Pesquisa da UFMG tenta evitar falência do fígado

Morte de células num dos órgãos mais importantes do organismo gera expulsão de DNA no local, provocando uma reação inflamatória grave, relatam cientistas do Departamento de Morfologia da UFMG

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Isabella Souto Publicação:09/06/2014 16:00Atualização:09/06/2014 14:30
Anualmente, entre 2 mil e 4 mil pessoas no Brasil sofrem de falência hepática pela ingestão exagerada de medicamentos, a chamada hepatite medicamentosa. A morte dessas células resulta na expulsão do material genético (DNA), que se espalha pelos vasos do fígado, provocando uma reação descontrolada do sistema imunológico – o que agrava ainda mais um quadro que pode levar o paciente a óbito. Essa foi a conclusão de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), que vem se tornando referência mundial em hepatologia.

Iniciado há quatro anos, o estudo tinha como objetivo encontrar mecanismos para evitar a falência do fígado e a necessidade dos transplantes, nem sempre suficientes para salvar a vida do doente. O que se verificou foi que a ingestão excessiva não só de remédios – mas também de anabolizantes e alguns chás para emagrecer – faz com que parte do fígado morra pela sobrecarga. Na tentativa de proteger o organismo, o sistema imunológico reage por meio de uma resposta inflamatória. “Nosso trabalho é impedir que isso ocorra”, diz o professor de biologia celular Gustavo Menezes, orientador da pesquisa.

As imagens captadas com técnicas de microscopia mostram o fígado de um camundongo vivo, onde o DNA foi corado com uma sonda fluorescente verde, e as células do sistema imunológico, vermelha. Na primeira imagem (E), o animal está saudável. Na outra, as áreas verdes no fígado indicam os locais de células mortas e acúmulo de DNA. As células do sistema imunológico migram para os locais ricos em DNA (verde), em razão de uma ativação errônea, piorando o quadro da doença hepática  (GUSTAVO MENEZES/DIVULGAÇÃO)
As imagens captadas com técnicas de microscopia mostram o fígado de um camundongo vivo, onde o DNA foi corado com uma sonda fluorescente verde, e as células do sistema imunológico, vermelha. Na primeira imagem (E), o animal está saudável. Na outra, as áreas verdes no fígado indicam os locais de células mortas e acúmulo de DNA. As células do sistema imunológico migram para os locais ricos em DNA (verde), em razão de uma ativação errônea, piorando o quadro da doença hepática
Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado (Foca Lisboa/UFMG/Divulgação)
Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado

E, ao que tudo indica, os alunos do doutorado e pós-doutorado Pedro Elias Marques e André Gustavo Oliveira parecem ter encontrado a solução para o problema. Todo o estudo está documentado em imagens captadas com técnicas de microscopia intravital usando microscópio confocal – instrumentos que permitem a visualização das células sem técnicas invasivas. Em uma delas, há um órgão cheio de DNA, material que foi destruído poucos minutos depois da aplicação de uma enzima.

Outras imagens revelam a ação de substância que impede que o receptor do DNA TLR-9 (presente no sistema imune) reconheça o material genético expulso da célula, evitando assim a reação inflamatória. Os dois medicamentos usados na pesquisa já existem no mercado e são indicados para outras patologias. No entanto, a pesquisa realizada no ICB demonstrou que eles teriam atuação eficaz para evitar a resposta negativa no organismo humano.

De acordo com o professor Gustavo Menezes, a Coordenadoria de Transformação e Inovação Tecnológica da UFMG (CT&IT) já entrou com o processo para obter a patente da formulação e o uso desses remédios no tratamento de doenças hepáticas. O próximo passo será buscar o apoio financeiro e tecnológico da indústria farmacêutica para a realização do teste clínico em humanos – processo que poderá levar de cinco a 10 anos.

Transplante
Com a descoberta, a ciência está trazendo à medicina a possibilidade de evitar a falência do fígado – quadro em que mais de 70% do órgão já esteja tomado e que, uma vez constatada, não traz outra alternativa ao doente senão o transplante. “O paciente com a falência hepática é grave, tem um custo enorme para o sistema de saúde e muitas vezes não é salvo pelo transplante”, ressalta Menezes. Além disso, o novo procedimento poderá ser realizado até mesmo para o fígado que será transplantado, aumentando as chances de sucesso.

Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado (Foca Lisboa/Divulgacao)
Grupo de imunobiofotônica da UFMG que participou do trabalho: meta agora é descobrir como e porque o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado
Embora todo o trabalho tenha sido voltado para o fígado, o professor da UFMG diz que é possível a sua aplicação em outros órgãos. Até porque um problema hepático pode trazer reflexos para o resto do corpo, pois os produtos de células mortas liberados entram na circulação sanguínea e podem ativar o sistema imunológico em outros órgãos, como por exemplo o pulmão, que tem vasos muito finos e cheios de leucócitos, que, ao serem ativados de forma errada, provocam a sua destruição.

E engana-se quem pensa que o trabalho realizado na UFMG chegou ao fim. O próximo passo do grupo de cientistas é descobrir como e por que o DNA da célula morta se espalha pelos vasos do fígado. O objetivo? Chegar a outro medicamento, desta vez, que impeça a ocorrência do fenômeno.

A PESQUISA
» Problema
Como o sistema imunológico lida com a morte de células causada pela ingestão exagerada ou errônea de medicamentos?

» Objetivo
Criar alternativas para o tratamento de pacientes com doenças hepáticas, evitando a falência do fígado.

» Conclusão
Durante o processo de morte da célula pela ingestão de remédios, parte do DNA se acumula no fígado. O sistema imunológico reage para destruir esse DNA, mas, junto, ataca células vivas, agravando a lesão.

» COMO FOI O TRABALHO
Para chegar ao resultado, a equipe de 11 profissionais do grupo de imunobiofotônica da UFMG usou animais geneticamente modificados para que as células do sistema imunológico brilhassem, permitindo sua visualização.

» O primeiro passo foi visualizar o acúmulo hepático de material genético oriundo de células mortas (DNA), por meio não invasivo;

» Em seguida, imagens do fígado do animal foram analisadas em alta resolução por microscopia intravital confocal;

» Para elucidar ainda mais os mecanismos, foram isoladas células hepáticas (hepatócitos) e produzidas imagens do mesmo fenômeno in vitro.

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