Com doença rara, menina que passou a usar canabidiol tem melhora notável

A substância não garantiu apenas que as crises zerassem, mas ofereceu oportunidades para a menina e para a família Fischer

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Roberta Pinheiro - Correio Braziliense Publicação:14/11/2014 10:30Atualização:14/11/2014 10:29
Katiele e Norberto Fischer com Anny (E) e Júlia: a história da família mudou a partir da primeira dose de CBD  (Daniel Ferreira/CB/D.A Press)
Katiele e Norberto Fischer com Anny (E) e Júlia: a história da família mudou a partir da primeira dose de CBD
Maria de Fátima de Bortoli Andrade, 62 anos, via na cama uma bonequinha de pano que não se mexia. Há um ano, essa era a imagem que a avó encontrava no quarto da neta, Anny Fischer, 6 anos. Nas lembranças de Maria Fátima, a menina não chorava nem sorria. Era uma criança sem reações, que não reclamava, que mal comia ou dormia. Tudo isso porque Anny, que sofre de um problema genético raro, tinha, em média, 60 convulsões por semana. As crises eram provocadas por um tipo de epilepsia grave e sem cura, causada pela síndrome CDKL5.

Em novembro do ano passado, Anny tomou a primeira dose de Canabidiol (CBD), substância derivada da Cannabis sativa, a planta da maconha. A essa altura, a família ainda importava ilegalmente o produto. Apesar da preocupação da avó em iniciar o novo tratamento, essa era a opção para ver se Annynha melhorava. A partir desse dia, a história da família mudou. Os verbos que definiam os momentos de tensão e de angústia ficaram no passado e a bonequinha de pano ganhou vida. A substância não garantiu apenas que as crises zerassem, mas ofereceu oportunidades para a menina e para a família Fischer. Somente em abril último, eles conseguiram a autorização na Justiça para importar legalmente o CBD.

Nas palavras do pai de Anny, Norberto Fischer, 46 anos, o aniversário que comemoram esta semana é um novo tipo de celebração. “Me lembro como se fosse ontem: Katiele e eu na cozinha, com o CBD pronto para ser ministrado. Nós olhamos, calados, ambos com lágrimas nos olhos, o coração batia forte de esperança e expectativa. Essa poderia ser nossa última tentativa de salvar sua frágil vida”, escreveu Norberto ao lembrar a data. De um ano para cá, a energia da casa dos Fischer é outra. Em cada canto, é possível notar a felicidade da família.

O vocabulário antes dominado por palavras como hospital, vigia, crises e remédios cedeu espaço para as brincadeiras na piscina, os brinquedos, os sorrisos e a oportunidade de novas terapias. “É uma alegria vê-la melhorando a cada dia. Primeiro, porque a Anny não tem mais as crises generalizadas e, sem elas, tem a chance de voltar a aprender, fora as outras medicações que a deixavam dopada e que retiramos. Todo mundo fica com a bochecha doendo quando vem aqui em casa. É olhar para ela e rir de alegria pelos ganhos incríveis”, contou Katiele Fischer, 34 anos, mãe de Anny.

O CBD abriu a porta da casa dos Fischer para que Anny ganhasse qualidade de vida e pudesse, mesmo com a síndrome, ter uma vida sem traumas e recheada de momentos em família, de brincadeiras com a irmã e banhos de sol com a mãe. A bonequinha de pano que a avó via no quarto ganhou um brilho especial. “Um dia, a Anny estava sentada e eu disse: ‘Annynha, a vovó vai salvar você’. Ela sorriu tanto que caímos todos em um choro de felicidade. Ela é um pedacinho de mim. Quero vê-la melhor sempre”, recordou Maria Fátima.

Batalha virou filme
Na opinião dos pais e dos profissionais que acompanham Anny, não restam dúvidas de que um ano de Canabidiol (CBD) representou uma mudança na vida da menina. Mas não foi só o dia a dia dela que melhorou. A história de Anny deu início a uma luta que ganhou proporções nacionais. Katiele e Norberto passaram a defender também o uso medicinal da maconha.
As questões relacionadas à maconha medicinal passaram a fazer parte do cotidiano dos Fischer e de outras famílias. Tanto que inspirou o filme Ilegal — A vida não espera. A obra dirigida por Tarso Araújo ganhou as salas de cinema de todo o país e ainda pode ser vista em Brasília, no Casa Park. “O que se conquistou até agora não tem mais volta. Antes, ajudávamos com o sentimento de obrigação, pois sabíamos o sofrimento das famílias. Hoje, fazemos com gratidão e o maior prazer”, contou Norberto. Katiele diz querer compartilhar com outras mães a felicidade de ver um filho bem. “É por isso que batalhamos todos os dias”, concluiu.

Batalha compartilhada por muita gente, como o promotor de justiça do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) Sério Bruno Cabral Fernandes. “Os benefícios não são só para a Anny, mas para mudar o paradigma da discussão de uma planta que pode ter finalidade de entorpecente, mas também de remédio medicinal. Quem vai decidir as vantagens e as desvantagens do uso para os pacientes é a ciência, não o preconceito e a burocracia.”


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