Pesquisa brasileira mostra que lesões maltratadas podem afastar de vez os corredores do asfalto
Caso o corredor tenha se machucado nos últimos 12 meses e não fez a pausa preventiva, ele dobra a chance de se lesionar novamente
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:07/08/2014 15:00Atualização: 07/08/2014 15:31
Apesar de a corrida ser uma das atividades mais populares do mundo — barato e acessível, o esporte tem pelos menos de 4 milhões de adeptos no Brasil —, há pouca informação sobre os riscos relacionados a ela. A falta de dados despertou a curiosidade de Bruno Saragiotto, na época aluno de mestrado da Unicid. Sob a supervisão de Alexandre Lopes, professor do programa de mestrado e doutorado em fisioterapia, Saragiotto revisou sistematicamente mais de 7 mil artigos. De todos, encontrou 11 elegíveis para responder à questão central: quais são os fatores de risco para lesões na corrida?
Ao contrário do esperado, o tênis e o alongamento desenvolvem papel secundário, concluiu Saragiotto. “Apesar de a literatura ser carente com relação a esse tema, um tópico já é consenso há décadas: alongamento não previne lesões em corredores. Outro tópico que muitas pessoas atribuem importância é o uso do tênis especial de corrida. Pode-se observar que os resultados seguem na mesma direção: eles não previnem contusões”, assegura Lopes.
O grande problema é a falta de paciência dos atletas. Dores ignoradas por quem não abre mão de algumas semanas sem o esporte podem virar um grande problema. Os resultados obtidos pelos fisioterapeutas de São Paulo mostram que, caso tenha se machucado nos últimos 12 meses e não faça a pausa preventiva, o corredor dobra a chance de se lesionar novamente.
De acordo com o estudo, a maior parte das lesões é causada pelo uso excessivo das pernas. Os microtraumas repetitivos sobrecarregam as estruturas do músculo esquelético, que são os tijolos que sustentam o corpo. Em geral, os fatores associados aos danos são atribuídos a características anatômicas ou biomecânicas dos corredores, a erros na execução das passadas e a exageros na distância semanal percorrida e no volume de treinos. Estratégias de movimento que poupam a região dolorida durante as corridas sobrecarregam regiões ilesas, que muitos vezes não têm sequer relação com a lesão original. O risco é maior para praticantes que sofreram 20 ou mais ferimentos na vida atlética.
“Uma lesão muscular que não teve bom diagnóstico ou que o tratamento não foi seguido à risca não cicatriza. O paciente espera uma ou duas semanas e já sai correndo. Isso faz com que o trauma não cure e outro surja em cima da lesão antiga. Então, por exemplo, se a pessoa machuca a perna direita, ela compensa com a esquerda e assim vai. Por isso que a maior parte das lesões novas são causadas, na realidade, pela primeira e mais antiga”, explica Marcus Montenegro, traumatologista esportivo do Instituto Montenegro.
Pior para as mulheres
Em um estudo anterior, Lopes demonstrou que as principais lesões são a canelite, a tendinopatia de Aquiles e fascite plantar (veja infográfico). Observou também que os posicionamentos irregulares da estrutura de uma região chamada ângulo Q — entre o músculo quadríceps e o tendão da patela — estão relacionados com o aumento do esforço e da pressão lateral no joelho, gerando inflamação e inchaço em algumas zonas dessa arquitetura. Quando esse ângulo é mais alto ou mais largo, por exemplo, aumentam as chances de o corredor desenvolver danos.
Diante disso, Montenegro alerta que as mulheres devem ser mais cuidadosas na execução das passadas. Acontece que elas são biologicamente programadas para ter o quadril largo. “Embora seja um problema multifatorial, com esse biotipo, sofrem um pouco mais com o equilíbrio central, principalmente quando correm porque apresentam, inclusive, maior movimento nos quadris”, explica o médico. Apesar disso, o estudo conduzido na Unicid não encontrou distinção de lesões entre os sexos.
Trocar a rua pela esteira não é uma proteção a mais, diz o especialista. Tudo se resume, na realidade, ao impacto e à intensidade da corrida. Na esteira, ambos são maiores. “Dependendo da velocidade e do tipo de treinamento, a esteira pode ser mais fácil, mas não é necessariamente melhor. Isso porque, nela, o chão passa sozinho e a pessoa só precisa ‘pular’. Nessa, o gingado, o rebolado, aumenta muito, o que não acontece na rua, em que você precisa empurrar o chão. O ângulo de flexão é maior”, compara Montenegro.
Apesar dos resultados, Lopes frisa que o esporte é indicado a diferentes perfis, independentemente de a pessoa apresentar predisposições anatômicas e biomecânicas descritas no estudo, cujos resultados foram publicados na revista Sports Medicine. A dica do autor é desacelerar o ritmo de treino quando o corpo apresentar dores ou lesões persistentes. “A corrida é um esporte para todos, mas devemos ficar atentos aos possíveis riscos, como em qualquer outra modalidade”, adverte.
Pós-treino
Os especialistas recomendam que o alongamento seja feito depois da corrida. Antes, o melhor é um aquecimento leve. O traumatologista Marcus Montenegro fundamenta que o organismo deve ser informado de qual exercício será iniciado. Na musculação, por exemplo, é recomendável que algumas repetições dos movimentos sejam executadas primeiro sem carga.
Esporte tem que ser programado
“As lesões são mais comuns em maratonistas porque eles trabalham sempre no objetivo linear e têm carga de trabalho repetitiva. Os amadores podem apresentar risco de contusão também caso não desenvolvam um programa adequado de treino. Por mais que as pessoas não considerem, é importante, antes da atividade física, receber acompanhamento do médico, do educador físico e do nutricionista. O emagrecimento depende da carga desenvolvida. Tem gente que faz percurso de 10km e está com o peso acima de média. Isso acontece porque, muitas vezes, está fazendo um esforço enorme, mas não atinge o suficiente para ter gasto energético.”
Ulisses de Araújo, avaliador funcional do Brasília Vôlei
Saiba mais...
O corpo humano é uma máquina projetada com peças individuais altamente especializadas e que trabalham em cadeia. A engrenagem viva é calculada para funcionar durante longos períodos. Mas, assim como nas invenções de lata, corre o risco de emperrar. Quando isso acomete um corredor, o repouso pode ser o melhor conserto. Mas a possibilidade de encostar o tênis durante algumas semanas é imediatamente descartada pelos mais apaixonados pelo esporte. Um estudo divulgado por pesquisadores da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) alerta os mais resistentes à ideia: lesões maltratadas desencadeiam, dentro de um ano, distensões musculares capazes afastar de vez os atletas e os amadores do asfalto.- Corrida estimula produção de proteína responsável pela formação de novos neurônios
- Eficiência cardiovascular e disposição conquistados com a corrida fazem a diferença para quem já chegou à maioridade
- Além de tornar-se um vício, a corrida é uma das modalidades com maior gasto calórico
- Estudo destaca que correr pouco é mais benéfico do que se pensava
Apesar de a corrida ser uma das atividades mais populares do mundo — barato e acessível, o esporte tem pelos menos de 4 milhões de adeptos no Brasil —, há pouca informação sobre os riscos relacionados a ela. A falta de dados despertou a curiosidade de Bruno Saragiotto, na época aluno de mestrado da Unicid. Sob a supervisão de Alexandre Lopes, professor do programa de mestrado e doutorado em fisioterapia, Saragiotto revisou sistematicamente mais de 7 mil artigos. De todos, encontrou 11 elegíveis para responder à questão central: quais são os fatores de risco para lesões na corrida?
Apesar de a corrida ser uma das atividades mais populares do mundo - o esporte tem pelos menos de 4 milhões de adeptos no Brasil -, há pouca informação sobre os riscos relacionados a ela
O grande problema é a falta de paciência dos atletas. Dores ignoradas por quem não abre mão de algumas semanas sem o esporte podem virar um grande problema. Os resultados obtidos pelos fisioterapeutas de São Paulo mostram que, caso tenha se machucado nos últimos 12 meses e não faça a pausa preventiva, o corredor dobra a chance de se lesionar novamente.
De acordo com o estudo, a maior parte das lesões é causada pelo uso excessivo das pernas. Os microtraumas repetitivos sobrecarregam as estruturas do músculo esquelético, que são os tijolos que sustentam o corpo. Em geral, os fatores associados aos danos são atribuídos a características anatômicas ou biomecânicas dos corredores, a erros na execução das passadas e a exageros na distância semanal percorrida e no volume de treinos. Estratégias de movimento que poupam a região dolorida durante as corridas sobrecarregam regiões ilesas, que muitos vezes não têm sequer relação com a lesão original. O risco é maior para praticantes que sofreram 20 ou mais ferimentos na vida atlética.
“Uma lesão muscular que não teve bom diagnóstico ou que o tratamento não foi seguido à risca não cicatriza. O paciente espera uma ou duas semanas e já sai correndo. Isso faz com que o trauma não cure e outro surja em cima da lesão antiga. Então, por exemplo, se a pessoa machuca a perna direita, ela compensa com a esquerda e assim vai. Por isso que a maior parte das lesões novas são causadas, na realidade, pela primeira e mais antiga”, explica Marcus Montenegro, traumatologista esportivo do Instituto Montenegro.
Pior para as mulheres
Em um estudo anterior, Lopes demonstrou que as principais lesões são a canelite, a tendinopatia de Aquiles e fascite plantar (veja infográfico). Observou também que os posicionamentos irregulares da estrutura de uma região chamada ângulo Q — entre o músculo quadríceps e o tendão da patela — estão relacionados com o aumento do esforço e da pressão lateral no joelho, gerando inflamação e inchaço em algumas zonas dessa arquitetura. Quando esse ângulo é mais alto ou mais largo, por exemplo, aumentam as chances de o corredor desenvolver danos.
Diante disso, Montenegro alerta que as mulheres devem ser mais cuidadosas na execução das passadas. Acontece que elas são biologicamente programadas para ter o quadril largo. “Embora seja um problema multifatorial, com esse biotipo, sofrem um pouco mais com o equilíbrio central, principalmente quando correm porque apresentam, inclusive, maior movimento nos quadris”, explica o médico. Apesar disso, o estudo conduzido na Unicid não encontrou distinção de lesões entre os sexos.
Trocar a rua pela esteira não é uma proteção a mais, diz o especialista. Tudo se resume, na realidade, ao impacto e à intensidade da corrida. Na esteira, ambos são maiores. “Dependendo da velocidade e do tipo de treinamento, a esteira pode ser mais fácil, mas não é necessariamente melhor. Isso porque, nela, o chão passa sozinho e a pessoa só precisa ‘pular’. Nessa, o gingado, o rebolado, aumenta muito, o que não acontece na rua, em que você precisa empurrar o chão. O ângulo de flexão é maior”, compara Montenegro.
Apesar dos resultados, Lopes frisa que o esporte é indicado a diferentes perfis, independentemente de a pessoa apresentar predisposições anatômicas e biomecânicas descritas no estudo, cujos resultados foram publicados na revista Sports Medicine. A dica do autor é desacelerar o ritmo de treino quando o corpo apresentar dores ou lesões persistentes. “A corrida é um esporte para todos, mas devemos ficar atentos aos possíveis riscos, como em qualquer outra modalidade”, adverte.
Pós-treino
Os especialistas recomendam que o alongamento seja feito depois da corrida. Antes, o melhor é um aquecimento leve. O traumatologista Marcus Montenegro fundamenta que o organismo deve ser informado de qual exercício será iniciado. Na musculação, por exemplo, é recomendável que algumas repetições dos movimentos sejam executadas primeiro sem carga.
Esporte tem que ser programado
“As lesões são mais comuns em maratonistas porque eles trabalham sempre no objetivo linear e têm carga de trabalho repetitiva. Os amadores podem apresentar risco de contusão também caso não desenvolvam um programa adequado de treino. Por mais que as pessoas não considerem, é importante, antes da atividade física, receber acompanhamento do médico, do educador físico e do nutricionista. O emagrecimento depende da carga desenvolvida. Tem gente que faz percurso de 10km e está com o peso acima de média. Isso acontece porque, muitas vezes, está fazendo um esforço enorme, mas não atinge o suficiente para ter gasto energético.”
Ulisses de Araújo, avaliador funcional do Brasília Vôlei