Púrpura autoimune: uma doença silenciosa, pouco conhecida e que pode levar à morte

Ambulatório do Hospital das Clínicas da UFMG atende 50 pacientes por semana. Se diagnosticada no início, o tratamento começa com corticoides que, pelo excesso de efeitos colaterais, já faz com que muitas pessoas desistam. A púrpura é uma doença benigna, mas pode levar à morte em casos de acidente com sangramento

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Maria Irenilda Pereira - Diários Associados Publicação:24/02/2015 09:30Atualização:24/02/2015 09:58
“Em janeiro de 2013, eu comecei a perceber umas manchas roxas pelo corpo e fiquei muito intrigada porque não me lembrava de ter batido em lugar nenhum. Eu percebi que, além dessas manchas, estava com umas pintinhas vermelhas nos braços. À tarde, elas aumentaram. Fui direto para o hospital”. Lá, a funcionária pública de Brasília, Sally Barcelos, de 33 anos, foi diagnosticada com Púrpura Trombocitopênica Indiopática (PTI), uma doença autoimune e tida como rara. No Brasil não existe estudo que estime a incidência na população e o perfil do paciente, mas o número de pessoas diagnosticados vem aumentando. No ambulatório criado exclusivamente para pacientes com PTI no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a média de atendimento é de 50 pessoas por semana.

A funcionária Pública Sally Barcelos criou um blog para compartilhar experiências  e informações sobre a púrpura com outros pacientes (Arquivo Pessoal)
A funcionária Pública Sally Barcelos criou um blog para compartilhar experiências e informações sobre a púrpura com outros pacientes


A púrpura se desenvolve quando o sistema imunológico  desconhece  as plaquetas como parte do organismo e passa a produzir anticorpos para atacá-las e destruí-las. As plaquetas são responsáveis pela coagulação do sangue quando sofremos algum tipo de ferimento. Em uma pessoa com índices normais, o número dessas células varia entre 150 a 200 mil. No caso de Sally, esse número chegou a 8 mil. “Uma amiga da minha prima teve púrpura e eu acabei pesquisando para saber mais sobre essa doença. Quando eu recebi o resultado do meu hemograma, logo associei que os sintomas que eu estava apresentando poderiam ser a doença. O que foi confirmado depois de uma série de exames”, contou.

O mesmo não aconteceu com Rosilane Fortunato, de 27 anos, de São José de Ubá, no Rio de Janeiro. Ela entrou em desespero quando foi diagnosticada, quatro meses após dar à luz ao primeiro filho. “Foi um grande susto quando descobri a PTI, pois nunca tinha ouvido falar como a maioria dos portadores. Ainda é uma doença pouco conhecida. Fiquei sem chão em saber que não tem cura, apenas controle”, relembra. Com o filho recém-nascido, Rosilane ficou 12 dias internada. “Minhas plaquetas estavam em zero, parece até mentira. De imediato tive que tomar nove bolsas de plaquetas e dose gradual de medicação oral. Tive alta com as plaquetas em 14 mil. Depois de 6 meses meu hematologista optou pela esplectomia - retirada do baço”, contou.

Rosilane descobriu a púrpura quatro meses após dar à luz seu primeiro filho (Arquivo Pessoal)
Rosilane descobriu a púrpura quatro meses após dar à luz seu primeiro filho


Diagnóstico e tratamento
Os sintomas, de acordo com João Paulo de Oliveira Guimarães, hematologista no Hospital das Clínicas de Belo Horizonte, são os relatados por Sally: hematomas, pequenas pintinhas vermelhas (petéquias) espalhadas pelo corpo e, em alguns pacientes, também ocorrem sangramentos. Apesar de silenciosa e fácil de passar despercebida pelas pessoas, João Paulo define a púrpura como uma doença de potencial grave. “São vários os riscos em que o portador está exposto, mas o principal deles é sofrer algum acidente que possa ocorrer sangramento”, alerta. Ainda de acordo com o médico, qualquer pessoa pode ter a doença. “Basta o sistema imunológico ser ativado. O mais comum é depois de uma infecção viral”, explica Guimarães.

Petéquias são pequenas pintinhas vermelhas na pele (Reprodução Internet)
Petéquias são pequenas pintinhas vermelhas na pele
O diagnóstico da púrpura é obtido através de uma contagem de plaquetas e também por exclusão de outras doenças. Na fase de identificação da PTI é comum o paciente passar por uma bateria de exames, inclusive o de medula óssea, para descartar doenças como o câncer. Uma vez diagnosticado com púrpura, o paciente ainda pode ser classificado em três fases diferentes da doença – aguda, persistente ou crônica-  e que pode influenciar na forma de tratamento e também nas chances de cura.

“A primeira coisa que esclarecemos para os nossos pacientes é que a doença é benigna e tem chances de recuperação. Tudo vai depender da reação ao tratamento de cada um. Em crianças, que a doença é mais comum, às vezes, a recuperação é instantânea”, explica  a hematologista do ambulatório especializado no tratamento da doença do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte, Raquel Baumgratz Delgado.

Hematomas roxos também são sintomas da púrpura (Reprodução Internet)
Hematomas roxos também são sintomas da púrpura
O tratamento da púrpura é bastante individualizado e depende do quadro clínico de cada paciente. As medicações mais comuns para o tratamento inicial da PTI são os corticoides e a imunoglobulina humana. Em casos mais graves pode ser necessário a cirurgia de retirada do baço. Segundo a médica, é importante destacar que nem todo mundo que tem as plaquetas abaixo do índice considerado normal precisa se submeter ao tratamento. “A contagem acima de 30 mil e sem apresentar sangramentos elimina o tratamento. Nesse caso, é muito importante o paciente fazer um acompanhamento com a contagem periódica das plaquetas”, explica.

Muitos efeitos colaterais e pouca informação
Um dos maiores desafios no tratamento da púrpura são os efeitos colaterais dos corticoides, principal medicação no combate à doença. Os mais comuns são a insônia, ganho de peso e alteração no humor. No caso de Sally Barcellos, foram cinco meses de tratamento e, nesse período, engordou 20 quilos. “O que mais atinge uma pessoa doente que faz o tratamento com corticoide  é o preconceito. Parece que você vai explodir, a pele se expande com tanta rapidez que as estrias aparecem, o cabelo fica ressecado, as bochechas ficam mais gordinhas, aparece uma papada horrível, uma corcunda que faz até as costas doerem, espinhas, taquicardia, barriga de grávida e por aí vai”, relata a jovem.

Outra dificuldade que o paciente enfrenta durante o tratamento da doença é a carência de informações. Além de não existirem estudos organizados com uma amostra nacional no Brasil, o tratamento é todo feito baseado em estudos realizados na população norte-americana. Para a hematologista Raquel Baumgratz, a falta de um estudo brasileiro atrapalha no sentido de não saber o perfil dos pacientes. “Não temos uma comparação de dados para definir o perfil dos pacientes brasileiros, mas o tratamento não é prejudicado por isso”, explica.

Internet como aliada

 A carência de informação sobre a PTI motivou Sally a criar o blog “Querido Diário”, onde ela passou a compartilhar sua experiência diária com a doença e trocar informações com outros pacientes na mesma situação. “Hoje o blog possui mais de 355 mil visualizações, uma página no Facebook com quase 500 curtidas e um aplicativo para celular na Play Store feito para celulares Android. No blog, temos mais de 700 comentários, os quais eu sempre tentei responder”, Conta.

Iniciativas  como a de Sally Barcelos foram que ajudaram a Rosilane Fortunato, quando ela recorreu à internet para buscar mais informações sobre a púrpura. “Encontrei grupos no Facebook de pessoas com PTI e vi que não estava sozinha. Conheci pessoas que convivem com essa doença há anos, trocamos experiências, damos apoio uns aos outros e isso ajuda muito”, ressalta.

Tanto para Sally quanto para Rosilane o tratamento da púrpura foi bem sucedido. Elas conseguiram elevar o número de plaquetas e voltaram a ter rotinas normais.

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