Versão mais potente do HIV identificada em Cuba encurta em 7 anos o tempo de manifestação da doença
Cepa do vírus da Aids evolui mais rápido no corpo; estima-se que ela tenha contaminado até 20% dos pacientes
Correio Braziliense
Publicação:19/02/2015 15:00Atualização: 19/02/2015 11:10
“Os médicos cubanos notaram que havia mais e mais pacientes que estavam progredindo para a Aids muito mais rápido do que estavam acostumados”, explicou à Voice of America Anne-Mieke Vandamme, professora do Instituto Rega de Pesquisas Médicas, na Bélgica, e responsável pela detecção da nova cepa. A pesquisa, publicada na revista EbioMedicine, também contou com a participação de cientistas portugueses, colombianos, cubanos e de um especialista do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, da Fiocruz.
O CRF19 já é a terceira cepa mais comum no país latino, afetando entre 17% e 20% dos infectados pelo vírus da Aids. No entanto, os pesquisadores atestam que nenhum dos contaminados pela nova cepa apresentou resistência maior ao tratamento com antirretrovirais disponível. De acordo com Vivian Kourí, do Instituto de Medicina Tropical de Havana e participante do estudo, a possibilidade de que a terapia tradicional seja eficaz ainda é a mesma.
Entre os infectados com a nova cepa, uma parte significativa dos pacientes é heterossexual e relatou uma tendência menor a usar proteção durante as relações sexuais. O novo cenário preocupa os médicos, pois muitos pacientes podem ter desenvolvido a doença antes mesmo de saber que foram infectados pelo vírus HIV. Várias das pessoas incluídas no estudo — infectadas pela nova cepa e pelas já conhecidas — relataram que foram submetidas a testes que deram falsos negativos um ou dois anos antes de terem a doença manifestada.
Os testes tradicionais de HIV só costumam detectar o vírus algumas semanas depois da infecção, o que pode causar alguns falsos negativos antes do diagnóstico final da doença. Depois que aparecem os primeiros sintomas, muito semelhantes aos de uma gripe, o vírus costuma entrar em um período latente, durante o qual se multiplica no corpo sem dar sinais da contaminação. Esse prazo de instalação do HIV pode levar até 10 anos, até que a Aids se desenvolva e afete o sistema imunológico do paciente (Veja infográfico).
Rearranjo
O estudo analisou amostras de sangue de 95 infectados: 52 que sofreram uma rápida progressão da Aids, 22 que não tinham desenvolvido a síndrome e 22 que haviam sido diagnosticados com a doença há muito tempo. Os pesquisadores identificaram a nova cepa em nove, todos integrantes do grupo que chegou à doença antes do previsto. “Esse estudo mostra, pela primeira vez, a associação de uma variedade do HIV que circula em Cuba com a rápida progressão para a Aids”, declarou Kourí.
Analisando os casos a fundo, os pesquisadores descobriram que o CRF19 é uma combinação dos subtipos A, D e G do HIV. “Acredita-se que essa recombinação pode gerar uma cepa mais patogênica se os fragmentos genômicos de diferentes subtipos se unirem em um vírus que se replique com mais facilidade, mas nenhuma evidência para isso havia sido encontrada”, ressalta o estudo divulgado na EbioMedicine,
A combinação teria dado ao patógeno a capacidade de acionar uma carga viral bastante alta ao organismo humano, acelerando, assim, a resposta imune. Mas, em vez de combater o vírus invasor, a produção acelerada de linfócitos acaba instalando o HIV ainda mais rápido, pois o vírus se multiplica justamente nas células de defesa.
Segundo Vandamme, há dois tipos de correceptores que o HIV pode usar nesse processo: o CCR5 e o CXR4. “Na progressão normal do HIV para a Aids, geralmente o vírus quase sempre começa usando o CCR5 e, então, muda, para o CXCR4 depois de muitos anos. Depois disso, a progressão para a Aids acontece muito rápido”, ensina. O processo no caso da contaminação pelo CRF19 parece ser mais ágil, acreditam os cientistas.
Molécula artificial pode virar vacina
Uma equipe de cientistas dos EUA testou em macacos uma substância contra o vírus da Aids que apresentou resultados promissores. Trata-se de uma molécula artificial que imita um anticorpo do sistema imune humano e se mostrou eficiente durante mais de oito meses de teste. Os resultados, publicados na edição desta semana da revista Nature, abrem a perspectiva para o desenvolvimento de uma vacina.
Os cientistas desenvolveram a molécula eCD4-Ig com base no mecanismo de infecção do vírus. O medicamento é feito a partir dos mesmos receptores usados pelo HIV para invadir as células de proteção do corpo e se reproduzir. A molécula combina as chaves celulares com um fragmento de anticorpo, criando uma armadilha para o vírus. O HIV é “enganado”, conectando-se ao medicamento por conta própria, como se estivesse invadindo um leucócito. Assim, é neutralizado pelo anticorpo artificial.
No laboratório, a eCH4-Ig teve um desempenho superior a todos os anticorpos naturais atualmente usados para combater o patógeno. Para testar o composto em animais, os pesquisadores uniram a molécula artificial a um vírus inofensivo e vacinaram quatro macacos. A substância foi produzida dentro do corpo das cobaias, instalando um sistema de defesa.
Durante 34 semanas, os bichos receberam injeções com alta dose do SIV, a versão símia do HIV, mas nenhum dos animais foi infectado. Todos os macacos que não foram vacinados com a nova molécula morreram ao serem submetidos à mesma dose do vírus. “Desenvolvemos um inibidor muito poderoso e de espectro muito amplo que atua sobre o HIV-1, o principal vírus da Aids presente no mundo”, explicou à Agência France-Presse Michel Farzan, um dos cientistas que coordenou os experimentos.
Novos testes
O vírus recombinante adeno-associado (AAV) foi o escolhido para se combinar à molécula criada. Ele não causa danos em humanos e pode ter efeitos prolongados. Já a substância desenvolvida é fruto de vários anos de pesquisa realizada principalmente pelo Scripps Research Institute, um centro de pesquisa sem fins lucrativos com sede na Flórida. “É muito criativo. Trata-se de um avanço”, anima-se a pesquisadora Nancy Haigwood, da Oregon Health & Science University, em um artigo publicado na mesma edição da Nature.
O grupo espera realizar mais experimentos em cobaias antes de passar para os humanos. “Precisamos fazer muitos outros estudos em macacos para ver se acontece algo de estranho”, ressalta Farzan. Mas os pesquisadores já adiantam que, por ser artificial, a molécula deve ser mais resistente às mutações do HIV do que os anticorpos naturais usados em pesquisas contra o vírus.
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Cientistas identificaram uma cepa do vírus HIV mais rápida e agressiva. Dentro do corpo humano, a linhagem conhecida como CRF19 é capaz de evoluir três vezes mais rápido que outros subtipos. Pode levar à Aids em menos de três anos, sendo que o tempo médio para a manifestação da doença é de 10 anos. O CRF19 foi detectado pela primeira vez em partes da África em 2005, mas recentemente causou o que parece ser uma epidemia em Cuba.“Os médicos cubanos notaram que havia mais e mais pacientes que estavam progredindo para a Aids muito mais rápido do que estavam acostumados”, explicou à Voice of America Anne-Mieke Vandamme, professora do Instituto Rega de Pesquisas Médicas, na Bélgica, e responsável pela detecção da nova cepa. A pesquisa, publicada na revista EbioMedicine, também contou com a participação de cientistas portugueses, colombianos, cubanos e de um especialista do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, da Fiocruz.
O CRF19 já é a terceira cepa mais comum no país latino, afetando entre 17% e 20% dos infectados pelo vírus da Aids. No entanto, os pesquisadores atestam que nenhum dos contaminados pela nova cepa apresentou resistência maior ao tratamento com antirretrovirais disponível. De acordo com Vivian Kourí, do Instituto de Medicina Tropical de Havana e participante do estudo, a possibilidade de que a terapia tradicional seja eficaz ainda é a mesma.
Entre os infectados com a nova cepa, uma parte significativa dos pacientes é heterossexual e relatou uma tendência menor a usar proteção durante as relações sexuais. O novo cenário preocupa os médicos, pois muitos pacientes podem ter desenvolvido a doença antes mesmo de saber que foram infectados pelo vírus HIV. Várias das pessoas incluídas no estudo — infectadas pela nova cepa e pelas já conhecidas — relataram que foram submetidas a testes que deram falsos negativos um ou dois anos antes de terem a doença manifestada.
Os testes tradicionais de HIV só costumam detectar o vírus algumas semanas depois da infecção, o que pode causar alguns falsos negativos antes do diagnóstico final da doença. Depois que aparecem os primeiros sintomas, muito semelhantes aos de uma gripe, o vírus costuma entrar em um período latente, durante o qual se multiplica no corpo sem dar sinais da contaminação. Esse prazo de instalação do HIV pode levar até 10 anos, até que a Aids se desenvolva e afete o sistema imunológico do paciente (Veja infográfico).
Rearranjo
O estudo analisou amostras de sangue de 95 infectados: 52 que sofreram uma rápida progressão da Aids, 22 que não tinham desenvolvido a síndrome e 22 que haviam sido diagnosticados com a doença há muito tempo. Os pesquisadores identificaram a nova cepa em nove, todos integrantes do grupo que chegou à doença antes do previsto. “Esse estudo mostra, pela primeira vez, a associação de uma variedade do HIV que circula em Cuba com a rápida progressão para a Aids”, declarou Kourí.
Analisando os casos a fundo, os pesquisadores descobriram que o CRF19 é uma combinação dos subtipos A, D e G do HIV. “Acredita-se que essa recombinação pode gerar uma cepa mais patogênica se os fragmentos genômicos de diferentes subtipos se unirem em um vírus que se replique com mais facilidade, mas nenhuma evidência para isso havia sido encontrada”, ressalta o estudo divulgado na EbioMedicine,
A combinação teria dado ao patógeno a capacidade de acionar uma carga viral bastante alta ao organismo humano, acelerando, assim, a resposta imune. Mas, em vez de combater o vírus invasor, a produção acelerada de linfócitos acaba instalando o HIV ainda mais rápido, pois o vírus se multiplica justamente nas células de defesa.
Segundo Vandamme, há dois tipos de correceptores que o HIV pode usar nesse processo: o CCR5 e o CXR4. “Na progressão normal do HIV para a Aids, geralmente o vírus quase sempre começa usando o CCR5 e, então, muda, para o CXCR4 depois de muitos anos. Depois disso, a progressão para a Aids acontece muito rápido”, ensina. O processo no caso da contaminação pelo CRF19 parece ser mais ágil, acreditam os cientistas.
18 mil em tratamento
Com uma população de 11,1 milhões de pessoas, Cuba registrou 22 mil casos de Aids, sendo que 18 mil infectados sobrevivem com a ajuda de tratamento. Entre 1,2 mil e 1,8 mil pessoas são diagnosticadas com o vírus HIV no país todos os anos, das quais de 13% a 16% acabam desenvolvendo a Aids.
Molécula artificial pode virar vacina
Uma equipe de cientistas dos EUA testou em macacos uma substância contra o vírus da Aids que apresentou resultados promissores. Trata-se de uma molécula artificial que imita um anticorpo do sistema imune humano e se mostrou eficiente durante mais de oito meses de teste. Os resultados, publicados na edição desta semana da revista Nature, abrem a perspectiva para o desenvolvimento de uma vacina.
Os cientistas desenvolveram a molécula eCD4-Ig com base no mecanismo de infecção do vírus. O medicamento é feito a partir dos mesmos receptores usados pelo HIV para invadir as células de proteção do corpo e se reproduzir. A molécula combina as chaves celulares com um fragmento de anticorpo, criando uma armadilha para o vírus. O HIV é “enganado”, conectando-se ao medicamento por conta própria, como se estivesse invadindo um leucócito. Assim, é neutralizado pelo anticorpo artificial.
No laboratório, a eCH4-Ig teve um desempenho superior a todos os anticorpos naturais atualmente usados para combater o patógeno. Para testar o composto em animais, os pesquisadores uniram a molécula artificial a um vírus inofensivo e vacinaram quatro macacos. A substância foi produzida dentro do corpo das cobaias, instalando um sistema de defesa.
Durante 34 semanas, os bichos receberam injeções com alta dose do SIV, a versão símia do HIV, mas nenhum dos animais foi infectado. Todos os macacos que não foram vacinados com a nova molécula morreram ao serem submetidos à mesma dose do vírus. “Desenvolvemos um inibidor muito poderoso e de espectro muito amplo que atua sobre o HIV-1, o principal vírus da Aids presente no mundo”, explicou à Agência France-Presse Michel Farzan, um dos cientistas que coordenou os experimentos.
Novos testes
O vírus recombinante adeno-associado (AAV) foi o escolhido para se combinar à molécula criada. Ele não causa danos em humanos e pode ter efeitos prolongados. Já a substância desenvolvida é fruto de vários anos de pesquisa realizada principalmente pelo Scripps Research Institute, um centro de pesquisa sem fins lucrativos com sede na Flórida. “É muito criativo. Trata-se de um avanço”, anima-se a pesquisadora Nancy Haigwood, da Oregon Health & Science University, em um artigo publicado na mesma edição da Nature.
O grupo espera realizar mais experimentos em cobaias antes de passar para os humanos. “Precisamos fazer muitos outros estudos em macacos para ver se acontece algo de estranho”, ressalta Farzan. Mas os pesquisadores já adiantam que, por ser artificial, a molécula deve ser mais resistente às mutações do HIV do que os anticorpos naturais usados em pesquisas contra o vírus.
"Desenvolvemos um inibidor muito poderoso e de espectro muito amplo que atua sobre o HIV-1, o principal vírus da Aids presente no mundo” - Michel Farzan, integrante da pesquisa