Cientistas tentam melhorar os exames de diagnóstico de doenças tropicais
Pesquisadores tentam tornar os exames mais baratos e com formatos que permitam a realização deles até nas regiões mais remotas do planeta. Projetos brasileiros têm se destacado nesse sentido
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:07/01/2015 15:00Atualização: 06/01/2015 13:44
Dores, febre, vômitos e outras reações do corpo costumam ser os primeiros sinais avaliados pelos médicos para detectar um problema de saúde. Em seguida, recorrem a testes para fechar o diagnóstico. No caso das doenças negligenciadas, há pelo menos dois complicadores nesse processo: sintomas geralmente genéricos e testes que não são práticos e muito menos acessíveis. Comuns em regiões mais afastadas e menos desenvolvidas, os micro-organismos que causam essas enfermidades acabam sendo favorecidos por essas dificuldades e se disseminam. A reação da ciência tem sido a busca por exames simples e eficazes.
Trabalho do tipo é desenvolvido no Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), que tenta agilizar o diagnóstico da malária. O fato de existir quatro espécies do parasita causador da doença dificulta o trabalho dos cientistas. Eles optaram por aprimorar um teste já usado para descobrir a ocorrência da doença. E comemoram os efeitos. “Fizemos avanços significativos. Transformamos uma técnica que já existia com quatro reações distintas em um teste triplo. Assim, conseguimos resultados mais exatos e de forma rápida”, conta Viviane Monteiro Góes, bióloga molecular e uma das autoras do trabalho.
Previsto para começar a ser comercializado neste ano, o exame do instituto paranaense também chama a atenção pela facilidade com que ele pode ser armazenado. “Utilizamos compostos gelificados que mantêm os reagentes conservados, o que facilita o transporte do kit para populações ribeirinhas, que vivem em comunidades mais afastadas e que são as que mais sofrem com a malária”, detalha Viviane Monteiro. Testes com mais de 500 amostras de sangue coletadas em Rondônia indicaram resultados positivos em mais de 99% das provas quando comparados com resultados obtidos pelo método tradicional, a identificação por microscopia.
Com um número expressivo de casos no Brasil — em média 765 mil por ano —, a dengue poderá ser diagnosticada em até 30 minutos. É o que promete um kit desenvolvido por cientistas da Universidade de São Paulo (USP). A nova técnica diferencia-se por utilizar um anticorpo de galinha. “Optamos pelo gene da galinha porque ela tem muito menos semelhanças com os humanos. Se usássemos de um mamífero, por exemplo, por serem mais parecidos conosco, poderia proporcionar altas chances de erro”, explica Alessandra Figueiredo, uma das idealizadoras do biossensor.
Outra vantagem apontada pela cientista é que a ave não precisa ser morta para o desenvolvimento do exame. O gene utilizado do teste é retirado da gema do ovo. A técnica está em fase de teste, e os cientistas procuram apoio de empresas dispostas a patrocinar o projeto, que também tem como vantagem o custo baixo. “Ainda não temos o valor total, mas estabelecemos como média R$ 100 para cada aparelho. Muito provavelmente esse valor será reduzido”, acredita Alessandra Figueiredo.
Auxílio elétrico
A eletricidade também tem sido uma aliada na busca por novas formas de diagnóstico de doenças negligenciadas. Cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da USP desenvolveram um dispositivo que identifica a doença de Chagas por meio de eletrodos. Um imunossensor amperométrico detecta, no soro sanguíneo, quantidades muito pequenas de anticorpos do parasita causador da doença. O resultado, mais preciso que no método tradicional, aparece na análise da corrente elétrica. “A necessidade de desenvolvimento de um sistema que fosse mais rápido e que desse mais sensibilidade para diagnosticar Chagas é um problema grande no Brasil, na África e na Argentina. Trabalhamos com a interação do antígeno e do anticorpo por meio da corrente elétrica e conseguimos, desse modo, um diagnóstico mais rápido do que no teste usado atualmente”, destaca a pesquisadora Hideko Yamanaka, professora do Instituto de Química da Unesp e coordenadora da equipe de pesquisadores do projeto.
O aparelho elétrico foi testado com amostras sanguíneas de humanos e apresentou resultados positivos. Agora, a equipe de cientista tenta verificar se o mecanismo também funciona com outras doenças negligenciadas, como a leishmaniose. “Desse modo, podemos facilitar ainda mais outros diagnósticos”, destaca Yamanaka. A especialista ressalta que há vários outros cientistas dedicados a buscar alternativas que reduzam o impacto das doenças negligenciadas no planeta.
No caso dos projetos brasileiros, aponta, o retorno à população não tem sido grande por falta de investimentos. “Precisamos, por exemplo, de um apoio do governo para nos ajudar a mapear as regiões que mais precisam de ajuda e para quais doenças. Assim, poderíamos juntar projetos, colocá-los em prática e ter resultados mais satisfatórios.”
Coordenadora Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, Rosa Castália França Ribeiro Soares diz que o governo brasileiro tem investido recursos para o financiamento de propostas de pesquisas por meio da abertura de chamamentos públicos e editais de financiamento de órgãos como o Departamento de Ciência e Tecnologia e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Além disso, o Ministério da Saúde avalia a situação epidemiológica de cada doença e convida pesquisadores especialistas a participarem de novas pesquisas financiadas pelo governo. Um exemplo é o projeto de estudo que avalia a eficácia de um teste rápido em áreas em que a hanseníase é endêmica”, complementa.
Ameaça aos latinos
Responsável por 14 mil mortes por ano na América Latina, ultrapassando os índices de mortalidade da malária e de todas as outras doenças parasitárias. A Organização Mundial da Saúde estima que 10 milhões de pessoas têm a forma crônica da doença de Chagas, para a qual não existe cura. Pelo menos um terço desses pacientes têm as funções cardíacas comprometidas pela enfermidade, condição chamada de cardiopatia chagásica crônica. Se tratada no início, a chance de cura por meio de ingestão de medicamentos é de quase 100%. Os sintomas da doença, porém, podem demorar até 30 anos para aparecer.
Trabalho do tipo é desenvolvido no Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), que tenta agilizar o diagnóstico da malária. O fato de existir quatro espécies do parasita causador da doença dificulta o trabalho dos cientistas. Eles optaram por aprimorar um teste já usado para descobrir a ocorrência da doença. E comemoram os efeitos. “Fizemos avanços significativos. Transformamos uma técnica que já existia com quatro reações distintas em um teste triplo. Assim, conseguimos resultados mais exatos e de forma rápida”, conta Viviane Monteiro Góes, bióloga molecular e uma das autoras do trabalho.
Previsto para começar a ser comercializado neste ano, o exame do instituto paranaense também chama a atenção pela facilidade com que ele pode ser armazenado. “Utilizamos compostos gelificados que mantêm os reagentes conservados, o que facilita o transporte do kit para populações ribeirinhas, que vivem em comunidades mais afastadas e que são as que mais sofrem com a malária”, detalha Viviane Monteiro. Testes com mais de 500 amostras de sangue coletadas em Rondônia indicaram resultados positivos em mais de 99% das provas quando comparados com resultados obtidos pelo método tradicional, a identificação por microscopia.
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Os pesquisadores acreditam que o exame poderá antecipar diagnósticos e, por consequência, melhorar os tratamentos no Brasil e em países que mais sofrem com a doença, como os do continente africano. Uma parceria com o Instituto de Saúde de Moçambique sinaliza nesse sentido. “É um local que diagnostica um grande número de casos de malária”, diz Viviane Monteiro. A pesquisadora credita à biotecnologia e ao aumento de investimentos a melhora nas perspectivas de otimização do diagnóstico de doenças negligenciadas. “É um campo de pesquisa crescente e, nos últimos anos, o Brasil evoluiu bastante. Há um grande leque de pesquisadores e o aumento significativo do número de estudos científicos. Se esse cenário for mantido, vamos diminuir os casos dessas doenças”, diz.Com um número expressivo de casos no Brasil — em média 765 mil por ano —, a dengue poderá ser diagnosticada em até 30 minutos. É o que promete um kit desenvolvido por cientistas da Universidade de São Paulo (USP). A nova técnica diferencia-se por utilizar um anticorpo de galinha. “Optamos pelo gene da galinha porque ela tem muito menos semelhanças com os humanos. Se usássemos de um mamífero, por exemplo, por serem mais parecidos conosco, poderia proporcionar altas chances de erro”, explica Alessandra Figueiredo, uma das idealizadoras do biossensor.
Outra vantagem apontada pela cientista é que a ave não precisa ser morta para o desenvolvimento do exame. O gene utilizado do teste é retirado da gema do ovo. A técnica está em fase de teste, e os cientistas procuram apoio de empresas dispostas a patrocinar o projeto, que também tem como vantagem o custo baixo. “Ainda não temos o valor total, mas estabelecemos como média R$ 100 para cada aparelho. Muito provavelmente esse valor será reduzido”, acredita Alessandra Figueiredo.
Auxílio elétrico
A eletricidade também tem sido uma aliada na busca por novas formas de diagnóstico de doenças negligenciadas. Cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da USP desenvolveram um dispositivo que identifica a doença de Chagas por meio de eletrodos. Um imunossensor amperométrico detecta, no soro sanguíneo, quantidades muito pequenas de anticorpos do parasita causador da doença. O resultado, mais preciso que no método tradicional, aparece na análise da corrente elétrica. “A necessidade de desenvolvimento de um sistema que fosse mais rápido e que desse mais sensibilidade para diagnosticar Chagas é um problema grande no Brasil, na África e na Argentina. Trabalhamos com a interação do antígeno e do anticorpo por meio da corrente elétrica e conseguimos, desse modo, um diagnóstico mais rápido do que no teste usado atualmente”, destaca a pesquisadora Hideko Yamanaka, professora do Instituto de Química da Unesp e coordenadora da equipe de pesquisadores do projeto.
O aparelho elétrico foi testado com amostras sanguíneas de humanos e apresentou resultados positivos. Agora, a equipe de cientista tenta verificar se o mecanismo também funciona com outras doenças negligenciadas, como a leishmaniose. “Desse modo, podemos facilitar ainda mais outros diagnósticos”, destaca Yamanaka. A especialista ressalta que há vários outros cientistas dedicados a buscar alternativas que reduzam o impacto das doenças negligenciadas no planeta.
No caso dos projetos brasileiros, aponta, o retorno à população não tem sido grande por falta de investimentos. “Precisamos, por exemplo, de um apoio do governo para nos ajudar a mapear as regiões que mais precisam de ajuda e para quais doenças. Assim, poderíamos juntar projetos, colocá-los em prática e ter resultados mais satisfatórios.”
Coordenadora Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, Rosa Castália França Ribeiro Soares diz que o governo brasileiro tem investido recursos para o financiamento de propostas de pesquisas por meio da abertura de chamamentos públicos e editais de financiamento de órgãos como o Departamento de Ciência e Tecnologia e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Além disso, o Ministério da Saúde avalia a situação epidemiológica de cada doença e convida pesquisadores especialistas a participarem de novas pesquisas financiadas pelo governo. Um exemplo é o projeto de estudo que avalia a eficácia de um teste rápido em áreas em que a hanseníase é endêmica”, complementa.
Ameaça aos latinos
Responsável por 14 mil mortes por ano na América Latina, ultrapassando os índices de mortalidade da malária e de todas as outras doenças parasitárias. A Organização Mundial da Saúde estima que 10 milhões de pessoas têm a forma crônica da doença de Chagas, para a qual não existe cura. Pelo menos um terço desses pacientes têm as funções cardíacas comprometidas pela enfermidade, condição chamada de cardiopatia chagásica crônica. Se tratada no início, a chance de cura por meio de ingestão de medicamentos é de quase 100%. Os sintomas da doença, porém, podem demorar até 30 anos para aparecer.