Terrible two: veja algumas dicas para lidar com a fase conhecida como 'adolescência dos bebês'

Por volta dos 2 anos, as crianças experimentam uma fase complicada de autoafirmação

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Gláucia Chaves - Revista do CB Publicação:25/08/2014 09:00Atualização:25/08/2014 08:33
Anna Paula de Oliveira e a geniosa Maria Clara, de 2 anos: a palavra 'não' parou de fazer efeito  (	Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Anna Paula de Oliveira e a geniosa Maria Clara, de 2 anos: a palavra "não" parou de fazer efeito
Maria Clara não gosta de ser contrariada. Quando quer alguma coisa, não aceita “não” como resposta. De temperamento forte, sabe bem o que quer e quando quer. Mas ela nem sempre foi assim: em um passado não muito distante, era tranquila e calma. Maria Clara tem 2 anos de idade e está passando por uma fase conhecida como terrible two. Em português, o termo pode ser traduzido como “terríveis dois anos” — também conhecida como “adolescência dos bebês”. É nessa etapa do desenvolvimento que as crianças começam a ter noção de si mesmas como indivíduos. É comum que elas passem a testar limites e questionar a autoridade dos pais. Também ficam mais manhosas e birrentas (quase como um adolescente de fato).

Anna Paula de Oliveira, 37 anos, é mãe de Maria Clara. Ela conta que a menina sempre teve gênio forte, mas as coisas ficaram mais intensas quando a filha completou 1 ano e começou a dar os primeiros passos. “Ela passou a ter mais independência, queria entender mais do mundo que a rodeava, eu acho”, conta a cientista política. A partir daí, a garota começou a demonstrar resistência a seguir comandos. O efeito da palavra “não”, de repente, era outro: se, antes, Maria obedecia prontamente, com o tempo, passou a responder com choros intermináveis (e estridentes), empurrões e até mesmo mordidas. Tudo, geralmente, por motivos existentes apenas em sua imaginação infantil.

A última “crise” aconteceu às vésperas de uma festa a fantasia na escola. Na noite anterior, a menina já havia determinado: ia vestida de espanhola. “Coloquei a roupa nela de manhã e ela chorou para que eu tirasse”, relembra a mãe. Duas outras opções (e muito choro) depois, adivinhem com que roupa Maria Clara foi à festinha? Isso mesmo, de espanhola. “A hora da troca de roupa é sempre um terror”, resume a mãe. “Tenho que cortar um dobrado com ela, ser firme, senão ela vira a rainha da casa. Sempre digo que, aqui, a Fiona vira ogra”, brinca.

Anna sabe que o temperamento da filha é forte, mas, segundo ela, o comportamento atual também tem a ver com a idade. O plano para acalmá-la durante os rompantes é aliar homeopatia, paciência e conversa. “Ela abraça todo mundo, beija, faz charme. Só quando nada disso funciona é que ela parte para a birra”, descreve a mãe. “Mas ela é uma criança supersimpática, amorosa e sorridente. É só uma fase difícil para as crianças.”

A pediatra Nathália Sarkis explica que ainda há muitas dúvidas por parte dos pais a respeito do terrible two. Muitas vezes, a angústia por não saber o que se passa na cabeça das crianças dá origem à culpa e, claro, às preocupações. “Eles se perguntam muito sobre o que podem fazer para evitar”, diz a médica. O marco dessa fase do desenvolvimento é a vontade. É quando a criança passa a encarar a si própria como indivíduo e quer ter as próprias opiniões. “É também a fase das birras. Por exemplo: a criança diz que quer comer macarrão, mas, quando os pais oferecem, ela não quer mais”, exemplifica Sarkis.

Repare no olhar maroto de Miguel: o pequenino, às vezes, dá trabalho para Rosiane Amorim (	Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Repare no olhar maroto de Miguel: o pequenino, às vezes, dá trabalho para Rosiane Amorim
Lidar com elas nessa fase é difícil e exige uma boa dose de paciência. “A criança precisa de limites. É preciso conversar, entrar no mundo dela e explicar as coisas”, ensina Nathália Sarkis. Um passeio ao shopping, por exemplo, pode ser o cenário ideal para as temidas birras. Explicar o que será feito, passo a passo, pode ser uma maneira de minimizar a irritação repentina. Se, mesmo assim, o pequeno emburrar, o jeito é se controlar para não piorar a situação. “Os pais jamais devem expor a criança no meio de outras pessoas”, ensina a pediatra. “A criança pode ficar extremamente constrangida e aí, sim, fazer mais birra.”

Quando Miguel começa a fazer birra, Rosiane da Silva Amorim, 39 anos, fica sem saber o que fazer. Sem motivo aparente, ele deita no chão, cruza os braços e fecha a cara. “Achei que, para mim, seria mais fácil lidar com ele nessa fase, porque trabalho com crianças”, diz ela, que é psicopedagoga. Miguel está com 2 anos e, vez ou outra, demora a pegar no sono. Uma noite, acordou às 23h e só aceitou entrar no berço de novo às 3h. “Espalhei os brinquedos no chão, ofereci biscoito, iogurte… Fiquei preocupada de ele estar passando mal”, conta.

Os “pitis”, como diz a mãe, não são a regra: na maior parte do tempo, Miguel é uma criança tranquila. Mesmo assim, Rosiane diz que, às vezes, fica assustada com a intensidade do choro. “Eu já convivo com criança birrenta, me preparei para isso, mas não achei que fosse ser assim”, compara. A experiênia profissional com crianças, contudo, deu a Rosiane um nível maior de controle com o filho. Ela é a única que consegue conversar com o menino no meio de uma birra. “Falo que já chega, converso e explico por que aquilo não está certo.”

Nesses momentos, a mãe conta que Miguel para o que está fazendo e olha para ela, em uma clara demonstração de que está entendendo. “Dá para ver que ele fica constrangido com o que fez”, descreve Rosiane. Os acessos têm um padrão: toda vez que faz birra, Miguel é colocado no berço. Pouco tempo depois, arremessa travesseiros, brinquedos e o que mais estiver dentro da caminha para fora. Quando a mãe volta, ele tem de recolher tudo que jogou para o alto. “Eles criam um mundinho que responde de acordo com o que eles querem”, analisa a mãe.

Fabia Queiroga, médica pediatra e supervisora do Hospital Santa Lúcia, explica que ajudar as crianças a passar pelos terrible two da melhor maneira possível é bom não só para a sanidade dos pais, mas para o futuro dos filhos. É nessa fase que a criança aprenderá a lidar com a frustração. Nem todas passam por isso, mas a fase é considerada normal. “Sabemos que cada idade tem um marco comum”, completa a médica.

Terrible two é um período complicado para as crianças, mas os pais também precisam se adaptar. “Precisam fazer o ‘não’ ser aceito pela criança”, ensina Queiroga. “Amar, dar carinho não significa permitir tudo. Não adianta dizer ‘não’ e não sustentar, ceder à vontade dos filhos.” Os ensinamentos dessa fase espinhosa serão valiosos, garante a especialista: no futuro, uma criança que não se acostumou a ter limites, a lidar com a perda ou a dividir pode se tornar um adulto intolerante ao fracasso. “A criança sempre vai querer mais”, resume. “O perigo é ela se tornar uma criança que manda em casa. Muitos pais servem ao filho e isso é uma inversão de papéis. A obrigação deles é ensinar, e não o contrário”, finaliza.

Caprichos domados

Passar pela adolescência dos bebês não é fácil, mas é possível. Veja algumas dicas para orientar as crianças nesse período:

  • Mude o tom de voz quando estiver chamando a atenção da criança. Falar da mesma forma de quando está acalentando confunde o pequeno.
  • Transmita autoridade. Seja firme, sem, claro, partir para a violência.
  • Lembre-se de que os desejos vão mudando de acordo com a faixa etária, mas sempre vão existir. Tenha firmeza para delimitar o que pode e o que não pode
  • Pais (e mães, principalmente) que trabalham fora geralmente sentem muita culpa em dizer “não” quando estão com os filhos. É importante que lidem com isso, uma vez que negar vontades não significa dar menos carinho.
  • O caráter começa a se formar ainda nos primeiros anos de vida. Por isso, é importante que, desde cedo, os pais imponham limites e mostrem autoridade
  • A partir dos 2 anos, as crianças já são capazes de entender explicações. Logo, paciência é essencial: ainda que você tenha que repetir várias vezes o porquê de um comportamento estar errado, persista.

Fonte: Fabia Queiroga, médica pediatra e supervisora do Hospital Santa Lúcia

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