Estudo da USP aponta que mais de 70% dos homens homossexuais já sofreram humilhações

Pesquisa apresentada na Faculdade de Saúde Pública da USP ouviu 1,2 mil homens; preconceito e violência ainda são grandes.Discriminação acentua as doenças psíquicas

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Carolina Mansur - Estado de Minas Publicação:19/05/2014 08:39Atualização:19/05/2014 08:48
Os tempos são outros e as pessoas estão, de fato, mais abertas aos assuntos relacionados à homossexualidade, mas a revelação da orientação sexual para os amigos, a família, colegas de escola e trabalho ainda é tratada como tabu para grande parte da população homossexual, que continua sendo alvo de preconceito e, em alguns casos, de violência. Uma pesquisa desenvolvida na pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) mostra que a resistência do preconceito na sociedade, que sabe pouco sobre o assunto, se torna ainda mais evidente e causadora de problemas graves de saúde, como os psíquicos.

Apoiado nos relatos de 1,2 mil homens homossexuais, de 18 a 77 anos, colhidos em São Paulo, o psicólogo clínico Luiz Fábio Alves de Deus tentou compreender o processo de revelação da orientação sexual dessas pessoas e suas consequências em diferentes contextos sociais. “A diversidade e o compartilhamento da não heterossexualidade ainda são produtores de violências e de marginalização e exclusão das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT)”, detalha, lembrando a proposta do trabalho. A observação de Luiz Fábio foi de que o compartilhamento é mais frequente em alguns espaços do que em outros. “O processo de revelação tem início com algum amigo mais próximo e à medida em que há espaço, a pessoa conta para a família, na maioria dos casos para a mãe primeiro, e pessoas de contextos sociais mais próximos e significativos”, comenta.

E a consequência, já conhecida pela maioria, é que quanto maior a exposição da orientação sexual, maior é a chance de discriminação e agressão. As violências em relação à população LGBT, segundo o pesquisador, são contínuas e atravessam toda a trajetória de vida do homossexual, independentemente do gênero, se masculino ou feminino. “Não é pontual como em outras situações de violência, como num assalto, por exemplo. Estamos falando de pessoas que, em geral, já são alvos de comportamentos hostis e violências da infância à vida adulta, por não corresponderem ao que socialmente é esperado deles em termos de sexualidade.” Presentes em todos os contextos sociais, como aponta o estudo, intitulado “Contextos de revelação da orientação sexual: no final do arco-íris tem um pote de ouro?”, as violências são tanto de caráter físico, quanto moral e psicológico.

Quanto maior a exposição da orientação sexual, maior é a chance de discriminação e agressão. As violências em relação à população LGBT são contínuas e atravessam toda a trajetória de vida do homossexual, independentemente do gênero, diz autor do trabalho (Quinho / EM / DA Press)
Quanto maior a exposição da orientação sexual, maior é a chance de discriminação e agressão. As violências em relação à população LGBT são contínuas e atravessam toda a trajetória de vida do homossexual, independentemente do gênero, diz autor do trabalho
Na população de homens homossexuais estudada, 16% informou já ter sofrido algum episódio de agressão verbal em razão da desconfiança de sua sexualidade. Quando o pesquisador observou o grupo em que a orientação sexual era amplamente conhecida, 72% informaram ter sido alvo de xingamentos ou humilhações públicas por causa da sua não heterossexualidade. Na violência física, do grupo em que a orientação sexual não era conhecida por ninguém, 4% disseram já ter sido alvo de algum episódio desse tipo de violência, e no grupo onde a orientação estava totalmente revelada, 21% afirmaram já ter sofrido agressão física.

Como a revelação da orientação está atrelada a perdas e ganhos em termos de prestígio, status social, afeto e amizades, há ainda um gerenciamento das informações a esse respeito, selecionando as pessoas com as quais é possível compartilhar o “segredo”. “Revelar ou ocultar a orientação sexual, portanto, ainda é questão estruturante da vida homossexual”, diz o pesquisador. Dessa forma, o estudo revela, ainda, que os homossexuais de pele branca estão entre os que mais optam pela revelação. Já os de pele negra revelam menos por já carregarem uma carga pesada de preconceito em razão da discriminação racial. Os homossexuais jovens com até 29 anos também se revelaram mais que os de 30 anos ou mais. E 51% dos entrevistados informaram não serem praticantes de nenhuma religião.

Diante da aceitação familiar
No que diz respeito a aceitação familiar, a professora de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, Marina Reis Botelho lembra dois formatos de família: a tradicional, onde a revelação é aceita, porém com alguma dificuldade e restrições, como a de conhecer e conviver com o parceiro da pessoa; e as contemporâneas, que têm outras configurações e têm melhor entendimento. Nos dois casos, no entanto, ela conta que, para ajudar a compreender a revelação da homossexualidade, é preciso olhar para este momento de forma adequada.

Na psicologia, segundo a professora, genética e ambiente, que antes eram vistos de forma isolada na identificação do ser humano, agora não podem ser mais separadas. “A orientação, heterossexual e homossexual, vem da associação genética com o ambiente. O ambiente inclui as histórias e circunstâncias da vida que vão nos atingindo, e isso tudo vai estabelecendo o nosso tipo de comportamento e personalidade”, explica Marina Reis, que também é psicoterapeuta familiar, lembrando que a homossexualidade não pode ser confundida com patologia.

Sobre essa questão, o Conselho Federal de Psicologia tem mobilizado todos os profissionais pela rejeição do requerimento que propõe a realização de audiência pública para debater a Resolução CFP 01/99, que orienta os psicólogos (as) a não exercerem qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas e/ou adotarem ação coercitiva que tenda a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. “Ninguém vai ao psicólogo tratar a homossexualidade como se fosse um problema”, diz.

Discriminação acentua as doenças psíquicas
A questão envolvendo o preconceito sexual, no entanto, é que os efeitos da forte discriminação e violência contra a população LGBT, muitas vezes acentuada com a revelação, afeta diretamente a saúde psíquica e física, que é muito mais prejudicada na população homossexual. Nos Estados Unidos, a Gay and Lesbian Medical Association and LGBT Health Experts compilou resultados de pesquisas na área de saúde feitas com a população LGBT. Entre as condições de saúde que mais têm interessado os pesquisadores, está a saúde mental dos homossexuais. O fato de conviverem cotidianamente com a condenação social da homossexualidade faz com que experimentem, em diversas fases da vida, sentimentos de autorrejeição, depressão e ansiedade.

Em muitos casos, o ato de revelar a orientação sexual submete as lésbicas e os homossexuais ao mais completo ostracismo nos núcleos sociais de maior significância, como a família, a escola e o ambiente de trabalho. E esses cenários de hostilidades estão diretamente associados ao comprometimento da saúde mental dessas pessoas, elevando a possibilidade de suicídio e de comportamentos de maior risco à saúde em geral, como o consumo excessivo de cigarro e álcool. Este, aliado ao uso de substâncias ilícitas, inclusive, potencializariam as tentativas de suicídio.

Com as pessoas sendo convocadas a atender exigências e expectativas sociais e a marginalização da não heterossexualidade em alguns contextos, a decisão de assumir a orientação sexual fica ainda mais complicada. “A primeira tendência, ao se pensar acerca dos resultados da pesquisa, é achar que as pessoas não devem se revelar para outros, mas o que queremos destacar é exatamente o contrário. As pessoas devem ser livres para viverem sua sexualidade com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto, porém esse direito não tem sido garantido, e queremos chamar atenção para isso”, diz o psicólogo Fábio Alves de Deus.

Os resultados, segundo ele, demonstraram que ainda há muito a ser feito para a concretização da cidadania e o respeito para as pessoas não heterossexuais. E, nesse sentido, o diálogo e a responsabilização de representantes dos diferentes contextos em que o homossexual está inserido pelo desenvolvimento de políticas públicas e de ações que desconstruam as noções de que a homossexualidade é pecado, desvio de caráter e todo o leque de ideias que marginalizam essas pessoas, são peças-chave do processo de mudança desse comportamento de muita gente.

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