A fé e os animais »

Saiba como as diversas religiões enxergam o bicho e a sua relação com os humanos

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Revista do CB - Correio Braziliense Publicação:13/11/2014 13:30Atualização:13/11/2014 10:55
Claudine (d) ao lado da filha Clara: dona de Zeca e Dorinha, ela ajudou a organizar a cãofraternização, evento em que pessoas e bichos tomaram passe ( 	Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Claudine (d) ao lado da filha Clara: dona de Zeca e Dorinha, ela ajudou a organizar a cãofraternização, evento em que pessoas e bichos tomaram passe
Os animais sempre foram lembrados pelas religiões. Eles estão presentes em muitas parábolas, fazem ou já fizeram parte de rituais históricos de sacrifício e apresentam um forte simbolismo. Cada crença dá explicações sobre a ligação que os animais têm com o mundo espiritual e os seres humanos.

Uma das figuras mais importantes para os ocidentais é São Francisco de Assis. Ele é conhecido como o padroeiro dos animais e ganhou o título de patrono da ecologia. Nas histórias mais famosas, é retratado por dar um sermão às aves, que escutaram atentamente a mensagem de louvar a Deus, e por acalmar o lobo de Gubbio, cidade italiana que estava aterrorizada pelo animal. Ele se apresenta ao lobo como um irmão e compreende que o principal problema era a fome. A cidade passa a alimentar e a cuidar dele.

“Foi uma atitude de transformar uma relação. Ele não tem nenhuma linguagem secreta de fala com os animais. É um ato de compreender a ligação desses seres com os homens, a relação de Deus com a criação”, avalia o frei Joveci Filho. Ele acrescenta que, apesar de ser relacionado à ecologia, o santo não tem apenas o sentido atual de conservar o meio ambiente. “Não é pelo simples fato de preservar, mas de perceber nos animais uma ação divina. É uma ação de admirar e cuidar da obra da criação, que faz com que ele se relacione bem com todas as coisas”, pontua.

São Francisco de Assis é famoso por receber pedidos de intercessão pelos animais. A advogada Cláudia Duarte, de 40 anos, é também ministra de eucaristia e não hesitou em pedir ajuda. No dia dedicado ao santo, 4 de outubro, levou uma foto do shih-tzu Frederico, que estava internado e, apesar da realização de exames, ainda sem conseguir um diagnóstico. Ela pediu bênção e que se mostrasse ao menos um caminho para identificar o problema. “No dia seguinte, o Fred apresentou febre e os veterinários conseguiram realizar os exames corretos e diagnosticar a doença do carrapato. Agora, ele está ótimo”, conta.

Cláudia afirma que os veterinários levantaram a hipótese de o cachorro ter ficado doente devido a uma queda de imunidade provocada pelo estresse. “Ele ficou muito agitado por conta de um acidente do meu pai”, conta. Agora, o shih-tzu está até ajudando na reabilitação do pai de Cláudia, que sofreu traumatismo craniano após uma queda. Segundo a advogada, Fred tem ajudado na recuperação da memória e dos movimentos. “Meu pai conseguiu reconhecer o Frederico e, agora, consegue fazer carinho na cabeça dele”, descreve.

A primeira vez que Cláudia rogou pela intercessão de São Francisco foi logo depois de adquirir o animal. Fred nasceu com a síndrome de shunt, uma anomalia que prejudica a metabolização de toxinas pelo fígado, mas ficou bem após começar a consumir uma ração adaptada. “Quando tem algum cachorro muito mal na clínica, os veterinários até brincam para eu pedir ajuda a São Francisco”, comenta Cláudia. “Mas é preciso ter fé e que os donos façam o pedido.”

O frei Joveci Filho recomenda cautela nesse aspecto. “Pedimos pelas bênçãos na vida da pessoa e dos animais, mas procuramos desvincular uma imagem mágica”, enfatiza. Ele também explica que, para o catolicismo, a alma é exclusiva dos seres humanos, que também se diferenciam por ter características como a razão, a liberdade e a vontade própria. A semelhança com os animais está na origem, todos feitos pelos mesmo criador.

O frei destaca que um dos ensinamentos que podemos aprender com os bichos é o da via do meio. Para ele, os animais não agem de forma excessiva, sem comer ou dormir demais. Até agredir o ser humano é apenas uma atitude de reação. “Eles sempre ensinam o homem a fugir dos desvios dos excessos. Precisamos aprender a realizar o que é próprio da humanidade, que é a busca da unidade com Deus”, opina.

Francisco de Assis também é respeitado pelos espíritas. Ele foi adotado como patrono do centro Monte Alverne, fundado por Ariston Teles. Segundo ele, Francisco é considerado um espírito protetor. As crenças em relação à espiritualidade, no entanto, diferem dos católicos. Para o espiritismo, os animais têm alma e reencarnam, porém, o processo é mais simples — o humano exige planejamento, enquanto o animal acontece de forma compulsória. “Na essência, tudo é espírito. A matéria é um estado de energia transitória. Acontece frequentemente de vivermos com animais que já conhecemos”, afirma Ariston, sem tirar do colo a pinscher Fifi, companheira há 10 anos. Além dela, ele tem a dálmata Lua e a vira-lata Pretinha, “que apareceu sozinha, vindo tomar passe como se fosse gente”, brinca.

A funcionária pública Marluce Torres de Lima, de 44 anos, também é adepta do espiritismo. “Eu falo em tom de brincadeira que o Bili é a reencarnação de uma cachorrinha que tive quando criança. Mas, na verdade, eu olho para ele e sinto uma ligação muito forte, de amor, cuidado, carinho. Eu acredito, por intuição, que ele foi a Meni”, conta. A Meni vivia com a família de Marluce em Minas Gerais, mas, quando se mudaram para Brasília, ela passou a ser tratada de maneira diferente. Antes com todo acesso à casa, ela passou a ficar no quintal e recebia menos atenção e cuidados. Pouco tempo depois, a cadela adoeceu e morreu. “Ela foi praticamente abandonada. Eu acho que a Meni reencarnou para eu poder cuidar dela como eu não fiz antes”, acredita.

Marluce considera que os animais são como faxineiros espirituais, que ajudam a aliviar a tensão do dia a dia, principalmente por serem alvo de carinho e afeto. Ela também acredita que os animais podem trazer tranquilidade, segurança e uma melhora mais rápida em problemas de saúde, como a depressão. “Acho que facilita a evolução deles e a nossa. A partir do momento em que você se dedica ao animal, não vai ter nada em troca, além do carinho e da companhia. Aprendemos a ser menos egoístas. O animal não tem ego e nos ama incondicionalmente”, opina.

Ariston Teles cita uma frase conhecida de Guimarães Rosa para falar sobre os ensinamentos dos animais. “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?” Para o espírita, os animais nos evocam ternura porque irradiam a pureza e a inocência que os humanos perderam. O centro fundado por Ariston também foi palco de uma “cãofraternização”, um evento em pessoas e bichos tomaram passe, fizeram orações, e ainda doaram ração e adotaram animais.

Claudine Araújo, de 46 anos, diretora de uma faculdade, foi uma das pessoas que ajudou a organizar o evento. Ela tem dois “filhos caninos”, Zeca e Dorinha. Ela considera que os animais não são mais nem menos evoluídos, são nossos companheiros de caminhada à evolução. “Eles são completamente abertos ao amor incondicional. E a gente nem precisa falar ou chorar, eles entendem. É uma outra linguagem, outra conexão. Se tem alguém doente aqui em casa, eles sentem”, descreve. Ela conta que a filha Clara teve complicações após uma cirurgia de pedra nos rins e Zeca redobrou a atenção para ela. Ele acabou desenvolvendo um problema de pele que os veterinários apontaram o estresse como a causa.

Para Jorge Caetano, dirigente de um terreiro de umbanda, os animais têm uma percepção mais aguçada. “É um bom indício se o seu cachorro rosnar ou se mostrar agressivo em relação a você. Eles podem estar vendo algo negativo que esteja te acompanhando”, opina. Nesses casos, ele recomenda meditar e fazer preces. Jorge também considera que os animais são espíritos em evolução, mas que apresentam uma alma coletiva, identificam-se como espécie, mas ainda sem a consciência de individualidade enquanto ser único no universo.

Uma das religiões que chama atenção pela relação com os animais é o hinduísmo. A organizadora de um centro Vedanta, a filosofia hindu, esclarece, no entanto, que existem muitas concepções errôneas sobre o assunto. “As pessoas acham que o hinduísmo tem muitos deuses, mas, na verdade, são várias manifestações de um único Deus”, explica Lívia Borges. Essas manifestações podem ser representadas por animais. Ela destaca, no entanto, que a principal mensagem dessa religião é o profundo respeito ao bichos, derivado da ideologia da paz, da recusa ao uso da violência. Atitude que pode transcender barreiras culturais e religiosas.

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