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Mudanças no corpo são um desafio no tratamento dos pacientes com HIV

No Brasil, um terço dos soropositivos abandonam a medicação. O impacto dos antirretrovirais na aparência - com a alteração na distribuição da gordura corporal, síndrome conhecida como lipodistrofia - é um dos motivos. SUS oferece cirurgia plásticas, mas em Minas pacientes ainda não podem se beneficiar

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:11/12/2014 10:00Atualização:09/12/2015 10:10
Nete mês o Brasil recebeu a notícia de que um terço dos brasileiros com HIV rejeita o tratamento: 190 mil pessoas não lutam contra a enfermidade no país. Entre os motivos, um que se destaca são os efeitos colaterais dos antirretrovirais. Apesar de as drogas serem cada vez menos tóxicas, ainda não existe, por exemplo, um medicamento que seja absolutamente livre de provocar um dos efeitos mais temidos pelos pacientes com HIV: a alteração da distribuição da gordura corporal também chamada de lipodistrofia. Como impacta a autoestima, muita gente se sente impelido a abandonar o tratamento, o que dificulta interromper a cadeia de transmissão no país.

Braços, pernas, bumbum e rosto perdem gordura a ponto de, no caso das nádegas, o paciente sentir dor para se sentar. As veias ficam aparentes e o abdômen passa a acumular gordura. Homens e mulheres ganham grandes papadas e, em palavras simples, uma corcunda logo abaixo do pescoço denominada gibosidade dorsal. No caso deles, outra mudança corporal é a ginecomastia ou crescimento das mamas. Veja:

Arte Soraia Piva / Imagens: Ministério da Saúde (Arte Soraia Piva / Imagens: Ministério da Saúde)
Arte Soraia Piva / Imagens: Ministério da Saúde


O incômodo com a mudança na aparência é tão grande que desde 2004 o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia plástica reparadora para os pacientes com HIV que sofrem com a lipodistrofia. O problema tem influência direta na qualidade de vida com consequências físicas, psicológicas e sociais. Por isso, a adesão ao tratamento tende a diminuir e o resultado é o pior possível: o desenvolvimento de resistência aos antirretrovirais e o aumento da morbimortalidade, ou seja, incidência da doença e taxa de mortalidade na população.

Infelizmente, em Minas Gerais o procedimento ainda não é uma realidade na rede pública. Segundo a secretaria municipal de saúde, a Rede SUS-BH ainda não realiza a cirurgia para corrigir a lipodistrofia, mas segundo o órgão, o Hospital Eduardo de Menezes, da rede FHEMIG, encontra-se em processo de credenciamento junto ao Ministério da Saúde. A secretaria estadual confirma o credenciamento da instituição citada e afirma que o Hospital das Clínicas da UFMG e o Hospital Universitário de Juiz de Fora também aguardam essa aprovação.

'Você vai sentir tudo isso e muito mais'
Em 1995, Silvana* foi surpreendida pela infecção por HIV. “Meu marido sabia que tinha o vírus, mas não me contou. Quando foi internado já com a doença, o médico me informou do diagnóstico e pediu para que eu fizesse o exame. Ele já estava em estado terminal”, recorda-se. Na época, ela era mãe de um menino de 6 anos e, mais do que receber uma sentença de morte, viu a vida do pai de seu filho ser interrompida. A mulher de 42 anos relata que o companheiro era usuário de drogas e acredita que possa ter compartilhado alguma seringa com alguém contaminado. “Quando descobri não existia sequer medicamento. Não tinha contagem de carga viral, a gente fazia exame de sangue de tempos em tempos, os médicos mandavam os pacientes para casa e ficávamos esperando a morte chegar. O AZT (um dos primeiros medicamentos contra o HIV) só surgiu em 96”, diz. Desde então Silvana está medicada.

Entre 2009 e 2010 começou a sentir a diferença na distribuição da gordura corporal. “Eu sempre fiz academia, gosto de correr, mas comecei a apresentar perda muscular nas pernas, quadril e braços. O médico que me acompanha pediu exames de carga viral para saber se tinha alguma alteração, mas estava zerada”, conta. Um ano depois de constatada a lipodistrofia Silvana conseguiu a cirurgia pelo SUS, no Hospital Heliópolis, em São Paulo, e colocou implante de silicone nos glúteos, fez redução de mamas e preenchimento no rosto. “Atualmente, corro atrás da minha forma física, faço musculação todos os dias e acompanhamento com nutricionista e endocrinologista. Tem que ter força de vontade”, acredita.

Ano passado, mais de 39 mil casos foram diagnosticados no Brasil  (Karlos Geromy/OIMP/D.A Press)
Ano passado, mais de 39 mil casos foram diagnosticados no Brasil
Ela conta que a mudança da aparência é um grande revés no tratamento.. “No começo foi difícil, levantar e me olhar no espelho, ver meu rosto se modificar e ter que assim mesmo encarar, lutar e trabalhar. É uma barra olhar a própria imagem e não se reconhecer. Foi complicado, ainda estou na fase de adaptação, mas devagar a autoestima melhora”, espera.

Silvana admite que o tratamento tem, sim, a parte ruim, “principalmente da estética”. Mesmo assim, segundo ela, “a qualidade de vida é mil vezes melhor”. “O que as pessoas precisam pensar é que é possível trocar o medicamento quando o paciente não se adapta. Hoje em dia as coisas estão muito melhores para quem têm HIV, só não conseguimos ainda superar o preconceito, principalmente no mercado de trabalho”, pondera. Atualmente, Silvana trabalha com a irmã que é dona de um bufê de festas.

“Tenho um amigo que abandonou o tratamento neste ano por causa da lipodistrofia, adoeceu e faleceu”, narra. Por essa razão, o recado de Silvana é simples: “Por mais difícil que seja, por mais que seja complicado levantar de manhã, o tratamento vai fazer bem. No começo, principalmente, não é fácil, é muito efeito colateral. A gente precisa trabalhar com diarreia, vômito e dor abdominal, mas depois que acerta o antirretroviral fica mais fácil. O pensamento ‘já que vou morrer, pelo menos não quero sentir nada’ é errado. Na verdade, você vai sentir tudo isso e muito mais. É um engano”, reforça.

Entenda a lipodistrofia
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Daniela Pinho é especialista em cirurgia plástica reparadora para pacientes com lipodistrofia. Segundo ela, a alteração na distribuição da gordura corporal atinge 42% dos pacientes com HIV e está muito associada aos antirretrovirais. No entanto, apesar de não existirem estudos que comprovem, o componente genético pode favorecer a manifestação dessa síndrome.

Em razão dessa forte associação, o primeiro passo para tentar barrar a lipodistrofia é trocar a medicação. Presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano lembra que a mudança só é inviável em casos de pacientes que têm vírus muito resistentes, porque sobrariam poucas opções.

Se depois de realizada a troca, a estratégia não for bem-sucedida, o paciente pode se candidatar à cirurgia reparadora. No entanto, é imprescindível que a pessoa esteja fazendo uso da medicação, seja acompanhada por um infectologista e esteja com a doença controlada. Ou seja, aqueles que estão com Aids (a manifestação aguda dos sintomas do HIV), estão excluídos em função do risco cirúrgico. Lembrando que ser HIV positivo é diferente de ter a doença. Outras restrições à cirurgia reparadora são o uso de anticoagulantes, gravidez e infecção por hepatite C.

As drogas contra o HIV estão cada vez menos tóxicas e dão qualidade de vida aos paciente. O jogador de basquete Magic Johnson anunciou que era soropositivo em 1991 (PHIL KLEIN )
As drogas contra o HIV estão cada vez menos tóxicas e dão qualidade de vida aos paciente. O jogador de basquete Magic Johnson anunciou que era soropositivo em 1991
Daniela Pinho afirma que muitos pacientes deixam de usar a medicação em função das mudanças no corpo. “São alterações na aparência que estigmatizam os pacientes com HIV, muitos ficam revoltados e preferem a doença, o que aumenta a resistência do vírus, a proliferação e o risco de contaminação”, diz.

Além da questão da autoestima, a especialista lembra que a cirurgia reparadora é um procedimento importante porque aumenta a adesão dos pacientes ao tratamento. Segundo ela, a reconstrução do glúteo com a colocação de próteses de silicone é a cirurgia plástica reparadora mais procurada pelos pacientes soropositivos.

Outros procedimentos realizados com o objetivo de minimizar os efeitos da lipodistrofia são: lipoaspiração, correção de ginecomastia, mamoplastia redutora feminina por lipodistrofia e o preenchimento cutâneo da face com polimetilmetacrilato (PMMA).

Daniela Pinho, que trabalhou muitos anos no Hospital Heliópolis, em São Paulo, instituição que é referência em cirurgia plástica para lipodistrofia, diz que a espera pode ser longa e um mesmo paciente pode precisar de mais de um tipo de cirurgia.

É importante saber também que, mesmo após os procedimentos cirúrgicos, o paciente vai continuar sofrendo a influência da medicação no corpo. Por isso, além da cirurgia, o tratamento da lipodistrofia associada ao HIV envolve mudanças no estilo de vida, com exercício físico e orientação nutricional, redução na exposição às drogas com modificação da terapia antirretroviral e tratamento farmacológico das alterações metabólicas associadas.

Arte Soraia Piva /EM / D.A Press (Soraia Piva/EM/D.A Press)
Arte Soraia Piva /EM / D.A Press



O tratamento cirúrgico das alterações corporais da lipodistrofia para pacientes com HIV foi incluído no SUS em 2004, pela Portaria Ministerial nº 2.582. Atualmente, está em vigor a Portaria Conjunta SAS/SVS nº 01, de 20 de janeiro de 2009, que trata das indicações cirúrgicas, normas para o credenciamento dos hospitais e ambulatórios, estrutura física e recursos humanos para o tratamento reparador das alterações corporais relacionadas à lipodistrofia.

A portaria vigente contempla os seguintes procedimentos reparadores:

  • Preenchimento facial com polimetilmetacrilato (PMMA);
  • Lipoaspiração de gibosidade cervical, submandibular, abdominal ou dorsal;
  • Redução de mamas ou ginecomastia;
  • Implante de prótese glútea com lipoenxertia e/ou polimetilmetacrilato.


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