Ciência está perto de descobrir razão de algumas pessoas desenvolverem obesidade e outras não
Instituições norte-americanas descobrem 89 genes que estão ligados ao desencadeamento do excesso de peso. Uma das pesquisas reforça a ação deles no sistema nervoso central
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:17/02/2015 15:00Atualização: 13/02/2015 15:24
Dos genomas detalhados nas duas pesquisas, 89 são inéditos, o que faz dos trabalhos um dos maiores levantamentos sobre as raízes genéticas da obesidade. Ambos fazem parte de um projeto internacional chamado Genetic Investigation of Anthropometric Traits (Giant). Em um deles, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, encontraram 97 regiões do genoma suscetíveis a influenciar a obesidade, sendo 56 inéditas.
Para chegar a esses resultados, a equipe analisou o genoma de 340 mil pessoas de vários países, não necessariamente obesas. Identificaram regiões relacionadas à obesidade, à doença arterial coronariana, ao diabetes, entre outras enfermidades. Alterações nessas regiões e em outras moléculas, além de modificações em alguns genes, como o MC4R, explicam 5% da tendência à obesidade, sendo mais expressivo ainda na infância, quando respondem por até 25% do sobrepeso.
A maioria absoluta desses genes sinaliza para o sistema nervoso central, em especial o hipotálamo, onde fica o que antigamente era denominado centro da fome e da saciedade. “Os resultados consolidam a ideia de que a gente deve tratar a obesidade sempre com medicamentos que atuam no sistema nervoso central. Assim, é possível equilibrar e manter o balanço energético, que é a quantidade de energia que entra e sai do corpo pelos alimentos e pelos exercícios físicos”, explica Amélio Godoy, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
O médico, que não participou do estudo, explica que esses genes estão relacionados com o glutamato, neurotransmissor do sistema nervoso central que participa da resposta a estímulos rápidos, como sentir fome ou medo. Após verificarem isso, os autores da Universidade de Michigan sugeriram que o topiramato, medicamento que atua nessa região, poderia ser usado como tratamento contra o excesso de peso. Hoje, ele é prescrito, principalmente, como coadjuvante nas terapias para a epilepsia.
No ano passado, a Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa dos EUA, permitiu a comercialização de um medicamento que combina o topiramato com um anfetamínico moderador de apetite. “A combinação das substâncias mostra-se um dos mais potentes remédios para emagrecer até hoje pesquisados. Em geral, os remédios aprovados pela FDA são logo trazidos para o Brasil”, aponta Godoy.
Um dos impasses, avalia o médico, é que o medicamento foi desenvolvido por um laboratório de pequeno porte, o que poderá atrasar a chegada do medicamento ao país. “Nossa expectativa é que, de alguma maneira, algum laboratório grande o compre e comercialize aqui também”, imagina.
Pior para elas
Em um segundo estudo, pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (EUA) estudaram os marcadores genéticos relacionados ao metabolismo de lipídeos em mais de 220 mil pessoas. Depois, ligaram as informações obtidas à relação da medida da cintura com a do quadril, razão utilizada para observar a quantidade de gordura ao redor de órgãos vitais.
Foram encontradas 49 regiões do genoma, sendo 33 inéditas. Além de detectarem os mecanismos genéticos relacionados à gênese da gordura, os estudiosos observaram que o DNA determina com mais força a distribuição dela no corpo da mulher. Isso resulta, segundo eles, da influência dos hormônios femininos na expressão dos genes.
“Os resultados podem abrir caminhos para novas pesquisas dentro das vias de sinalização que aumentem a compreensão sobre como funciona essa distribuição corporal . Talvez, mais para a frente, intervenções que mirem essas vias de sinalização possam ser trabalhadas”, acredita Michele Migliavacca, médica geneticista do laboratório Exame.
Ela explica que as pessoas com essas heranças genéticas não devem se considerar condenadas à obesidade. “Trata-se de uma herança complexa, que toma forma levando em conta o equilíbrio dos fatores genético e ambiental. Uma pessoa que tem todas essas alterações, mas também uma alimentação saudável e que pratica atividades físicas diariamente provavelmente não será gorda.”
Mudança de hábitos
“A genética responde por 30% a 60% da variação de peso, mas, hoje, o meio ambiente favorece a expressão dos genes da obesidade. O que a pessoa deve fazer é adaptar o estilo de vida para evitar a tendência a engordar, de forma que consiga vencer esse ‘defeito’ genético. O gene, na sua maioria, não determina a obesidade, mas se expressa à medida que o meio ambiente favorece. Esses genes são herança dos nossos antepassados das cavernas, que foram selecionados para ter componentes genéticos que os permitissem conservar energia em circunstâncias de fome e intempéries. Hoje, temos um tabuleiro de genes com polimorfismos que foram herdados e que são expressos pelo ambiente. Muitas gerações devem passar até que o nosso organismo se adapte à realidade mais confortável.”
Amélio Godoy, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Saiba mais...
Dois estudos publicados na revista Nature aproximam os cientistas da compreensão de por que algumas pessoas desenvolvem a obesidade e outras não. Os trabalhos detalham 153 regiões do genoma humano com papel fundamental no desenvolvimento da doença, praticamente triplicando a quantidade de marcadores genéticos conhecidos relacionados ao problema. Hoje, 37% dos homens e 38% das mulheres de todas as regiões do mundo sofrem com o sobrepeso e as suas comorbidades.- Deixar de lado os lanches pode resultar em obesidade, compulsão alimentar, cansaço e até diminuição da cognição
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Dos genomas detalhados nas duas pesquisas, 89 são inéditos, o que faz dos trabalhos um dos maiores levantamentos sobre as raízes genéticas da obesidade. Ambos fazem parte de um projeto internacional chamado Genetic Investigation of Anthropometric Traits (Giant). Em um deles, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, encontraram 97 regiões do genoma suscetíveis a influenciar a obesidade, sendo 56 inéditas.
Para chegar a esses resultados, a equipe analisou o genoma de 340 mil pessoas de vários países, não necessariamente obesas. Identificaram regiões relacionadas à obesidade, à doença arterial coronariana, ao diabetes, entre outras enfermidades. Alterações nessas regiões e em outras moléculas, além de modificações em alguns genes, como o MC4R, explicam 5% da tendência à obesidade, sendo mais expressivo ainda na infância, quando respondem por até 25% do sobrepeso.
A maioria absoluta desses genes sinaliza para o sistema nervoso central, em especial o hipotálamo, onde fica o que antigamente era denominado centro da fome e da saciedade. “Os resultados consolidam a ideia de que a gente deve tratar a obesidade sempre com medicamentos que atuam no sistema nervoso central. Assim, é possível equilibrar e manter o balanço energético, que é a quantidade de energia que entra e sai do corpo pelos alimentos e pelos exercícios físicos”, explica Amélio Godoy, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
O médico, que não participou do estudo, explica que esses genes estão relacionados com o glutamato, neurotransmissor do sistema nervoso central que participa da resposta a estímulos rápidos, como sentir fome ou medo. Após verificarem isso, os autores da Universidade de Michigan sugeriram que o topiramato, medicamento que atua nessa região, poderia ser usado como tratamento contra o excesso de peso. Hoje, ele é prescrito, principalmente, como coadjuvante nas terapias para a epilepsia.
No ano passado, a Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa dos EUA, permitiu a comercialização de um medicamento que combina o topiramato com um anfetamínico moderador de apetite. “A combinação das substâncias mostra-se um dos mais potentes remédios para emagrecer até hoje pesquisados. Em geral, os remédios aprovados pela FDA são logo trazidos para o Brasil”, aponta Godoy.
Um dos impasses, avalia o médico, é que o medicamento foi desenvolvido por um laboratório de pequeno porte, o que poderá atrasar a chegada do medicamento ao país. “Nossa expectativa é que, de alguma maneira, algum laboratório grande o compre e comercialize aqui também”, imagina.
Pior para elas
Em um segundo estudo, pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (EUA) estudaram os marcadores genéticos relacionados ao metabolismo de lipídeos em mais de 220 mil pessoas. Depois, ligaram as informações obtidas à relação da medida da cintura com a do quadril, razão utilizada para observar a quantidade de gordura ao redor de órgãos vitais.
Foram encontradas 49 regiões do genoma, sendo 33 inéditas. Além de detectarem os mecanismos genéticos relacionados à gênese da gordura, os estudiosos observaram que o DNA determina com mais força a distribuição dela no corpo da mulher. Isso resulta, segundo eles, da influência dos hormônios femininos na expressão dos genes.
“Os resultados podem abrir caminhos para novas pesquisas dentro das vias de sinalização que aumentem a compreensão sobre como funciona essa distribuição corporal . Talvez, mais para a frente, intervenções que mirem essas vias de sinalização possam ser trabalhadas”, acredita Michele Migliavacca, médica geneticista do laboratório Exame.
Ela explica que as pessoas com essas heranças genéticas não devem se considerar condenadas à obesidade. “Trata-se de uma herança complexa, que toma forma levando em conta o equilíbrio dos fatores genético e ambiental. Uma pessoa que tem todas essas alterações, mas também uma alimentação saudável e que pratica atividades físicas diariamente provavelmente não será gorda.”
Mudança de hábitos
“A genética responde por 30% a 60% da variação de peso, mas, hoje, o meio ambiente favorece a expressão dos genes da obesidade. O que a pessoa deve fazer é adaptar o estilo de vida para evitar a tendência a engordar, de forma que consiga vencer esse ‘defeito’ genético. O gene, na sua maioria, não determina a obesidade, mas se expressa à medida que o meio ambiente favorece. Esses genes são herança dos nossos antepassados das cavernas, que foram selecionados para ter componentes genéticos que os permitissem conservar energia em circunstâncias de fome e intempéries. Hoje, temos um tabuleiro de genes com polimorfismos que foram herdados e que são expressos pelo ambiente. Muitas gerações devem passar até que o nosso organismo se adapte à realidade mais confortável.”
Amélio Godoy, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia