Pesquisadores brasileiros buscam substâncias mais eficazes contra as doenças tropicais
Terapias disponíveis são abandonadas por serem muito longas e causarem fortes efeitos colaterais
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:08/01/2015 15:30Atualização: 08/01/2015 13:31
Um diagnóstico difícil e, geralmente, tardio. Nessas condições, tratar uma doença negligenciada é tarefa árdua. As mutações constantes sofridas pelos patógenos e os efeitos colaterais de medicamentos prescritos deixam a intervenção ainda mais complicada. Diante desse cenário, pesquisadores tentam buscar, principalmente por meio da biotecnologia, alternativas para curar uma variedade de males que matam milhões de pessoas no mundo todos os anos – só a tuberculose responde por, em média, 1,5 milhão de óbitos; a malária, por cerca de 600 mil, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os brasileiros têm se destacado nesse desafio. “Nossos pesquisadores e suas respectivas instituições contribuem enormemente para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de produtos relacionados às doenças tropicais em todo o mundo. Pode-se dizer que, hoje em dia, entre os países em desenvolvimento, somos um dos que mais investem em pesquisas relacionadas às doenças negligenciadas”, diz Rosa Castália França Ribeiro Soares, coordenadora-geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde.
A doença de Chagas é um dos maiores alvos de pesquisadores brasileiros. O medicamento mais usado para o tratamento dela não é totalmente eficaz e tem, entre os efeitos colaterais, alergias e complicações no sistema nervoso – a estimativa é de que 40% dos pacientes abandonem a terapia por conta desses problemas. Além disso, é uma enfermidade complicada de tratar por ser silenciosa. “A primeira fase, a aguda, ocorre logo após a picada do inseto, e os sintomas iniciais são muito parecidos com os da gripe, o que pode confundir o diagnóstico. Na etapa crônica, que tem mais sintomas, já fica mais complicado tratar”, detalha Rafael Guido, professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O pesquisador observa que os resultados alcançados por ele e a equipe e por outros pesquisadores só têm se tornado possíveis devido aos avanços na área da biotecnologia. “É mais fácil trabalhar, desenvolver estratégias com tantos recursos. Sem essas tecnologias, não teríamos como isolar uma proteína importante e testá-la em outro organismo”, exemplifica. Mesmo com esse cenário promissor, Guido acredita que é necessário mais tempo de estudo até que os medicamentos cheguem às vítimas das doenças tropicais. “Muito ainda precisa ser estudado para que possamos criar e comercializar remédios mais eficazes. Penso que, entre cinco e 10 anos, teremos farmacológicos para a doença do sono, a leishmaniose e, principalmente, a malária.”
Dose única Também muito estudada, a malária é endêmica na África, na Ásia e na América Latina. Em 2012, 207 milhões de casos foram registrados no planeta, com 627 mil mortes computadas, segundo a OMS. Na África, a maioria das vítimas tinha menos de 6 anos. Um dos trabalhos brasileiros que buscam remédios mais eficientes para a doença é conduzido na Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado, em Manaus.
Marcus Lacerda, diretor de Ensino e Pesquisa da instituição, é um dos responsáveis pela pesquisa que busca uma alternativa à delicada opção de tratamento disponível. “A infecção por malária precisa ser tratada por muitos dias, e o remédio tem que ser administrado durante muito tempo. Acontece que as pessoas tomam os primeiros dias, sentem-se melhores e param de tomar”, relata.
Com base em um medicamento desenvolvido para o Exército norte-americano, os cientistas buscam criar uma opção de dose única. “Usamos uma droga chamada de tafenoquina, que foi desenvolvida há algumas décadas, mas trabalhamos com uma dose que poderia ficar sete dias no corpo e que fosse apenas um comprimido, para que a ingestão ocorresse de forma prática”, detalha Lacerda.
Mais testes precisam ser feitos com o novo medicamento, e os pesquisadores têm a esperança de que os experimentos sejam concluídos ainda neste ano. “Em 2013, realizamos um exame clínico com um número reduzido de pessoas em Manaus, devido à alta incidência da doença nessa região e também porque nos concentramos no tipo vivax, que é comum aqui. Em 2014, realizamos um teste com um número maior de pacientes e, se confirmarmos que a droga é segura, poderemos pedir o registro dela”, diz Lacerda.
O especialista avalia que o campo de criação de medicamentos para as doenças tropicais tem aumentado, mais ainda precisa ser mais incentivado, principalmente pela indústria farmacêutica. “Os remédios demoram a ser desenvolvidos por conta do pouco interesse de grandes companhias, já que a maioria da população que sofre com essas doenças é carente”, destaca. Lacerda reforça também a importância de investimentos do Brasil em novos projetos. “Já temos medicamentos sendo usados, porém não 100% eficazes. Precisamos ter mais opções e, obviamente, o país precisa se preocupar com isso, porque somos uma das nações que mais sofrem com essas enfermidades.”
Menos letal
Há mais de 100 tipos de plasmódio, o parasita causador da malária. Quatro infectam o homem: o Plasmodium vivax, o Plasmodium falciparum, o Plasmodium malariae e o Plasmodium ovale. O vivax é o mais comum no Brasil e responsável por mais de 80% dos casos da doença na região amazônica. Esse subtipo de malária mata pouco. Na maioria das vezes, causa sintomas semelhantes aos da gripe, como febre alta e tremores.
Os brasileiros têm se destacado nesse desafio. “Nossos pesquisadores e suas respectivas instituições contribuem enormemente para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de produtos relacionados às doenças tropicais em todo o mundo. Pode-se dizer que, hoje em dia, entre os países em desenvolvimento, somos um dos que mais investem em pesquisas relacionadas às doenças negligenciadas”, diz Rosa Castália França Ribeiro Soares, coordenadora-geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde.
A doença de Chagas é um dos maiores alvos de pesquisadores brasileiros. O medicamento mais usado para o tratamento dela não é totalmente eficaz e tem, entre os efeitos colaterais, alergias e complicações no sistema nervoso – a estimativa é de que 40% dos pacientes abandonem a terapia por conta desses problemas. Além disso, é uma enfermidade complicada de tratar por ser silenciosa. “A primeira fase, a aguda, ocorre logo após a picada do inseto, e os sintomas iniciais são muito parecidos com os da gripe, o que pode confundir o diagnóstico. Na etapa crônica, que tem mais sintomas, já fica mais complicado tratar”, detalha Rafael Guido, professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
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Guido e outros pesquisadores da Fapesp buscam em medicamentos já usados contra outras enfermidades alternativas mais eficazes para o mal de Chagas. Um deles é o posaconazol – prescrito para tratar doenças fúngicas. “Pesquisadores diversos mostraram que ele também age contra o Trypanosoma cruzi”, destaca o professor. Ele explica que, para testar os medicamentos mais a fundo, são realizados testes que têm como foco a biologia do hospedeiro. “Testamos, no próprio barbeiro, as substâncias que podem ser benéficas. Caso a enzima traga resultados, seguimos adiante e buscamos também descobrir a razão do efeito positivo”, conta.O pesquisador observa que os resultados alcançados por ele e a equipe e por outros pesquisadores só têm se tornado possíveis devido aos avanços na área da biotecnologia. “É mais fácil trabalhar, desenvolver estratégias com tantos recursos. Sem essas tecnologias, não teríamos como isolar uma proteína importante e testá-la em outro organismo”, exemplifica. Mesmo com esse cenário promissor, Guido acredita que é necessário mais tempo de estudo até que os medicamentos cheguem às vítimas das doenças tropicais. “Muito ainda precisa ser estudado para que possamos criar e comercializar remédios mais eficazes. Penso que, entre cinco e 10 anos, teremos farmacológicos para a doença do sono, a leishmaniose e, principalmente, a malária.”
Dose única Também muito estudada, a malária é endêmica na África, na Ásia e na América Latina. Em 2012, 207 milhões de casos foram registrados no planeta, com 627 mil mortes computadas, segundo a OMS. Na África, a maioria das vítimas tinha menos de 6 anos. Um dos trabalhos brasileiros que buscam remédios mais eficientes para a doença é conduzido na Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado, em Manaus.
Marcus Lacerda, diretor de Ensino e Pesquisa da instituição, é um dos responsáveis pela pesquisa que busca uma alternativa à delicada opção de tratamento disponível. “A infecção por malária precisa ser tratada por muitos dias, e o remédio tem que ser administrado durante muito tempo. Acontece que as pessoas tomam os primeiros dias, sentem-se melhores e param de tomar”, relata.
Com base em um medicamento desenvolvido para o Exército norte-americano, os cientistas buscam criar uma opção de dose única. “Usamos uma droga chamada de tafenoquina, que foi desenvolvida há algumas décadas, mas trabalhamos com uma dose que poderia ficar sete dias no corpo e que fosse apenas um comprimido, para que a ingestão ocorresse de forma prática”, detalha Lacerda.
Mais testes precisam ser feitos com o novo medicamento, e os pesquisadores têm a esperança de que os experimentos sejam concluídos ainda neste ano. “Em 2013, realizamos um exame clínico com um número reduzido de pessoas em Manaus, devido à alta incidência da doença nessa região e também porque nos concentramos no tipo vivax, que é comum aqui. Em 2014, realizamos um teste com um número maior de pacientes e, se confirmarmos que a droga é segura, poderemos pedir o registro dela”, diz Lacerda.
O especialista avalia que o campo de criação de medicamentos para as doenças tropicais tem aumentado, mais ainda precisa ser mais incentivado, principalmente pela indústria farmacêutica. “Os remédios demoram a ser desenvolvidos por conta do pouco interesse de grandes companhias, já que a maioria da população que sofre com essas doenças é carente”, destaca. Lacerda reforça também a importância de investimentos do Brasil em novos projetos. “Já temos medicamentos sendo usados, porém não 100% eficazes. Precisamos ter mais opções e, obviamente, o país precisa se preocupar com isso, porque somos uma das nações que mais sofrem com essas enfermidades.”
Menos letal
Há mais de 100 tipos de plasmódio, o parasita causador da malária. Quatro infectam o homem: o Plasmodium vivax, o Plasmodium falciparum, o Plasmodium malariae e o Plasmodium ovale. O vivax é o mais comum no Brasil e responsável por mais de 80% dos casos da doença na região amazônica. Esse subtipo de malária mata pouco. Na maioria das vezes, causa sintomas semelhantes aos da gripe, como febre alta e tremores.