Pesquisa revela que homens fumantes têm menos cromossomos Y
A constatação é de uma pesquisa sueca que analisou cerca de 6 mil indivíduos. A perda dessa parte do DNA pode aumentar as chances de a pessoa ter câncer
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:10/12/2014 15:00Atualização: 05/12/2014 11:42
O estudo teve início na década de 1970. “Este artigo é parte de um projeto maior que estudou mutações genéticas adquiridas em populações humanas ao longo da vida e como as células com tais aberrações afetam a saúde e as doenças”, explica ao Correio Lars Forsberg, coautor da investigação e pesquisador do Departamento de Imunologia, Genética e Patologia da Universidade de Uppsala.
Na pesquisa, os cientistas utilizaram dados de mais de 6 mil homens de diferentes idades e levaram em conta fatores físicos e comportamentais. Os dados também foram comparados com os de mulheres, e, ainda, gêmeos foram recrutados para ajudar nas análises. Os autores notaram, então, que homens fumantes possuíam um menor número de cromossomos Y do que os não fumantes, e que essa perda parecia relacionada a um maior número de casos de tumores em homens do que em mulheres. “Nós já havíamos demonstrado uma associação entre a redução do cromossomo Y no sangue e um maior risco de câncer e descobrimos que a perda do cromossomo Y em uma fração das células do sangue era mais comum em fumantes do que em não fumantes”, destaca Forsberg.
Os pesquisadores notaram ainda que quanto mais se fuma, maior é a redução, e que homens que deixam de fumar recuperam as estruturas perdidas. “Nossos dados sugerem que o cigarro pode causar a perda do cromossomo Y e que esse processo pode ser reversível. Descobrimos que a quantidade não foi diferente quando comparamos os ex-fumantes com os homens que nunca fumaram. Essa novidade pode ser muito persuasiva para motivar os fumantes a pararem”, acredita o especialista.
Perda somática
A redução de cromossomos têm sido um fenômeno analisado por vários cientistas, informa André Murad, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Chamamos isso de perda somática, e ela pode acontecer no nascimento ou por diversas outras causas ambientais, como o uso de pesticidas. Esses fenômenos externos antes eram desconhecidos, mas muitos estudos têm se dedicado a descobrir por que isso acontece, quais são os fatores responsáveis, como o cigarro”, conta o brasileiro, que não participou do estudo.
Para Murad, o trabalho sueco segue a mesma linha de pesquisa de outros grupos. “O cromossomo Y é o responsável pela estabilidade genômica da célula e por uma autoreparação das células. Ao expor essa célula ao cigarro, ela perde essas propriedades, aumentando, assim, as chances de o organismo ter diversas doenças, incluindo o câncer”, analisa.
Na avaliação de Celso Rotstein, oncologista e consultor da Fundação do Câncer, no Rio de Janeiro, o novo trabalho aponta uma possibilidade para a causa de câncer de pulmão em homens, mas ressalta que não é possível dizer que o hábito seja a única causa da doença. “A pesquisa mostra que o tabaco pode interferir no núcleo das células de DNA por meio de lesões no cromossomo Y. Nós sabemos que os tumores malignos, chamados de neoplasias, são doenças que acometem inicialmente o DNA de uma célula. Por motivos que não sabemos totalmente, eles conseguem enganar e ultrapassar o sistema de defesa do organismo. Acredito que, com base nesse trabalho, não podemos dizer que isso seja causado diretamente pelo tabaco, mas comprova uma suspeita de que o cigarro pode ser um fator importante para isso”, destaca.
Melhor tratamento
Segundo Rostein, a pesquisa contribui para a área de tratamentos, por servir como uma importante fonte de informação sobre a situação do paciente. “Hoje, nós temos que definir diferentes tipos de tumores, caso um gene tenha uma expressão maior ou menor que outros, podemos determinar mutações ligadas a esse problema de saúde. Na área do câncer, são inúmeros os tipos de cancros, e é muito importante saber como cada um deles se comporta para que possamos tratá-lo da melhor forma possível”, detalha.
A opinião é compartilhada por Murad. “A causa do câncer antes era meio turva. Hoje, sabemos que ele pode ser causado por mutações em genes e, com isso, conseguimos novos tratamentos. Se tivermos essa comprovação da diminuição do cromossomo Y ligado ao câncer, por exemplo, podemos criar algum recurso, para ser usado em medicamentos, que impeça a destruição desse cromossomo”, acrescenta.
O trabalho dos cientistas suecos terá continuidade. A equipe responsável pretende aumentar o número de participantes analisados para coletar mais informações, mas os especialistas acham que a pesquisa já funciona como um aviso aos fumantes. “Acreditamos que esses resultados possam servir de alerta para que as pessoas parem de fumar e saibam que nunca é tarde demais para decidir se livrar do vício”, complementa Forsberg.
Tratamento planejado
“Podemos destacar que esse trabalho mostra um potencial marcador de prognóstico. Isso quer dizer que, no caso de um paciente do sexo masculino com diagnóstico de câncer, a pesquisa da perda do cromossomo Y pode prever como será a evolução da doença e permitir um melhor planejamento do tratamento do paciente. Essa perda do cromossomo Y acontece apenas em uma porcentagem pequena das células e mais frequentemente nos homens idosos. Porém, ter essa perda não implica necessariamente ter câncer, mas sim que a doença pode ter uma pior evolução.”
Michele Migliavacca, consultora em genética clínica e geneticista do Laboratório Exame
Segundo o estudo, homens que param de fumar recuperam os cromossomos perdidos
Saiba mais...
Os malefícios do cigarro são conhecidos popularmente, mas o hábito de fumar permanece comum em grande parcela da população mundial. Por conta disso, o tabaco e seus efeitos no organismo humano continuam a ser alvo de pesquisas constantemente, como um novo trabalho apresentado ontem por pesquisadores suecos na revista Science. Segundo o trabalho, homens tabagistas sofrem redução da quantidade de cromossomos Y nas células, e os autores acreditam que esse efeito pode aumentar os riscos de câncer.- Número de fumantes cai no Brasil
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O estudo teve início na década de 1970. “Este artigo é parte de um projeto maior que estudou mutações genéticas adquiridas em populações humanas ao longo da vida e como as células com tais aberrações afetam a saúde e as doenças”, explica ao Correio Lars Forsberg, coautor da investigação e pesquisador do Departamento de Imunologia, Genética e Patologia da Universidade de Uppsala.
Na pesquisa, os cientistas utilizaram dados de mais de 6 mil homens de diferentes idades e levaram em conta fatores físicos e comportamentais. Os dados também foram comparados com os de mulheres, e, ainda, gêmeos foram recrutados para ajudar nas análises. Os autores notaram, então, que homens fumantes possuíam um menor número de cromossomos Y do que os não fumantes, e que essa perda parecia relacionada a um maior número de casos de tumores em homens do que em mulheres. “Nós já havíamos demonstrado uma associação entre a redução do cromossomo Y no sangue e um maior risco de câncer e descobrimos que a perda do cromossomo Y em uma fração das células do sangue era mais comum em fumantes do que em não fumantes”, destaca Forsberg.
Os pesquisadores notaram ainda que quanto mais se fuma, maior é a redução, e que homens que deixam de fumar recuperam as estruturas perdidas. “Nossos dados sugerem que o cigarro pode causar a perda do cromossomo Y e que esse processo pode ser reversível. Descobrimos que a quantidade não foi diferente quando comparamos os ex-fumantes com os homens que nunca fumaram. Essa novidade pode ser muito persuasiva para motivar os fumantes a pararem”, acredita o especialista.
Perda somática
A redução de cromossomos têm sido um fenômeno analisado por vários cientistas, informa André Murad, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Chamamos isso de perda somática, e ela pode acontecer no nascimento ou por diversas outras causas ambientais, como o uso de pesticidas. Esses fenômenos externos antes eram desconhecidos, mas muitos estudos têm se dedicado a descobrir por que isso acontece, quais são os fatores responsáveis, como o cigarro”, conta o brasileiro, que não participou do estudo.
Para Murad, o trabalho sueco segue a mesma linha de pesquisa de outros grupos. “O cromossomo Y é o responsável pela estabilidade genômica da célula e por uma autoreparação das células. Ao expor essa célula ao cigarro, ela perde essas propriedades, aumentando, assim, as chances de o organismo ter diversas doenças, incluindo o câncer”, analisa.
Na avaliação de Celso Rotstein, oncologista e consultor da Fundação do Câncer, no Rio de Janeiro, o novo trabalho aponta uma possibilidade para a causa de câncer de pulmão em homens, mas ressalta que não é possível dizer que o hábito seja a única causa da doença. “A pesquisa mostra que o tabaco pode interferir no núcleo das células de DNA por meio de lesões no cromossomo Y. Nós sabemos que os tumores malignos, chamados de neoplasias, são doenças que acometem inicialmente o DNA de uma célula. Por motivos que não sabemos totalmente, eles conseguem enganar e ultrapassar o sistema de defesa do organismo. Acredito que, com base nesse trabalho, não podemos dizer que isso seja causado diretamente pelo tabaco, mas comprova uma suspeita de que o cigarro pode ser um fator importante para isso”, destaca.
Melhor tratamento
Segundo Rostein, a pesquisa contribui para a área de tratamentos, por servir como uma importante fonte de informação sobre a situação do paciente. “Hoje, nós temos que definir diferentes tipos de tumores, caso um gene tenha uma expressão maior ou menor que outros, podemos determinar mutações ligadas a esse problema de saúde. Na área do câncer, são inúmeros os tipos de cancros, e é muito importante saber como cada um deles se comporta para que possamos tratá-lo da melhor forma possível”, detalha.
A opinião é compartilhada por Murad. “A causa do câncer antes era meio turva. Hoje, sabemos que ele pode ser causado por mutações em genes e, com isso, conseguimos novos tratamentos. Se tivermos essa comprovação da diminuição do cromossomo Y ligado ao câncer, por exemplo, podemos criar algum recurso, para ser usado em medicamentos, que impeça a destruição desse cromossomo”, acrescenta.
O trabalho dos cientistas suecos terá continuidade. A equipe responsável pretende aumentar o número de participantes analisados para coletar mais informações, mas os especialistas acham que a pesquisa já funciona como um aviso aos fumantes. “Acreditamos que esses resultados possam servir de alerta para que as pessoas parem de fumar e saibam que nunca é tarde demais para decidir se livrar do vício”, complementa Forsberg.
Tratamento planejado
“Podemos destacar que esse trabalho mostra um potencial marcador de prognóstico. Isso quer dizer que, no caso de um paciente do sexo masculino com diagnóstico de câncer, a pesquisa da perda do cromossomo Y pode prever como será a evolução da doença e permitir um melhor planejamento do tratamento do paciente. Essa perda do cromossomo Y acontece apenas em uma porcentagem pequena das células e mais frequentemente nos homens idosos. Porém, ter essa perda não implica necessariamente ter câncer, mas sim que a doença pode ter uma pior evolução.”
Michele Migliavacca, consultora em genética clínica e geneticista do Laboratório Exame