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Jovens contam como conciliam início da vida universitária longe da casa dos pais

Especialistas garantem que a experiência pode provocar efeitos que serão levados pelo resto da vida

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Correio Braziliense Publicação:22/11/2014 10:00Atualização:20/11/2014 12:34
A escolha da profissão veio com o novo jeito de viver: mais independente e longe da família. Anna Caroline Soares, 19 anos, deixou Palmas para estudar engenharia elétrica na Universidade de Brasília (UnB) no segundo semestre do ano passado. “Seria melhor estudar aqui do que em uma faculdade da minha cidade”, justifica. A jovem começou a se preparar para o voo solo ainda no ensino médio e com o apoio da mãe. Ainda assim, encontrou dificuldades quando desembarcou na capital do país. “No começo, eu morava em um pensionato e não gostava muito. Não conhecia muita gente e ficava muito tempo dentro do quarto sozinha. Minha mãe não me deixava mudar porque não tinha ninguém para morar comigo”, conta.
Anna Caroline veio de Palmas para estudar na UnB e fala com os pais diariamente: 'Lembrar que está compensando ajuda muito' (Minervino Junior/CB/D.A Press)
Anna Caroline veio de Palmas para estudar na UnB e fala com os pais diariamente: "Lembrar que está compensando ajuda muito"

A primeira tentativa em dividir um apartamento não deu certo, Anna não se sentiu confortável. “Era com a filha de uma amiga da minha mãe, mas tinha muitas exigências. Faltava tempo para muita tarefa doméstica”, diz. Depois de alguns meses tentando se acostumar com a vida longe de casa, a jovem encontrou uma nova companheira de apartamento. “No começo deste ano, eu passei a dividir uma quitinete com uma amiga que morou comigo no pensionato. Com ela, dá certo.”

Para Anna, a parte mais difícil da rotina é não poder estar junto da família “Aos domingos, todo mundo se reunia na casa da minha avó para almoçar. É uma coisa de que eu sinto muita falta.” Apesar da distância, ela tenta se comunicar com os pais diariamente. “Quase toda noite, meu pai me liga. E minha mãe me manda mensagem sempre.” As ligações não são a única estratégia da jovem para matar a saudade de casa. “Fiz um álbum com algumas fotos e tento não ficar sozinha”, diz. “Lembrar que está compensando ajuda muito.”

Marco Antônio Teixeira, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta que a saudade de casa é um sentimento comum a jovens que precisavam fazer mudanças para dar início à vida profissional. Nesse momento de transição, alerta o especialista, o apoio dos pais é essencial. “Eles normalmente não se sentem muito confortáveis com os filhos saindo de casa e expressam as preocupações, o que é importante. Mas é preciso apoiar também para que o jovem não se sinta desamparado, sem ter uma noção muito clara se pode ou não entrar em contato quando tiver que enfrentar um desafio maior.”

Teixeira também explica que não há como definir como será a adaptação de cada pessoa quando deixa de morar com a família e muda de cidade. “É uma oportunidade de crescimento. Pode ser um grande desafio para uns, outros podem lidar melhor com isso.” O especialista também ressalta a importância de evitar que as mudanças na rotina não impacte na estreia da vida universitária. Um mal-entendido ou uma frustração pode ser determinante quando se está começando a conhecer uma carreira. “A passagem do ensino médio para o superior é um modo de aprendizado diferente. Exige mais autonomia na hora de estudar. Essa mudança costuma assustar os alunos, podendo dificultar a adaptação.”

Mudança de estado
Segundo o Ministério da Educação, só no ano passado, mais de 15 mil pessoas mudaram de estado para fazer o curso superior em instituições públicas. O Paraná é a unidade da Federação com maior índice de calouros migrantes, 27% dos matriculados em 2013. Depois, vêm Santa Catarina (25%), Distrito Federal (23%) e a Paraíba (20%).

Taísa Godoy, 23 anos, viveu a experiência mais de uma vez. Aos 17 anos, ela saiu de Bela Vista, em Mato Grosso do Sul, para estudar em Dourados, no mesmo estado. “No começo, foi difícil. Eu queria voltar para casa por causa da pressão. Entrando na faculdade, passei a sentir dificuldade com os estudos, com as notas. Mas a gente se acostuma, amadurece”, conta . Depois de se formar em biotecnologia, em 2013, Taísa mudou de cidade de novo. “Fui para o Tocantins fazer um mestrado.” Ela ficou sete meses na cidade e teve que se mudar mais uma vez. “Meu orientador me aconselhou a vir para Brasília porque os laboratórios daqui são melhores”, explica.

Apesar de tantas mudanças nos últimos seis anos, Taísa não acha difícil se adaptar a novas cidades. Ela conta que uma das únicas dificuldades que sente é na hora de fazer as novas amizades. “Sou uma pessoa bem reservada. Por isso, tenho um pouco de dificuldade em conhecer as pessoas.” A saudade também está no topo dos obstáculos da trajetória trilhada. “Eu sinto muita falta das pessoas que foram ficando. Falo todo dia por telefone com meus pais e mantenho contato pelas redes sociais com os meus amigos.” Mesmo gostando da cidade em que mora há um ano, a biotecnóloga se prepara para seguir caminho. “Não pretendo voltar para a minha cidade, mas vou voltar para o meu estado e ficar mais perto da minha família”, planeja

Tem que planejar
Amanda da Silva, 26 anos, saiu de Brasília para fazer pós-graduação assim que entregou o projeto final do curso de economia. “Fiz seleção em três lugares, além daqui. Dos que passei, preferi Campinas porque o instituto de lá é muito bom”, explica. Mas a mudança para São Paulo não saiu da maneira que a estudante havia planejado. “Tinha a ideia de ficar só um ano e voltar para fazer a parte prática. Não aceitaram meu projeto e me passaram um orientador que morava em Ribeirão Preto. A cada 20 dias, tinha que pegar um ônibus e ir para Ribeirão participar do meu projeto. Foi muito cansativo”, lembra.

Amanda da Silva não se adaptou à vida em São Paulo e conseguiu transferir a pós-graduação para Brasília (Arquivo Pessoal)
Amanda da Silva não se adaptou à vida em São Paulo e conseguiu transferir a pós-graduação para Brasília
Professor de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Cloves Amorim ressalta que o planejamento exerce grande influência na hora da adaptação, mas os jovens precisam estar preparados, emocional e financeiramente, para os imprevistos. “Algumas vezes, há muitas fantasias que não se realizam.” Para lidar com as decepções, ele aconselha pensar em “um projeto mais consistente e realista; analisando os fatores e revendo estratégias.”

A nova realidade dificultou a adaptação de Amanda em São Paulo. “Foi muito difícil. Não gostei muito da cidade, achava tudo ruim. Juntando com a saudade da família, ficava ainda mais complicado. Uma duas ou três vezes, pensei em desistir, achei que não ia dar conta”, lembra. Outro ponto que pesou para a estudante foi o fato de ele ter feito a mudança muito rápido. “Eu apresentei minha monografia na sexta-feira e, na quarta seguinte, já estava indo. Foi tudo muito rápido e não tive tempo de absorver como seria.”

Depois de um ano em Campinas, Amanda conseguir voltar para Brasília para concluir a pós-graduação. Além da dificuldade na adaptação, um problema de saúde na família aumentou a vontade de voltar para casa e convencer a faculdade sobre a importância do retorno. “Eu expliquei o que estava acontecendo e eles aceitaram um projeto novo.”

Enquanto ainda morava em Campinas, a estudante procurou manter contato com a família para amenizar os problemas da nova rotina. “Eu vinha para Brasília mais ou menos uma vez por mês. Conversava com meu pai todos os dias por telefone. E, uma vez na semana, conversava por Skype com minha mãe e minha irmã. Sempre mantive contato.”

Amorim ressalta a importância do uso da tecnologia na fase de adaptação. “Ela facilita bastante a vida e proporciona uma transição mais segura e com o apoio virtual da família”, explica. Segundo o especialista, a relação construída anteriormente também é determinante no enfrentamento das dificuldades. “Uma família democrática, em que o sujeito vive regras e afetos na medida ideal, aumenta a probabilidade de ele desenvolver autonomia e resiliência para situações desafiadoras”, explica.

Em casa desde dezembro do ano passado, Amanda não se arrepende da experiência vivida: “Saí da minha zona de conforto. É complicado ir para um lugar onde você não conhece absolutamente ninguém, ter de se readaptar, começar tudo do zero. Apesar de ter sido muito difícil, a gente amadurece muito”, avalia.


Desafios até caseiros
“Antes de fazer a mudança, é importante fazer um exercício de planejamento para saber como lidar e pensar como vão funcionar as tarefas básicas, como gerenciar o dinheiro, lavar roupa, fazer comida. E procurar ser mais autônomo antes de sair de casa. Para muitos jovens, é a primeira vez que vão fazer essas tarefas.”

Marco Antônio Teixeira, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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