Nada de suplementos após o treino; estudo indica que o melhor é leite com chocolate

Em experimento com nadadores, cientistas dos EUA concluíram que a bebida é mais eficiente para a recuperação de atletas do que suplementos como o whey protein e os géis de carboidrato

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:27/08/2014 15:30Atualização:27/08/2014 16:20
Isotônicos, whey protein e géis de carboidrato. O bom atleta — amador ou profissional — sabe bem o significado dessas três substâncias usadas para turbinar o rendimento nas pistas de corrida, ciclovias e piscinas. A primeira repõe água, sais minerais e carboidratos perdidos durante a atividade física; a segunda recupera a fibra muscular e a última fornece e poupa energia. Todos produtos da indústria esportiva buscando aperfeiçoar o ganho promovido pelo exercício exaustivo. Porém, os resultados que saem de pesquisas científicas apontam em outra direção. Diferentemente do que seria imaginado, a indicação é de que, depois daquele treino pesado, nada melhor que um…copão de leite achocolatado!

Em esportes em que a norma são rotinas de prática intensa e que segundos ou mesmo décimos de segundo podem fazer uma grande diferença, a opção por um “alimento real” leva vantagem, garantem pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Apostar no leite com chocolate depois de um nado pesado, por exemplo, levou os atletas a um desempenho aprimorado em um segundo momento de prática no mesmo dia, de acordo com pesquisa apresentada em um dos principais congressos de medicina esportiva do mundo, a Conferência Anual do Colégio Americano de Medicina do Esporte, realizada na Flórida.

Shesman e Jonas treinam diariamente para maratonas. Segundo eles, o gel de carboidrato é essencial a partir do décimo quilômetro da corrida
Shesman e Jonas treinam diariamente para maratonas. Segundo eles, o gel de carboidrato é essencial a partir do décimo quilômetro da corrida
Nela, os cientistas liderados por Jael Stager compararam o rendimento de nadadores universitários após a ingestão de três tipos de bebida de recuperação: o isotônico, um líquido com carboidratos, mas sem calorias e o leite achocolatado. A surpresa ficou reservada ao resultado do experimento. “O leite achocolatado é uma bebida ideal de recuperação. É uma ‘comida de verdade’, tem a proporção certa de carboidratos para proteínas de que os atletas necessitam e é menos caro do que muitas alternativas”, compara Stager.

Segundo o pesquisador, de ciclistas e corredores a jogadores de futebol, há um forte conjunto de estudos que comprova os benefícios de recuperar bebendo leite com chocolate. “Agora, nossa pesquisa sugere que esses mesmos benefícios se estendem aos nadadores — um esporte que depende de uma rápida recuperação para vários treinos em um único dia.” O estudo é o primeiro a testar essa teoria nesse tipo de atleta. Os pesquisadores contaram com seis profissionais que executaram um treino específico por três semanas consecutivas. Foi proposto a eles um treino com 60 tiros de 100m, capaz de esgotar completamente o combustível muscular (glicogênio) dos participantes. Em seguida, tiveram cinco horas de recuperação.

Os atletas universitários receberam uma das três bebidas no início da recuperação e duas horas depois. Eles foram aleatoriamente escolhidos para utilizar o leite achocolatado com a gordura reduzida, a bebida esportiva comercial com carboidratos (com as mesmas calorias que o leite com chocolate) ou uma opção sem calorias (isotônica). Concluída a reabilitação, voltaram às piscinas para três conjuntos de testes de desempenho. Aqueles que receberam a bebida láctea tiveram uma superioridade de tempo nas provas quando comparados aos outros voluntários. De acordo com os cientistas, quando o tempo de recuperação é limitado, a suplementação nutricional imediata e apropriada influencia a performance de exercícios subsequentes, dependendo da via metabólica de fornecimento energético aos músculos utilizados para executar o trabalho.

Recarregando energias
O reabastecimento de estoques de glicogênio após treinos exaustivos é especialmente importante para os atletas de elite, uma vez que permite a execução de um nível elevado de várias atividades físicas em um curto espaço de tempo. A energia necessária para executar tarefas rotineiras vem da glicose disponível na corrente sanguínea. Mas, quando o corpo precisa de um combustível mais poderoso para desenvolver exercícios pesados, usa um estoque de glicogênio, que fornece energia imediata ao organismo.

Essa reserva origina-se dos carboidratos ingeridos pela alimentação e armazenados no corpo sob duas formas: glicogênio hepático (no fígado) e glicogênio muscular (nos músculos). O primeiro trabalha essencialmente para a manutenção das taxas regulares de açúcar no sangue entre as refeições, como uma reserva de glicose que pode ser usada por outros tecidos. O segundo é de uso exclusivo do músculo na entrega de energia extra para a contração muscular e entra em ação justamente em provas longas, de resistência. Quando o gasto é muito grande, é possível que haja a necessidade de reabastecer esse estoque ainda durante a prova. Entram, então, em cena os famosos suplementos.

A dupla de amigos Shesman Portela Viegas, 32 anos, e Jonas Barbosa da Silva, 46, é profunda conhecedora dos produtos usados no estudo norte-americano. Eles exercitam-se diariamente com o objetivo de correr uma maratona. “Meu treino é voltado para o condicionamento e acabo queimando muita massa muscular”, conta Shesman.

No caso dele, como a intenção é sempre melhorar o tempo, há a necessidade de um treino bastante árduo fisicamente. A suplementação, nessas condições, se torna, segundo ele, essencial. Shesman e Jonas apostam nos géis de carboidrato. “A partir do décimo quilômetro, é essencial para reposição de nutrientes. Infelizmente, é mais prático que carregar uma banana”, diz Shesman.

Riscos
Militar e estudante de educação física, Jordan Soares da Silva, 26, faz treinos menos rigorosos e, consequentemente, recorre menos aos suplementos. A primeira refeição do dia é uma vitamina com whey protein por indicação da nutricionista procurada por ele para perder peso. Diariamente, ele reveza sessões de musculação e de corrida, que são sucedidas de uma segunda dose da bebida proteica. Jordan considera que os efeitos promovidos pela suplementação são sentidos a longo prazo. “Para falar a verdade, na hora, eu não sinto nada demais. Creio que faz parte de um processo de recuperação das fibras musculares.” A única alteração, segundo ele, é uma redução no cansaço no fim da prática esportiva.

Integrante da Associação Brasileira de Nutrologia, Carlos Alberto Werutsky explica que pessoas fisicamente ativas e, talvez, esportistas podem não necessitar de suplementação alimentar se a dieta for suficiente em calorias e macronutrientes, mas têm a necessidade de reposição hidroeletrolítica (isotônico), dependendo da intensidade do treino. “O suplemento alimentar não pode substituir a dieta adequada. Ele deve ser um ingrediente da alimentação, mas, se consumido em excesso, traz prejuízos ao organismo, o que não acontece com a ingestão mesmo exagerada do alimento contendo o nutriente procurado.”

O nutrólogo detalha que o whey protein pode contribuir para a recuperação de glicogênio muscular se for consumido simultaneamente com carboidratos. “Mas, para a reidratação, ainda o melhor é a água com sais minerais porque o músculo esquelético precisa manter cerca de 70% de água para o seu adequado funcionamento.”


Proporção ideal
“A pesquisa mostrou que a reposição de proteína e carboidrato favorece a rápida recuperação muscular e metabólica. A bebida sem calorias não é tão boa e aquela só com carboidratos e eletrólitos é um pouco melhor, mas não chega a ser ideal. A bebida completa com proteína, carboidrato e lipídios se mostra então superior. O leite com chocolate, na realidade, é proteína (no caso, a caseína presente no leite), lipídios (gordura do leite) e o carboidrato — que está, por exemplo, no açúcar do chocolate. É uma experimentação que está dentro da proporção chamada de ideal: 4g de carboidrato para 1g de proteína. Mas isso para o pós-treino, exclusivamente." - Gabriel Biancardi, nutrólogo do Centro de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital 9 de Julho

Dieta só com sintéticos
O norte-americano Rob Rhinehart polemizou ainda mais a questão sobre o consumo de suplementos ao declarar em 2013 que se alimentaria, dali para frente, quase exclusivamente de um produto sintético que ele mesmo criou, o Soylent. Ele alega que os alimentos tradicionais são obsoletos e mais caros. A história gerou um debate nos Estados Unidos e Rhinehart enfrentou a ira dos defensores da alimentação natural e orgânica.

O produto é um tipo de pó que, ao ser misturado com água, resulta em um líquido bege e levemente adocicado. A quantidade recomendada para um mês (3,5 kg) é vendida a US$ 70 (cerca de R$ 150). “Ele contém todos os nutrientes necessários para substituir alimentos de forma eficiente e se tornar uma fonte alimentar padrão para toda a humanidade que pode ser produzida sem precisar de agricultura”, disse Rhinehart à BBC Brasil.

Segundo ele, o alimento natural nem sempre é melhor. Com o tempo, invenções do homem são sempre superiores aos seus correspondentes encontrados na natureza. “O Soylent gera menos impacto ambiental que alimentos orgânicos, que exigem grandes quantidades de terra, água e pesticidas, além de muita mão de obra. Assim que conseguirmos provar que ele é mais ecologicamente eficiente e sustentável, aqueles interessados em preservar o planeta ficarão muito felizes com o produto.” Mesmo sendo alvo de fortes críticas, Rhinehart acha ser apenas uma questão de tempo e da divulgação de informações para que o produto criado por ele seja não apenas mais aceito entre consumidores éticos como também promovido por eles.

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