo digital, Soraya e Alexandre procuram desenvolver brincadeiras que favoreçam a criatividade e a interação dos filhos com outras pessoas. “Sou avessa ao comodismo de deixar as crianças na televisão horas a fio. Procuro relembrar a minha infância e planejar com elas atividades de artesanato em casa e outras ao ar livre. Estou convencida de que, em diversas situações, podemos ser o melhor brinquedo para os nossos filhos. A atenção que dispensamos a eles ao rolarmos juntos no chão, brincarmos de pique-esconde ou de pique-pega é capaz de comunicar amor, segurança e fortalecer a autoestima”, diz Soraya. A matriarca da família Carvalho tem certeza de que esses momentos de interação familiar farão parte das boas lembranças da infância que os filhos terão.

Leonardo vende até 150 carrinhos de rolimã por mês. Entre os clientes, pais saudosistas (	Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Leonardo vende até 150 carrinhos de rolimã por mês. Entre os clientes, pais saudosistas
Falta interesse
A psicopedagoga e psicóloga Marla Simonini reforça também a importância da participação dos pais na promoção de um crescimento mais saudável dos pequenos. Eles são os responsáveis por disponibilizar aos meninos e às meninas as alternativas que consideram adequadas ao amadurecimento físico e cognitivo. “Depende de como o adulto apresenta à criança as possibilidades de brincar. Ainda existem todo o material para fabricar o carrinho de rolimã, o papel para a pipa e o giz para marcar a amarelinha no concreto. No entanto, aparentemente, essa realidade não é apresentada aos filhos. O que buscam, na verdade, os adultos ao mostrarem às crianças os brinquedos virtuais?”, questiona.

A médica Maíra Galletti e o advogado Valdemar Zaiden, ambos com 36 anos, são os pais da pequena Laurinha, de apenas 3. No caso do casal, a preocupação com as brincadeiras e os brinquedos de que a filha gosta surgiu de forma natural, diante de uma simples comparação entre como era a infância deles e a da filha. “Esse sentimento saudosista faz com que eu procure sempre mostrar para Laurinha quanto divertimento existe quando usamos a imaginação, quando brincamos com as outras crianças”, explica Maíra. Ela lembra que o fato de as brincadeiras de hoje girarem em torno da televisão, do computador e do videogame faz com que os pequenos tenham uma propensão maior à obesidade.

Por isso, Laurinha não tem equipamentos eletrônicos no quarto. “Em contrapartida, temos patinete, telas e tintas, bicicleta, peão, pipa e a brincadeira preferida dela atualmente: a amarelinha, pois ela está aprendendo a pular em um pé só”, conta Maíra. Mesmo assim, não há proibição em relação ao uso da tecnologia. A ideia é não incentivar, mas deixar que a criança sacie a curiosidade, sem deixar de atrair a atenção dela para as atividades mais completas. “Eu acho que as brincadeiras devem estimular e auxiliar o desenvolvimento psicológico e motor da criança”, opina a médica.

Andréa Adjuto lista uma série de benefícios das diversões de antigamente. “Ao soltar uma pipa, movimenta-se o corpo, aguça-se a percepção e elaboram-se estratégias. Pular corda e elástico são excelentes exercícios físicos e prazerosos. Brincar de casinha desenvolve o senso de responsabilidade, de amor pela família e a valorização dos membros que a compõem. O telefone sem fio, o tamanquinho de lata e o vaivém desenvolvem a coordenação motora ampla, a linguagem articulada e a expansão dos movimentos”, exemplifica a diretora.

Quatro fases
A Teoria Cognitiva foi criada para explicar o desenvolvimento cognitivo humano, que, segundo ela, é dividido em quatro estágios: sensório-motor, que dura do nascimento até aproximadamente o segundo ano de vida; pré-operacional, que coincide com a fase pré-escolar e vai dos 2 aos 7 anos; operatório concreto, dos 7 aos 11 anos; e operatório formal, desenvolvido a partir dos
12 anos.

Avanço alarmante
O aumento da obesidade infantil no Brasil é preocupante. Segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada pelo IBGE no ano passado, uma em cada três crianças brasileiras com idade entre 5 e 9 anos está com o peso acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde. O problema já afeta um quinto da população infantil brasileira. Os dados indicam que, em 20 anos, os casos de obesidade mais do que quadruplicaram entre os pequenos nessa faixa etária, chegando a 16,6% dos meninos e a 11,8% das meninas.


Conquistando os saudosistas
O programador Leonardo Braconi Rocha de Oliveira é um entusiasta dos brinquedos de antigamente. Preocupado com a realidade social em que se desenvolvem as crianças das gerações amparadas pela tecnologia, ele resolveu unir o útil ao agradável. Pegou o conhecimento e a habilidade que tinha para construir rolimãs e, hoje, tem até uma renda extra com a venda desses brinquedos.

Os clientes, no entanto, não são as crianças. Buscam os carrinhos jovens que brincaram com eles na infância e pais saudosistas interessados em mostrar aos filhos o que realmente é diversão. O programador vende mensalmente de 100 a 150 rolimãs, que custam em média R$ 95.

Segundo Leonardo, muitos adultos, devido à realidade social do país, acabam preferindo que os filhos se distraiam em computadores ou celulares, dentro de casa. “Acho que a comodidade aliada aos riscos de as crianças brincarem na rua acaba influenciando para que deixem os filhos imersos na tecnologia. O compromisso é justamente desses patriarcas que, na minha opinião, deveriam estar mais presentes no dia a dia e, principalmente, nas brincadeiras dos seus pequenos, tanto dentro como fora de casa”, sugere.

Marla Simonini segue no mesmo conselho, ressaltando a importância da participação dos adultos no crescimento diferenciados dos filhos. “Que os pais se disponham a ter um tempo qualitativamente rico com os filhos, que se proponham a ser parceiros do brincar e não utilizem o brinquedo virtual como um substituto para a ausência de vontade de se dedicar a eles. Afinal de contas, quanto tempo demora para construir uma pipa? Quanto custa um jogo de pique-esconde?”, provoca.

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