Entenda o peso da vida urbana para o coração
Para evitar a previsão das mais de 23 milhões de mortes por causa de doenças cardiovasculares nos próximos 16 anos, segundo dados da OMS, é preciso mudar os hábitos: manter dieta saudável, fazer exercícios, controlar as taxas, reduzir o álcool e livrar-se do cigarro, para falar o mínimo
Revista do CB - Correio Braziliense
Publicação:20/05/2014 08:03Atualização: 20/05/2014 09:01
A pesquisa canadense, batizada de Interheart, foi um dos maiores estudos feitos na tentativa de identificar as principais razões que potencializam em 90% a chance de ter um infarto agudo no miocárdio. Para o estudo, entrevistaram mais de 12 mil pessoas com histórico familiar de infarto, e mais de 14 mil que não contavam com a mesma sorte, em 52 países, no período de 1999 e 2003. Foram analisados fatores de risco óbvios, como tabagismo, colesterol, diabetes, obesidade, alimentação e consumo de bebida alcoólica, para avaliar quais hábitos tornavam as pessoas mais vulneráveis aos problemas cardíacos.
O diferencial, no entanto, ficou por conta dos pontos psicossociais considerados arriscados. Ocupação profissional, renda, níveis de estresse foram levados em conta. “O Interheart mostra que, até mesmo quando o indivíduo casa-se duas vezes, aumenta o risco de ele ter um infarto”, conclui o cardiologista Fernando Alves.
Reconhecendo-se então o perigo, a primeira medida a fazer é amenizá-lo. A questão é que tanto a população minimiza o alerta quanto as autoridades negligenciam as medidas de prevenção. Os números mostram que para evitar a previsão das mais de 23 milhões de mortes por causa de doenças cardiovasculares nos próximos 16 anos, segundo dados da OMS, é preciso mudar os hábitos: manter dieta saudável, fazer exercícios, controlar as taxas, reduzir o álcool e livrar-se do cigarro, para falar o mínimo.
O que se coloca no prato, aliás, tem poder de prevenção. O cardiologista Wing Carvalho Lima, do Hospital do Coração do Brasil, garante que só a escolha dos alimentos certos — e aí compreende-se com menos sal, açúcar e gordura saturada — já reduz em 30% as chances de ter um infarto.
Mas o caminho ainda parece ser longo: de 15% a 20% dos brasileiros são fumantes; 12% têm diabetes; mais de 80% da população ainda é sedentária; cerca de 4% a 7% das crianças têm hipertensão e mais ou menos 18% delas estão com sobrepeso. Isso sem falar que entre os adultos hipertensos, apenas 20% fazem controle efetivo do problema. O restante ou não adere ao tratamento ou desconhece que tem o mal.
Na tentativa justamente de criar metas coletivas para controlar esses fatores de risco e prevenir as ocorrências de infarto e AVC no Brasil e nas Américas, a Sociedade Brasileira de Cardiologia elaborou a Carta do Rio de Janeiro, no ano passado. O documento propõe diversas formas de alertar à população e promover o aumento da qualidade de vida. “São políticas de prevenção e de tratamentos para reduzir a mortalidade por doenças cardíacas. As principais se referem ao trabalho em conjunto com as sociedades do mundo todo para reduzir o sedentarismo por meio de campanhas pela tevê; o controle da hipertensão; a redução do consumo do sal e do tabagismo”, esclarece o cardiologista Wing Carvalho.
Prevenir, aliás, parece ser a forma mais eficiente de reduzir estatísticas tão pessimistas e preocupantes. “A cultura de prevenção não é adotada como uma política pública de saúde”, lamenta a cardiologista Edna Marques, coordenadora da cardiologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Algumas iniciativas do governo tentam induzir novos hábitos, como a lei federal que obriga, desde o ano passado, as escolas a oferecerem lanches mais saudáveis; ou as leis estaduais que controlam os locais onde se pode ou não fumar, limitando o fumo passivo e diminuindo, inclusive, o hábito do fumante de levar o cigarro à boca, tamanho cerceamento da liberdade de fumar onde queira. “Há programas de saúde educativos que são eficientes, mas não são eficazes porque não existe um controle e um monitoramento depois de implementados”, lamenta o diretor do Instituto Paulista de Doenças Cardiovasculares, Fernando Augusto Alves da Costa, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Há outras iniciativas, como a campanha “Eu sou 12 por 8”, criada pelo Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia para estimular a população a controlar a pressão arterial e evitar a hipertensão. “Essas são medidas preventivas, que deveriam ser o foco primário. São fáceis e simples de serem adotadas, como estímulo à atividade física, controle da dieta e ações antitabagismo”, lista o diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia de São Paulo, Ricardo Pavanello, supervisor da cardiologia do Hospital do Coração (Hcor) e médico do Instituto Dante Pazzanese.
Um novo coração
Os primeiros transplantes no Brasil foram feitos nos anos 1960. Era literalmente a possibilidade de jogar o próprio coração no lixo e colocar um outro no lugar. “Ninguém acreditava naquilo que estava vendo”, conta Fernando Atik, chefe da Unidade de Transplante do Instituto do Coração do Distrito Federal. Essa foi a possibilidade extrema encontrada para tratar uma doença cardíaca sem solução.
Descartar o órgão doente e substituí-lo por um saudável é a última opção na lista de tentativa para salvar um paciente cardíaco. Acontece só mesmo quando não há intervenções possíveis ou os medicamentos não fazem mais efeito. Afinal, há a dificuldade de encontrar centros especializados em transplantes no Brasil — no Centro-Oeste há um, no Sudeste são 19 e no Nordeste não tem nenhum, por exemplo —; doadores compatíveis e há também grande possibilidade de o doente rejeitar o novo órgão. Mas não faltam candidatos. Todos os anos, no Brasil, 500 mil pessoas são internadas por causa da insuficiência cardíaca e da manifestação clínica da doença cardíaca terminal.
No Distrito Federal, por exemplo, há 10 pacientes na fila de espera por transplantes. “Precisaríamos fazer cinco vezes mais transplantes. Cerca de 30% dos pacientes acabam morrendo”, lamenta Fernando Atik. O coração artificial aparece como um recurso cada vez mais palpável para quem precisa trocar o coração, mas ainda não tem o órgão definitivo. O dispositivo pode ser usado por seis meses ou até quatro anos. Também é indicado quando a pessoa tem alguma contraindicação para fazer o transplante, como nos casos de pressão muito alta nos vasos do pulmão. Ainda não é uma realidade por causa do custo e das dificuldades em manutenção, mas é uma possibilidade de um futuro próximo.
Enquanto isso, avança-se nas técnicas de trocas de coração. As medicações mais eficientes garantem menor rejeição. E, se há 10 anos, a sobrevida do transplantado era de 12 anos, hoje a média é de 15,7 anos. Sorte do jardineiro aposentado Raimundo Martins de Oliveira, 43 anos. Ele é um dos pacientes que sofriam da doença de Chagas, o principal mal que justifica o transplante cardíaco na região Centro-Oeste. Nascido e criado em casa pobre no interior da Bahia, ele e a maioria dos 13 irmãos carregaram no corpo a doença do barbeiro.
O coração inchado da irmã dele, por exemplo, não aguentou e parou há dois anos. Raimundo temia o mesmo desfecho, já que, desde os 39 anos, sofria com dores no corpo, dificuldade para caminhar, falta de ar. Sabia que era o mal causado pelo inseto. Colocaram um CDI (cardioversor-desfibrilador implantável) para contornar o problema, mas a doença se agravou e o transplante passou a ser a única garantia de vida. “Pensava que era coisa para rico”, conta.
Raimundo ficou três meses no hospital à espera de um coração que se encaixasse no seu peito. Enquanto isso, o corpo estava cada vez mais inchado e sem energia. As funções de seus rins e fígado estavam comprometidas. A dor no peito não cessava. Até que veio a notícia. “Seu coração chegou!” Era de um jovem de 26 anos, morto em um acidente de moto.
Raimundo não temeu a cirurgia de sete horas que se seguiria para a substituição do órgão. “Eu tinha medo era de ficar com o coração velho”, diz. Quatro meses depois, nem parece que no seu peito bate um outro coração, que não o que nasceu dentro dele. Bem disposto, aos poucos, ele retoma as atividades diárias. A alimentação é controlada. E, se antes não conseguia fazer o que mais gosta, que é ir à igreja, agora já pode dar uma volta de bicicleta e até planeja a pelada de futebol. De lembrança da doença, a cicatriz no peito e o remédio diário, para o resto da vida, que tomará para evitar a rejeição. E só.
Raimundo Martins de Oliveira, 43 anos, sofria com a doença de Chagas: o transplante o salvou
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O que muitos desconhecem, porém, é que o coração sente os efeitos da vida moderna. “O que as pessoas não têm noção é de que o estresse, a poluição, o fato de pegarem um ônibus lotado, por exemplo, aumentam o risco de doença cardiovascular”, acrescenta doutor Fernando Alves. A relação entre a rotina que se leva e a saúde do coração, se é desconhecida por quem enfrenta um dia a dia arriscado, há tempos já foi definida como um moderno fator de risco pelos especialistas.A pesquisa canadense, batizada de Interheart, foi um dos maiores estudos feitos na tentativa de identificar as principais razões que potencializam em 90% a chance de ter um infarto agudo no miocárdio. Para o estudo, entrevistaram mais de 12 mil pessoas com histórico familiar de infarto, e mais de 14 mil que não contavam com a mesma sorte, em 52 países, no período de 1999 e 2003. Foram analisados fatores de risco óbvios, como tabagismo, colesterol, diabetes, obesidade, alimentação e consumo de bebida alcoólica, para avaliar quais hábitos tornavam as pessoas mais vulneráveis aos problemas cardíacos.
O diferencial, no entanto, ficou por conta dos pontos psicossociais considerados arriscados. Ocupação profissional, renda, níveis de estresse foram levados em conta. “O Interheart mostra que, até mesmo quando o indivíduo casa-se duas vezes, aumenta o risco de ele ter um infarto”, conclui o cardiologista Fernando Alves.
Reconhecendo-se então o perigo, a primeira medida a fazer é amenizá-lo. A questão é que tanto a população minimiza o alerta quanto as autoridades negligenciam as medidas de prevenção. Os números mostram que para evitar a previsão das mais de 23 milhões de mortes por causa de doenças cardiovasculares nos próximos 16 anos, segundo dados da OMS, é preciso mudar os hábitos: manter dieta saudável, fazer exercícios, controlar as taxas, reduzir o álcool e livrar-se do cigarro, para falar o mínimo.
O que se coloca no prato, aliás, tem poder de prevenção. O cardiologista Wing Carvalho Lima, do Hospital do Coração do Brasil, garante que só a escolha dos alimentos certos — e aí compreende-se com menos sal, açúcar e gordura saturada — já reduz em 30% as chances de ter um infarto.
Mas o caminho ainda parece ser longo: de 15% a 20% dos brasileiros são fumantes; 12% têm diabetes; mais de 80% da população ainda é sedentária; cerca de 4% a 7% das crianças têm hipertensão e mais ou menos 18% delas estão com sobrepeso. Isso sem falar que entre os adultos hipertensos, apenas 20% fazem controle efetivo do problema. O restante ou não adere ao tratamento ou desconhece que tem o mal.
Na tentativa justamente de criar metas coletivas para controlar esses fatores de risco e prevenir as ocorrências de infarto e AVC no Brasil e nas Américas, a Sociedade Brasileira de Cardiologia elaborou a Carta do Rio de Janeiro, no ano passado. O documento propõe diversas formas de alertar à população e promover o aumento da qualidade de vida. “São políticas de prevenção e de tratamentos para reduzir a mortalidade por doenças cardíacas. As principais se referem ao trabalho em conjunto com as sociedades do mundo todo para reduzir o sedentarismo por meio de campanhas pela tevê; o controle da hipertensão; a redução do consumo do sal e do tabagismo”, esclarece o cardiologista Wing Carvalho.
Prevenir, aliás, parece ser a forma mais eficiente de reduzir estatísticas tão pessimistas e preocupantes. “A cultura de prevenção não é adotada como uma política pública de saúde”, lamenta a cardiologista Edna Marques, coordenadora da cardiologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Algumas iniciativas do governo tentam induzir novos hábitos, como a lei federal que obriga, desde o ano passado, as escolas a oferecerem lanches mais saudáveis; ou as leis estaduais que controlam os locais onde se pode ou não fumar, limitando o fumo passivo e diminuindo, inclusive, o hábito do fumante de levar o cigarro à boca, tamanho cerceamento da liberdade de fumar onde queira. “Há programas de saúde educativos que são eficientes, mas não são eficazes porque não existe um controle e um monitoramento depois de implementados”, lamenta o diretor do Instituto Paulista de Doenças Cardiovasculares, Fernando Augusto Alves da Costa, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Há outras iniciativas, como a campanha “Eu sou 12 por 8”, criada pelo Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia para estimular a população a controlar a pressão arterial e evitar a hipertensão. “Essas são medidas preventivas, que deveriam ser o foco primário. São fáceis e simples de serem adotadas, como estímulo à atividade física, controle da dieta e ações antitabagismo”, lista o diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia de São Paulo, Ricardo Pavanello, supervisor da cardiologia do Hospital do Coração (Hcor) e médico do Instituto Dante Pazzanese.
Um novo coração
Os primeiros transplantes no Brasil foram feitos nos anos 1960. Era literalmente a possibilidade de jogar o próprio coração no lixo e colocar um outro no lugar. “Ninguém acreditava naquilo que estava vendo”, conta Fernando Atik, chefe da Unidade de Transplante do Instituto do Coração do Distrito Federal. Essa foi a possibilidade extrema encontrada para tratar uma doença cardíaca sem solução.
Descartar o órgão doente e substituí-lo por um saudável é a última opção na lista de tentativa para salvar um paciente cardíaco. Acontece só mesmo quando não há intervenções possíveis ou os medicamentos não fazem mais efeito. Afinal, há a dificuldade de encontrar centros especializados em transplantes no Brasil — no Centro-Oeste há um, no Sudeste são 19 e no Nordeste não tem nenhum, por exemplo —; doadores compatíveis e há também grande possibilidade de o doente rejeitar o novo órgão. Mas não faltam candidatos. Todos os anos, no Brasil, 500 mil pessoas são internadas por causa da insuficiência cardíaca e da manifestação clínica da doença cardíaca terminal.
No Distrito Federal, por exemplo, há 10 pacientes na fila de espera por transplantes. “Precisaríamos fazer cinco vezes mais transplantes. Cerca de 30% dos pacientes acabam morrendo”, lamenta Fernando Atik. O coração artificial aparece como um recurso cada vez mais palpável para quem precisa trocar o coração, mas ainda não tem o órgão definitivo. O dispositivo pode ser usado por seis meses ou até quatro anos. Também é indicado quando a pessoa tem alguma contraindicação para fazer o transplante, como nos casos de pressão muito alta nos vasos do pulmão. Ainda não é uma realidade por causa do custo e das dificuldades em manutenção, mas é uma possibilidade de um futuro próximo.
Enquanto isso, avança-se nas técnicas de trocas de coração. As medicações mais eficientes garantem menor rejeição. E, se há 10 anos, a sobrevida do transplantado era de 12 anos, hoje a média é de 15,7 anos. Sorte do jardineiro aposentado Raimundo Martins de Oliveira, 43 anos. Ele é um dos pacientes que sofriam da doença de Chagas, o principal mal que justifica o transplante cardíaco na região Centro-Oeste. Nascido e criado em casa pobre no interior da Bahia, ele e a maioria dos 13 irmãos carregaram no corpo a doença do barbeiro.
O coração inchado da irmã dele, por exemplo, não aguentou e parou há dois anos. Raimundo temia o mesmo desfecho, já que, desde os 39 anos, sofria com dores no corpo, dificuldade para caminhar, falta de ar. Sabia que era o mal causado pelo inseto. Colocaram um CDI (cardioversor-desfibrilador implantável) para contornar o problema, mas a doença se agravou e o transplante passou a ser a única garantia de vida. “Pensava que era coisa para rico”, conta.
Raimundo ficou três meses no hospital à espera de um coração que se encaixasse no seu peito. Enquanto isso, o corpo estava cada vez mais inchado e sem energia. As funções de seus rins e fígado estavam comprometidas. A dor no peito não cessava. Até que veio a notícia. “Seu coração chegou!” Era de um jovem de 26 anos, morto em um acidente de moto.
Raimundo não temeu a cirurgia de sete horas que se seguiria para a substituição do órgão. “Eu tinha medo era de ficar com o coração velho”, diz. Quatro meses depois, nem parece que no seu peito bate um outro coração, que não o que nasceu dentro dele. Bem disposto, aos poucos, ele retoma as atividades diárias. A alimentação é controlada. E, se antes não conseguia fazer o que mais gosta, que é ir à igreja, agora já pode dar uma volta de bicicleta e até planeja a pelada de futebol. De lembrança da doença, a cicatriz no peito e o remédio diário, para o resto da vida, que tomará para evitar a rejeição. E só.