Doses de mentira »

Remédios adulterados e recolhidos pela Anvisa preocupam médicos e pacientes de doenças graves

Lotes adulterados foram motivo de suspensão pela Agência. Caixa de paracetamol tinha parafuso

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Carolina Cotta - Estado de Minas Augusto Pio - Estado de Minas Landercy Hemerson - Estado de Minas Publicação:21/08/2014 07:30Atualização:21/08/2014 10:01

Sociedade Brasileira de Clínica Médica salienta que é gravíssimo o envase de medicações completamente distintas, caso do atenolol (anti-hipertensivo) em embalagem de cetoconazol (anti-fúngico) (EM / DA Press)
Sociedade Brasileira de Clínica Médica salienta que é gravíssimo o envase de medicações completamente distintas, caso do atenolol (anti-hipertensivo) em embalagem de cetoconazol (anti-fúngico)
Parafusos em vez de remédios. Medicamentos diferentes do que diz a caixa. Concentrações abaixo do descrito na embalagem. Estas são algumas das adulterações que fizeram com que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinasse ontem a suspensão da venda e distribuição de seis medicamentos dos laboratórios Teuto-Brasileiro, Meizler UCB Biopharma e Zodiac em vários estados do país, incluindo Minas Gerais. Entre os produtos estão analgésicos, pomadas para tratamento de fungos, redução do colesterol, além de quimioterápico. A proibição foi publicada em resolução da Anvisa no Diário Oficial de ontem.

O lote 1998101, do Paracetamol 500mg, produzido pelo Laboratório Teuto, foi suspenso depois de um consumidor ter identificado, em uma das embalagens, um parafuso em lugar do comprimido. A validade do lote é novembro de 2015. A empresa, que já começou a recolher o lote, informou que o produto foi distribuído em GO, MG, RS e BA. O comprimido de 200mg de cetoconazol, lote 1048105, também está condenado. Um paciente informou que a embalagem apresentava, em vez do produto indicado para tratamento de infecções, o medicamento Atenolol 100mg, para pressão arterial. O lote suspenso foi distribuído para Goiás, Amazonas, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

O clínico-geral e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Paulo Mascarenhas Mendes, salienta que é gravíssimo o envase de medicações completamente distintas, caso do atenolol (anti-hipertensivo) em embalagem de cetoconazol (anti-fúngico) – e o primeiro na dosagem máxima recomendada. Segundo o médico, isso poderia acarretar em queda brusca e gravíssima da pressão arterial em indivíduos que não fossem hipertensos, levando a consequências desastrosas. Isso sem contar a possibilidade de efeitos adversos/contra-indicações relacionados à própria droga. Por exemplo, indivíduos portadores de asma grave não podem usar atenolol, sob o risco de desenvolverem insuficiência respiratória aguda potencialmente fatal.

Lilian de Paula, farmacêutica, não tinha produtos dos lotes condenados em estoque mas teme encalhe de outros medicamentos do laboratório (FOTOS: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Lilian de Paula, farmacêutica, não tinha produtos dos lotes condenados em estoque mas teme encalhe de outros medicamentos do laboratório
A Anvisa determinou ainda a suspensão do lote 8910019, validade 02/2016, do medicamento nistatina, 25.000 UI/g, 60g, indicada para tratar candidíase vaginal. De acordo com uma denúncia de consumidor, na embalagem, em vez do remédio adquirido, estava neomicina+bacitracina, para infecções de pele. Os lotes suspensos foram distribuídos no DF, ES, GO, MG e SP.

Já o lote 6909006, validade 10/2015, do medicamento atrovastatina cálcica, também produzido pelo Laboratório Teuto Brasileiro S.A trazia embalagens indicando concentração de 20 mg, mas o produto encontrado era de 10mg. O medicamento é indicado para reduzir as taxas de colesterol no sangue. Denúncia feita ao SAC do fabricante revelou que, dentro da embalagem do produto de concentração 20 mg, havia o produto de concentração 10mg. O lote com problemas foi enviado para o DF, PA, PR.

Subdoses da atrovastatina prejudicariam o tratamento de hipercolesterolemia a médio/longo prazo, o que, em um paciente com doença coronariana, poderia, em última análise, aumentar as chances de um novo evento de angina ou infarto, considerou Paulo Mascarenhas. O médico também se assustou com o quimioterápico citarabina envasado em doses erradas, como encontrado em 13 lotes de Tabine, produzido pelo Laboratório Meizler UCB Biopharma S.A. A citarabina é indicada para o tratamento de leucemias agudas não linfocíticas. “A medicação, usada em larga escala no tratamento de neoplasias hematológicas (leucemias e linfomas), ser envasada em doses erradas e com o prazo de validade vencido poderia influenciar de forma muito negativa na evolução da doença. Acarretar, em última instância e em determinadas situações, até a morte de um paciente que estivesse mais gravemente enfermo”, salientou.

O paracetamol fabricado pelo Teuto- Brasileiro teve lote proibido para venda pela Anvisa ( BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
O paracetamol fabricado pelo Teuto- Brasileiro teve lote proibido para venda pela Anvisa
Já o Tamsulon, da Zodiac, foi suspenso depois da comunicação da própria empresa, que identificou problemas na data de validade estampada na embalagem do remédio, usado para tratamento de hiperplasia da próstata. A gaze cirúrgica Neve Estéril, também teve venda suspensa, depois de o Instituto Adolfo Lutz constatar a presença de corpo estranho de coloração escura no interior da embalagem intacta.

Recolhimento
Em nota oficial, o Laboratório Teuto comunicou “que o recolhimento do produto em epígrafe foi iniciado voluntariamente pela companhia e que, neste momento, encontra-se em andamento. O laboratório informa ainda que todas as medidas cabíveis perante as agências reguladoras já foram tomadas.”

Arranhão à imagem
A farmacêutica Lílian de Paula, de 31 anos, explica que o recolhimento de lotes de medicamentos pela Anvisa não é procedimento incomum. Assim que soube da lista divulgada ontem, ela verificou se tinha algum dos produtos em estoque. “O sistema de fiscalização da Anvisa é eficiente: somos rapidamente comunicados para suspender a venda. Eu não tinha nenhum dos produtos que tiveram lotes recolhidos. Mas no estoque há outros medicamentos da Teuto e isso é ruim, pois mesmo não estando irregulares, correm risco de encalhar. Esse tipo de situação é prejudicial para a própria credibilidade do programa dos medicamentos genéricos, de um modo geral.”

Para o empresário Liberaldino Cunha, de 45, dono de uma drogaria na Região Leste de BH, as falhas são situações pontuais, sujeitas a qualquer fabricante. “A linha de produção da Teuto está entre as mais modernas. Não se pode considerar que os problemas encontrados representem uma falta de qualidade do fabricante, que hoje oferece uma ampla linha de medicamentos com melhor custo, que atende um público consumidor específico”.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Clinica Médica em Minas Gerais, Oswaldo Fortini Levindo Coelho, não tem relação o fato de ser um mediamento genérico. “Temos vários laboratórios extremamente confiáveis fazendo genéricos. Vários pacientes usam e não relatam qualquer problema. Esse caso precisa ser investigado.”

Ele alertou no entanto, para que o consumidor fique atento na hora de comprar e consumir medicamentos. É preciso priorizar medicamentos de laboratórios confiáveis, vendidos em farmácias também confiáveis. O consumidor também deve conferir o prazo de validade e se o medicamento dentro da embalagem corresponde àquele comprado, observando nome e dosagem. Além disso, é preciso observar o aspecto do medicamento. “Se estiver esfarelando, com tonalidade ou formato diferente dos usuais, deve-se evitar o consumo e procurar os responsáveis”, alerta.

 (BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
O povo fala: Com o pé atrás

Tatiane Grazieli, de 28 anos, professora
“Acidentes acontecem, mas isso serve de alerta para que o fabricante tenha mais cuidado. O caso de um medicamento na embalagem de outro pode até causar a morte de um paciente. Eu já resisto a tomar medicamentos, ainda mais diante de uma situação dessas, de um parafuso no lugar do comprimido”.

 

 

 

 

 

 

 

 (BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Leandro Serravit, de 33 anos, vendedor
“Medicamento é um produto que precisa de um controle com maior rigor. A Anvisa deve investigar a situação, pois esse tipo de coisa não pode ocorrer, de medicamento com dosagem menor ou diferente daquele que a embalagem descreve. Se foi uma ocorrência específica, tudo bem, mas se vem se repetindo em relação a este laboratório, deve se esperar uma ação mais rígida do que apenas recolher os produtos”.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.