Mineira consegue na Justiça o direito de usar remédio à base de maconha

Paciente com dor crônica é a primeira do país a conseguir decisão judicial para importação de medicamento com 45% de THC, considerado alucinógeno

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Valquiria Lopes Publicação:28/08/2014 07:37Atualização:28/08/2014 08:30

'Recebi a notícia como uma vitória, não só por mim, mas por todas as pessoas que precisam desse medicamento e usam a maconha na clandestinidade. Estou ansiosa para importar o remédio' - Juliana de Paolinelli Novaes, portadora da síndrome da cauda equina (Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
'Recebi a notícia como uma vitória, não só por mim, mas por todas as pessoas que precisam desse medicamento e usam a maconha na clandestinidade. Estou ansiosa para importar o remédio' - Juliana de Paolinelli Novaes, portadora da síndrome da cauda equina
A esperança para uma dor crônica e que há mais de uma década vem acompanhada de crises convulsivas e espasmos generalizados. Foi na Justiça, que a mineira Juliana de Paolinelli Novaes, de 34 anos, conseguiu o direito de importar o medicamento Sativex, feito à base de substâncias derivadas da maconha. O remédio, proibido no Brasil, por conter o Tetrahidrocanabinol (THC), causador da dependência pela droga, tem ainda em sua fórmula o canabinol, que alivia os sintomas da síndrome da cauda equina, doença da qual Juliana foi diagnosticada e que provoca compressão dos nervos da coluna vertebral. A decisão foi concedida em primeira instância no dia 22, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só foi notificada ontem. A liminar coloca Juliana como primeira paciente no Brasil a conseguir comprar o produto no exterior, já comercializado em 11 países para fins terapêuticos no tratamento da dor.

De acordo com a Anvisa, 50 pedidos para liberar a entrada de remédios à base de THC já foram atendidos no país, do total de 72 recebidos. Em três casos, os pacientes morreram e o restante está em análise. Segundo a agência, o caso de Juliana é pioneiro por ser o de maior concentração da substância, considerada psicotrópica. Enquanto todas as solicitações atendidas foram para fórmulas com até 1% de THC, o Sativex – indicado em laudo expedido pelo médico de Juliana e remetido à Justiça – contém 45% da substância e 55% de canabinol.

O juiz federal substituto Valmir Nunes Conrado, da 13ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, autor da decisão, explica sua posição ao dar parecer favorável à belo-horizontina. “O assunto envolve um conflito aparente de princípios. De um lado, tem a questão da saúde, da qualidade de vida. Do outro, o confronto com posição da saúde pública, já que há uma fiscalização da Anvisa contrária ao caráter psicotrófico do medicamento. Eu privilegiei o ganho para a saúde da paciente”, diz.

A Anvisa, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que irá cumprir a medida, autorizando a paciente, por meio de documento, a importar o medicamento. A partir daí, Juliana estará apta a fazer orçamentos, comprar o remédio e recebê-lo de forma legal. Para isso, terá apenas que informar à agência qual será a porta de entrada do remédio no Brasil. Apesar de cumprir a decisão, a Anvisa adiantou que irá recorrer da medida com um agravo de instrumento.

Mesmo com a posição contrária da agência, Juliana já tem o aval para comprar o Sativex para 12 meses de tratamento. “Recebi a notícia como uma vitória, não só por mim, mas por todas as pessoas que precisam desse medicamento e usam a maconha na clandestinidade. Estou ansiosa para importar o remédio e ver como ele funciona”, conta.

DIREITO AO ALÍVIO

A paciente reforça que sua luta na Justiça não é pelo uso indiscriminado da droga. “Quero deixar claro que meu interesse é pelo uso medicinal. Não quero alimentar o tráfico ou fazer apologia pelo uso da maconha. Só quero ter meu direito exercido”, conta. Apesar de todas as dificuldades, Juliana tenta levar uma vida normal. Teve duas filhas, hoje com 5 anos e 12 anos, dirige, faz faculdade e cuida das tarefas da casa. Mas a rotina que ela luta para manter é frequentemente quebrada pelas crises.

Segundo ela, a droga foi o único alívio encontrado, depois de usar fortes medicamentos, sem solução. “Cheguei a ter uma bomba de morfina implantada em meu abdome por quatro anos. Além de não resolver o problema da dor, comecei a passar muito mal com a substância e a ter problemas neurológicos.”, conta. Ela diz que, em 2011, decidiu retirar o aparelho devido aos fortes efeitos colaterais da droga, à intolerância ao tratamento e à ausência de efeitos desejados. Juliana também suspendeu toda a medicação da qual fazia uso e manteve apenas a maconha.

A paciente diz que as internações de urgência em hospitais da capital são frequentes. “Pelo menos uma vez por mês tenho crises convulsivas que duram até 24 horas. Fico consciente, mas os movimentos involuntários e a dor não passam. É uma situação muito difícil e só eu sei como sofro”.

A Anvisa, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que irá cumprir a medida, autorizando a paciente, por meio de documento, a importar o medicamento (Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
A Anvisa, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que irá cumprir a medida, autorizando a paciente, por meio de documento, a importar o medicamento
Projeto de lei propõe uso medicinal
A liberação do uso de medicamentos à base de substâncias derivadas da maconha já é objeto de análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Desde o fim de maio, a diretoria colegiada do órgão debate o tema, mas ainda não há consenso sobre a autorização. A possibilidade de permitir a comercialização controlada e com retenção de receitas de remédios feitos com canabinol, usado para fins terapêuticos, chegou a ser levantada pelos diretores. A hipótese, no entanto, esbarrou no processo de extração da substância, que não ao ser retirada da maconha vem acompanhada do Tetrahidrocanabinol, responsável pelo efeito alucinógeno da droga.

Desde então, a agência não mais se posicionou sobre o assunto e vem liberando, sem necessidade de ações judiciais, os pedidos de pacientes para liberação da entrada de produtos derivados da maconha. No entanto, segundo o órgão, todas as solicitações atendidas são para fórmulas de baixa concentração de THC (até 1%). Por meio de sua assessoria de imprensa, a Anvisa afirmou não ter estudos sobre os efeitos dos medicamentos feitos à base de derivados da maconha, já que os mesmo têm entrada proibida no Brasil.

REGULAMENTAÇÃO

No Senado e na Câmara dos Deputados, assunto também ressoa. Enquanto dois projetos de lei tramitam nesta última casa, o Senado tem uma sugestão de proposta de lei em andamento para regular o uso recreativo, medicinal e industrial da maconha.

Na Câmara, o PL 7270/2014, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), prevê a regulamentação da produção, industrialização e comercialização da cannabis sativa (nome científico da maconha) e de seus derivados. Dispõe ainda sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, cria o Conselho Nacional de Assessoria, Pesquisa e Avaliação para as Políticas sobre Drogas. A proposta, que entrou em tramitação em março, é analisada em conjunto com o PL 7.187, de fevereiro. O texto do deputado Eurico Júnior (PV/RJ) prevê o controle, a plantação, o cultivo, colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha e seus derivados.

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